quinta-feira, 17 de outubro de 2013

NOTA DO NÚCLEO FREI TITO: Em defesa desmilitarização das polícias brasileiras

Covardia: Manifestante é agredida por PM no Rio de Janeiro

Jornalistas da Folha de São Paulo
e da TV Globo feridos por policiais 
   A repressão policial às manifestações populares que tiveram início em junho de 2013 e que têm tomado as ruas do Brasil reacenderam o debate a respeito da militarização das polícias. A partir da eclosão destes eventos, a faceta altamente repressiva das forças policiais do Estado brasileiro passou a ficar evidente para uma parcela maior da sociedade, pois, se antes atingia quase exclusivamente as classes mais populares (sobretudo jovens negros moradores de periferias e favelas), com a tomada das ruas promovida por milhares de brasileiros e brasileiras, a truculência policial passou a vitimar a todos, principalmente com uso abusivo de armas menos letais, como spray de pimenta, gás lacrimogênio, bombas de efeito moral, além de pistolas e fuzis – que demonstraram trazer sérios riscos à integridade física e à vida das pessoas. Assim, todo o país se deparou com uma forma criminosa de atuação policial. Essa percepção se deu não apenas pelo fato de que as vítimas deixaram de ser apenas os favelados, mas, principalmente, porque membros dos grandes conglomerados de comunicação do país também sofreram com a violência estatal. Além disso, houve grande circulação, através das redes virtuais e mídias alternativas, de informações, imagens e vídeos denunciando os abusos de policiais.
   Toda esta conjuntura traz uma nova dimensão a uma antiga e fundamental pauta dos que lutam por direitos humanos no Brasil: a DESMILITARIZAÇÃO DAS POLÍCIAS DO PAÍS. Violações têm sido exaustivamente denunciadas. É o caso do Caveirão (carro blindado que, na prática, é instrumento de execução de favelados) e das repetidas imagens na TV dos helicópteros utilizados por policiais na perseguição e assassinato do traficante Matemático. Exemplos como esses não estão desvinculados do modo de agir da polícia nos protestos Brasil afora e só demonstram que muitas vezes a instituição se torna arbitrária e coloca em risco a vida de centenas de pessoas. Todos esses casos fazem parte de uma mesma cultura militarizada que corresponde às necessidades do Estado Brasileiro, que não busca consolidar a polícia como instrumento de mediação e administração de conflitos, mas sim de manutenção de uma ordem social desigual e altamente excludente.


LEGADO HISTÓRICO

Brasão: Símbolos dos
primeiros financiadores e 
da coroa portuguesa
A origem histórica da polícia brasileira está associada à vinda das cortes portuguesas para o Brasil em fuga das expansões napoleônicas que tomavam lugar na Europa. A família real portuguesa saíra da metrópole  com cerca de quinze mil nobres para se deparar com uma colônia na qual o trabalho escravo era a mão de obra prevalecente  Assim, em 1808, a Intendência Geral da Polícia da Corte e do Estado do Brasil foi criada. Apesar da ampla gama de suas diversas atribuições legais, na prática, ela atuava intensamente na repressão ao crime, na captura de escravos fugitivos, na coação de quilombos, capoeiras etc. Apesar das diversas transformações que a corporação sofreu através do tempo, sua função de reprimir segmentos populares da sociedade ainda é evidente. Toma-se como exemplo o brasão da Polícia Militar do Rio de Janeiro, que apresenta a sigla GRP (Guarda Real da Polícia) e dois ramos, um de café e outro de cana-de-açúcar (as principais commodities da economia do estado que eram cultivadas por escravos e cujos proprietários financiavam as primeiras instaurações de força policial do país). Ao centro e no alto do brasão encontra-se a coroa do imperador. Em 1998, a academia de formação de oficiais da PMERJ foi rebatizada com o nome do monarca que a fundou: Academia de Polícia Militar D. João VI.

A ATUAÇÃO POLICIAL NO PRESENTE

 A função de estar a serviço dos poderosos está longe de ficar restrita à simbologia das polícias militares no decorrer da História. É no cotidiano das suas práticas que esta faceta cruel da atuação policial se reafirma de maneira mais significativa. Seja no número exorbitante de mortes através dos chamados autos de resistência, ou em casos mais emblemáticos, como o que ficou conhecido como Massacre de Pinheirinho, ocorrido em janeiro de 2012, quando a Polícia Militar do Estado de São Paulo invadiu uma ocupação para cumprir uma ordem de reintegração de posse, expulsando cerca de mil e quinhentas famílias que moravam em terreno que pertencia à massa falida do especulador Naji Nahas, preso em 2008 pela Polícia Federal acusado de cometer crimes financeiros. Para a surpresa das famílias que habitavam no local, a desocupação foi empreendida à revelia de uma decisão da justiça federal, ignorando um acordo entre os governos federal e estadual e decisão do governo federal de comprar e regularizar o terreno, cuja propriedade provinha de grilagem. A atuação ilegal e extremamente violenta da polícia – que impediu o acesso de milhares de pessoas à moradia para garantir o lucro de um especulador, ignorando a obrigatoriedade da função social da terra – explica-se pela íntima relação de Nahas com políticos do PSDB, partido que governa o estado de São Paulo, e deixa evidente o comprometimento com poderosos em detrimento das camadas populares da sociedade. 
É inquestionável a atuação policial em inúmeros casos de desrespeito aos direitos humanos, abuso de autoridade e mesmo inúmeras chacinas. Um dos massacres mais recentes ocorreu no Complexo da Maré, onde pelo menos nove pessoas foram mortas com fortes indícios de execução, em uma atuação claramente vingativa após a morte de um policial no mesmo local.

Manifestação na Maré denuncia o caráter violento 
dos policiais nas favelas, onde a truculência é ainda maior













AS UPPS COMO FALSA ALTERNATIVA

PMERJ agindo de forma covarde contra 
desabrigados das chuvas de abril de 2010

As Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) criadas durante o governo de Sérgio Cabral (PMDB) foram apresentadas como alternativa ao modelo de enfrentamento bélico da polícia “convencional”. Contudo, não se trata de uma novidade já que, apesar do alarde feito pelos meios de comunicação, as UPPs reproduzem, com insignificantes alterações, um modelo de policiamento já adotado em diversas gestões anteriores e que muda na medida em que mudam os governadores. O último nome adotado foi Grupamento de Policiamento em Áreas Especiais. Além disso, a iniciativa também não constitui uma verdadeira alternativa, na medida em que o principal argumento para defendê-la é que o controle policial sobre a comunidade é melhor do que o do “tráfico” de drogas. É preciso refutar o domínio coercitivo de criminosos como parâmetro para a atuação de agentes públicos. A atividade varejista de drogas em favelas não pode ser tomada como referência para a implementação de um programa de segurança pública. Além do mais, a implementação das UPPs está intrinsecamente associada à necessidade de garantir um controle segregador sobre as favelas da cidade do Rio de Janeiro, almejando a valorização do território com a implementação dos mega eventos.
São diversos os registros de abusos policiais nas áreas de UPPs e o descontentamento por parte de moradores destes lugares é encontrado em inúmeros relatos. O desaparecimento do pedreiro Amarildo de Souza depois de ter sido levado para averiguação na UPP da Rocinha é emblemático neste sentido.

LEGALIZAÇÃO DAS DROGAS

A guerra às drogas se mostrou fracassada em todos os lugares em que foi implementada na repressão ao comércio varejista de entorpecentes  O que se tem visto no mundo inteiro é um aumento do consumo destas substâncias e, portanto, a criminalização desse uso só serve para aumentar vertiginosamente o encarceramento de uma população considerada descartável para o sistema econômico ou mesmo para justificar um genocídio de jovens moradores de periferias.
No Brasil, a repressão a este comércio é feita de maneira extremamente violenta e sua ineficácia está intrinsecamente associada à corrupção endêmica das polícias. Desta maneira, a desmilitarização das forças de segurança pública deve estar associada à descriminalização das drogas.

POLÍCIA E ESPAÇO PÚBLICO

A polícia não pode ser entendida fora do contexto social no qual foi criada e existe. Portanto, os problemas encontrados nas forças policiais estão associados à noção de espaço público, que, no Brasil, é entendido como ambiente que pertence ao Estado e não aos cidadãos. Os limites e as regras valem para a população e não para os funcionários do Estado, que se apropriam dele e compartilham de privilégios com as pessoas com as quais se relacionam em âmbito privado. Portanto, a desmilitarização não deve ser entendida simplesmente como abolição do uso de fardas e da hierarquia militar. Deve fazer parte de um processo muito mais amplo que reconfigure, inclusive, a lógica repressiva das polícias Civis, Federal, Federal Rodoviária e, enfim, do aparato estatal de repressão, investigação e prevenção, de maneira a suplantá-la por um sistema de administração institucional de conflitos no qual a desigualdade jurídica deixe de existir nas leis e na nossa cultura jurídico-política.

Essa verdadeira revolução que defendemos pode se tornar viável através de algumas medidas objetivas, tais como: O FIM DAS POLÍCIAS MILITARES (no que se entende fim da justiça militar e da subordinação das polícias às forças armadas); garantia de direitos trabalhistas e sindicais para policiais e valorização de sua força de trabalho e controle externo com efetiva participação popular sobre a atuação da instituição.