terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Segurança Pública e Violência Institucional: a “crise do modelo de segurança pública” e as propostas do movimento de direitos humanos

Por Rafael Dias e Sandra Carvalho, da Justiça Global


A segurança pública e a violência institucional é uma área de atuação privilegiada no trabalho cotidiano de pesquisa, documentação e promoção dos direitos humanos da Justiça Global em diversos estados do Brasil. Nos últimos anos, realizamos nossos posicionamentos políticos através de inúmeras notas públicas, informes, relatórios e publicações sobre o tema. Entre eles podemos destacar o Relatório Rio – Violência policial e Insegurança pública (2004)Segurança, Tráfico e Milícias no Rio de Janeiro (2008)Criminalização da pobreza – Um relatório sobre as causas econômicas, sociais e culturais da tortura e outras formas de violência no Brasil (2009) e a Cartilha popular do Santa Marta: Abordagem policial (2010). Também participamos da construção do Encontro Por outra Segurança Pública (ENPOSP), que aconteceu paralelamente a realização da Conferência Nacional de Segurança Pública (CONSEG).


Esse conjunto de ações políticas e publicações demonstram que a Justiça Global e outras organizações de direitos humanos não se esqueceram desse tema e têm se posicionado publicamente sobre as políticas de segurança pública vigentes no país, visando criar uma consistente política pública de segurança. Apesar da mobilização de atores sociais por uma reforma abrangente na área, pouca coisa mudou no cenário brasileiro. A proposta do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), com integração nacional e valorização do profissional, foi derrotada no início do primeiro governo Lula. Já o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), alardeado como novidade no final do segundo mandato, não resistiu e está à míngua no atual governo Dilma. Ou seja, as duas principais políticas para o setor foram sistematicamente desmontadas. Parece que existe um forte lobby que busca deixar tudo do jeito que está. Pior para a sociedade e para os direitos humanos.

As recentes reivindicações salariais, através de ações grevistas (funcionando como pressão pela aprovação da PEC 300) de policiais militares e bombeiros em diversos estados do país, demonstram que algo não anda bem na segurança pública brasileira. Para além da reivindicação salarial e valorização do trabalho, existem elementos nessa “crise da segurança pública” que apontam para um esgotamento do modelo em curso, que é hierarquizado, disfuncional e foi consolidado no período da ditadura civil-militar (1964-1985).

No modelo atual temos duas polícias que funcionam com o ciclo incompleto. Isso quer dizer, resumidamente, que a Polícia Militar atua no policiamento ostensivo (reativo) de acordo com ocorrências aleatórias. Já a Polícia Civil (judiciária) realiza a segunda parte do ciclo, que é a investigação criminal, e apresenta os fatos e o conjunto de provas para que o Ministério Público denuncie ou arquive e depois a justiça comum julgue. Dessa forma, a Polícia Civil integra o sistema de justiça criminal. Essa dicotomia entre as polícias produz concorrência entre elas e preserva um arranjo político pouco eficaz.

Certo é que o problema na área de segurança pública tem sido negligenciado por sucessivos governos, e agora ele dá sinais que o organismo já não consegue viver harmonicamente com os arranjos institucionais que se amontoaram. Temos uma polícia violenta, responsável por cerca de 1/5 dos homicídios nacionais e que está envolvida com grupos de extermínio. Outro dado assustador é a crescente participação de agentes públicos em grupos armados que fazem controle econômico de territórios, conhecidos popularmente como milícias. Do ponto de vista institucional, vemos uma forte hierarquização na Polícia Militar e no Corpo de Bombeiros que não lembra em nada as funções civis da segurança pública. Esse formato cria instituições pouco propensas à democracia interna e externa e que tratam os movimentos sociais e defensores de direitos humanos como inimigos a serem combatidos. Estamos falando, precisamente, do processo de militarização da segurança pública e da sociedade em que o BOPE é o paradigma máximo.

A pauta da desmilitarização da segurança pública e a reforma profunda da atividade policial foram sistematicamente boicotadas por esse governo e os anteriores em nome da continuidade de um modelo, que apesar de aberrante, tinha se cristalizado como natural e inamovível. As manifestações das organizações da sociedade civil, que detectavam os graves problemas sociais e as violações de direitos humanos perpetuadas, não ganharam eco no aparelho de Estado, apesar do extermínio em curso da juventude negra do país.

Seguimos com uma institucionalidade na PM que não responde às demandas atuais por segurança pública e está conformada para manter os policiais e a própria sociedade sob controle. A utilização do código militar e o impedimento de sindicalização dos policiais militares em organização de caráter civil é a mostra da força das ideias que estão insistentemente fora de lugar. No período de democratização permaneceu e se consolidou um formato do regime ditatorial. O efeito disso é que os policiais militares (pouco afeitos com as atividades civis) a título de greve fazem, por vezes, aquilo que aprenderam nas casernas. Colocam-se pelo poder das armas acima dos interesses da sociedade, como se viu há pouco no movimento paredista da Bahia.

Por tudo isso, é possível afirmar que a atual crise na segurança pública não é novidade para nenhum governo, mas somente uma fase aguda da doença crônica. A questão a ser respondida é: como desmontar essa monstruosidade que quer se perpetuar? A atual crise não acaba com as greves debeladas, ela somente é postergada para um futuro próximo, quando a sua eclosão pode ter contornos ainda mais dramáticos do que aqueles vistos no verão de 2012. Assim, um primeiro passo seria levar a sério as propostas feitas pelas organizações da sociedade civil sobre o tema e que estão presentes no Programa Nacional de Direitos Humanos 3 (PNDH-3). Vamos listar algumas só para aquecer o debate e lembrar aos que querem esquecer esse tema inconveniente:


segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Prisão de repressor argentino pode abastecer Comissão da Verdade

Darío Pignotti - Página/12 (tradução de Libório Junior)


Brasília - O diretor do presídio brasileiro de Xanxerê ignorava o que tinha nas mãos: “O argentino Claudio Vallejos está aqui, desde o dia 4 de janeiro, por estelionato. Não sabemos quase nada do que fez quando era repressor, como você diz que foi. Ficamos sabendo agora”. “Vallejos atuou na repressão durante a ditadura argentina que matou brasileiros, uruguaios, chilenos, italianos...”, explicamos ao agente penitenciário Luis Brandielli, que não saía de seu assombro: “É serio? Este homem esteve envolvido em tudo isso? Você poderia mandar alguma matéria sobre ele?”.

Este diálogo telefônico, ocorrido às 7h40min de sexta-feira, não deixa de ser revelador da desinformação que abunda nos organismos de segurança brasileiros em relação aos ex-agentes envolvidos em violações aos direitos humanos e ilustra bem a trajetória de Vallejos. Há três décadas o antigo membro da ESMA encontrou cômodo refúgio no Brasil, repetindo o itinerário de outros repressores desocupados que saltaram do terrorismo de Estado à delinquência comum.

A notícia sobre a prisão de Vallejos pôs em alerta a embaixada argentina em Brasília, que às 8h30min de sexta-feira já havia feito contato com os funcionários credenciados no sul para qualificar o preso alojado no interior do estado de Santa Catarina. “Ou trabalhamos rápido ou este senhor escapa porque seu advogado pode pedir a liberdade condicional a qualquer momento. É muito fácil de conseguir para um acusado de estelionato”, comenta uma fonte diplomática em troca de anonimato.

O Gordo Vallejos, pseudônimo bem dado a julgar pelo que descrevem as fotos de seu prontuário policial, já havia sido preso na cadeia estadual de Xanxerê pelo menos uma vez, por estelionato, e foi expulso do Brasil de onde, segundo fontes de organizações de direitos humanos, tem um filho. Em 1986, talvez se sentindo seguro pela impunidade que garantiam as eminentes leis argentinas de Obediência Devida e Ponto Final, o fugitivo se vangloriou da imprensa brasileira de ter matado 30 prisioneiros, torturado outros tantos e – aqui o mais importante – narrou como Alfredo Astiz assassinou o pianista de Vinicius de Moraes em março de 1976, em um dos primeiros crimes posteriores ao golpe de 24 de março.

“Essa confissão, de 26 anos atrás, agora pode ter toda a atualidade do mundo e pode ser tratada na Comissão da Verdade que a presidenta Dilma (Rousseff) criou. Temos na prisão o repressor que conhece e também parece que participou na desaparição de um cidadão brasileiro em Buenos Aires”, sustenta Rose Nogueira, do grupo Tortura Nunca Mais.

O que disse pode lhe trazer consequências políticas, mas não jurídicas, porque no Brasil rege a anistia à ditadura.

– Permita-me corrigi-lo: a lei de anistia, ou se prefere de auto anistia, que lamentavelmente está em vigor, não pode anular delitos permanentes como o desaparecimento. Se nós podemos demonstrar na Comissão da Verdade, perante promotores que queremos que compareçam nas audiências, que Vallejos está incurso em um desaparecimento, acreditamos que poderia ser julgado. Digo isso porque já há uma decisão do Supremo reconhecendo que esse crime não prescreve. Obviamente haverá uma polêmica com os defensores da anistia.

A afirmação de Rose Nogueira, ex-companheira de cela da presidenta Rousseff nos anos 70, antecipa que os organismos de direitos humanos não cruzarão os braços ante o repressor, se é que ele permanecerá no Brasil. Tanto por sua proximidade com a desaparição do músico Tenório Cerqueira como por seu exílio no Brasil desde os primeiros anos da transição democrática, Vallejos pertence à cria da Operação Condor Brasil-Argentina, um dos capítulos menos conhecidos da década infame sul americana.

Qualquer promotor curioso, brasileiro ou argentino, poderia confrontar Vallejos com as revistas (que nos foram cedidas pelo Movimento Justiça e Direitos Humanos) nas quais, há 26 anos demonstrou estar muito bem informado sobre a presença, no Brasil, de repressores argentinos e até de crianças arrebatadas de seus pais em cativeiro. Está documentado que, nos anos 80, a Operação Condor providenciou abrigo aos seus homens em retirada ante a “ameaça” democrática. 

Os chilenos, com apoio do ditador paraguaio Alfredo Stroessner, criaram a conhecida “confraria” em Assunção, e contaram com o apoio do Serviço de Inteligência de Defesa uruguaio, em 1992, para tirar de Santiago o incômodo bioquímico do DINA, Eugenio Berríos, pouco tempo depois assassinado em uma praia oriental.

Claudio Vallejos talvez possa lançar luz sobre a estrutura que facilitou os movimentos no Brasil do repressor Guillermo Suárez Mason, que repartia seu tempo entre movimentos desestabilizadores contra Raúl Alfonsín e encontros em São Paulo com Licio Gelli, da Loja Maçônica P2, de notória vinculação com as ditaduras dos anos setenta.

Punir mais só piora crime e agrava a insegurança

Castigo mais duro, herança dos EUA de Reagan, transforma criminoso leve em profissional, diz professor de Bolonha

Por Mario Cesar Carvalho, da Folha de S. Paulo


"É UM PECADO , uma ideia louca" a noção de que penas maiores de prisão aumentem a segurança. "Acontece o contrário. Penas maiores produzem mais insegurança", diz o italiano Massimo Pavarini, 62, professor da Universidade de Bolonha e considerado um dos maiores penalistas da Europa. Ele dá um exemplo: "Quanto mais se castiga um criminoso leve, mais profissional ele será quando voltar ao crime".

Ligado ao pensamento de esquerda, Massimo Pavarini diz que essa ideia de punir mais teve como origem os EUA de Ronald Reagan, nos anos 80, e difundiu-se pelo mundo "como uma doença". A eleição de Barack Obama à Presidência dos EUA pode ser um sinal de que esse ideário se esgotou, acredita. Pavarini esteve em São Paulo na última semana para participar do congresso do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), onde deu a seguinte entrevista:

O sr. diz que o direito penal está em crise porque o discurso pró-punição está desacreditado e a ideia de ressocialização não funciona. O que fazer?
O cárcere parecia um invento bom no final de 1700, quando foi criado, mas hoje não demonstra mais êxito positivo. O que significa êxito positivo? Significa que o Estado moderno pode justificar a pena privativa de liberdade. Sempre se fala que o direito penal tem quatro finalidades:
serve para educar, produzir medo, neutralizar os mais perigosos e tem uma função simbólica, no sentido de falar para as pessoas honestas o que é o bem, o que é o mal e castigar o mal.
Após dois séculos de investigação, todas as pesquisas dizem que não temos provas de que a prisão efetivamente seja capaz de reabilitar. Isso acontece em todos os lugares do mundo.

O que fazer, então?
As prisões já não produzem suficientemente medo para limitar a criminalidade. Todos os criminólogos são céticos. O direito penal fracassou em todas as suas finalidades. Não conheço nenhum teórico otimista. Isso não significa que não possa haver alternativas. Há um movimento internacional em busca de penas alternativas. O que se imagina é que, se a prisão fracassou, a pena alternativa pode ter êxito punitivo. Há penas alternativas há três décadas e, se alguma pode surtir efeito, foi em algum momento específico, que não pode ser reproduzido em um lugar com história e recursos econômicos diferentes.

Numa conferência, o sr. disse que o Estado neoliberal, que começou na Inglaterra e nos EUA, não pensa mais em ressocializar o preso, mas em neutralizá-lo. Por que morreu a ideia de recuperar o preso?
Já se sabia que não dá para ressocializar o preso. O problema é outro. Existe uma obra bem famosa dos anos 70, chamada "Nothing Works" [nada funciona]. O livro foi escrito quando [Ronald] Reagan era governador da Califórnia [1967-1975]. Ele criou uma equipe de cientistas, de todas as cores políticas, e deu-lhes um montão de dinheiro. A pergunta era muito simples: você pode mostrar que o modelo de ressocialização dos presos tem um êxito positivo? Os cientistas pesquisaram muito e no final escreveram "nothing works". A prisão não funciona nos EUA, na Europa nem na América Latina. Nada funciona se você pensa que a prisão pode reabilitar. Não pode. O cárcere tem o papel de neutralizar seletivamente quem comete crimes.

Ele cumpre esse papel?
Pode cumprir. O problema é que a neutralização do inimigo, a forma como o neoliberal vê o delinquente, significa o fim do Estado de direito. O primeiro problema é que você não sabe quantos são os inimigos. Essa é a loucura.
Os EUA prendem 2,75 milhões todos os dias. Mais de 5% da população vive nas prisões. São 750 presos por 100 mil habitantes. Há ainda os que cumprem penas alternativas. Esses são 5 milhões. Portanto, são 7,5 milhões na América os que estão penalmente controlados. Aqui no Brasil são 300 presos por 100 mil habitantes.

Há teóricos que dizem que nos EUA as prisões se converteram em um sistema de controle social.
Sim, isso ocorre. O setor carcerário nos EUA é quase tão forte quanto as fábricas de armas. Muitas prisões são privadas. É um bom negócio. O paradoxo dos EUA é que em 75, quando Reagan começa a buscar a Presidência, os EUA tinham 100 presos por 100 mil habitantes. Após 30 anos, a taxa multiplicou-se por oito. Os EUA não tinham uma tradição de prender muito. Prendiam menos do que a Inglaterra.

O senso comum diz que os presos crescem exponencialmente porque aumentou a violência.
Isso é muito complicado. Se a pergunta é "existe uma relação direta entre aumento da criminalidade e aumento da população presa?", qualquer criminólogo do mundo, eu creio, vai dizer não. Os EUA não têm uma criminalidade brutal. Ela é comparável à criminalidade europeia. Eles têm um problema específico: o número elevado de casas com armas de fogo curtas. Um assalto vira homicídio.

Por que prendem tanto?
Os EUA prendem não tanto pelo crime, mas por medo social. Essa é a questão. A origem do medo social é bastante complexa, mas para mim tem uma relação mais forte com a crise do Estado de bem-estar social do que com o aumento da criminalidade. É um problema de inclusão social. Os neoliberais dizem que não dá para incluir todas as pessoas que não têm trabalho, os inválidos, os que estão fora do mercado. Os criminosos são os primeiros dessa categoria. Uma regra que ajudou a aumentar a população carcerária foi retirada do beisebol: três faltas e você está fora. Em direito penal isso significa que após três delitos, que podem ser pequenos, você está preso. Você está fora porque não temos paciência para tratá-lo. Vamos eliminá-lo.

Eliminar é o papel principal das prisões, então?
É um dos papéis. O direito penal é cada vez mais duro, as sentenças são mais longas, "life sentence" [prisão perpétua] é mais frequente, aplica-se a pena de morte.

Como essa ideia neoliberal funciona onde há muita exclusão?
Vou dizer algo que parece piada: quando os EUA dizem uma coisa, essa coisa é muito importante. Podem ser coisas brutais, grosseiras, mas quem diz são os EUA. Como imaginar que na Itália e na França, que têm ótimos vinhos, os jovens preferem Coca-Cola?
Não se entende. É o poder dos EUA que explica isso. A ideia de como castigar, porque castigar e quem castigar faz parte de uma visão de mundo. Se a América tem essa visão de mundo, isso se reproduz no mundo.

É por essa razão que cresce o número de presos no mundo?
Isso é um absurdo.
Dos 180 e poucos países do mundo, não passam de 10, 15 os que têm reduzido o número de presos. Na Itália, temos 100 presos por 100 mil habitantes.
Há 30 anos, porém, eram 25 por 100 mil. Aumentou quatro vezes em três décadas. Isso acontece na Ásia, na África, em países que não se pode comparar com os EUA e a Europa.
Creio que é uma onda do pensamento neoliberal, que se converte em políticas de direito penal mais severo. É engraçado que os EUA, nos anos 50 e 60, eram os mais progressistas em política penal, gastavam um montão de dinheiro com penas alternativas. Mas hoje as pessoas acham que o direito penal que castiga mais tem mais eficiência. Isso é desastroso. Nos EUA, o número de presos cresce também porque há um negócio penitenciário.

O que há de errado com esse tipo de negócio?
Os EUA têm cerca de 15% dos presos em cárceres privatizados. É uma ótima solução para a empresa que dirige a prisão. Ela sempre vai querer ter um montão de presos, é claro, para ganhar mais dinheiro, e isso nem sempre é a melhor política. É um negócio perverso.
Os empresários financiam lobistas que vão difundir o medo.
É um desastre. Mas pode ser que tudo isso mude. Obama parece ter uma visão oposta à dos neoliberais e já demonstra isso na saúde pública, um tema ligado à inclusão social. O difícil é que não há uma ideia suficientemente forte para se opor ao pensamento neoliberal sobre as penas. A esquerda não tem uma ideia para contrapor. Os políticos sabem que, se não têm um discurso duro contra o crime, eles perdem votos.

No Brasil, os políticos e a população defendem o aumento das penas. Penas maiores significam mais segurança.
Isso é um pecado, uma ideia louca, absurda. Acontece o contrário. Penas maiores produzem mais insegurança. É claro, um país não pode neutralizar todos os criminosos. Nos EUA, eles podem colocar na prisão o garoto que vende maconha. Prende por um, dois, cinco anos, e ele vai virar um criminoso profissional. Quanto mais se castiga um criminoso leve, mais profissional ele será quando voltar ao crime. Há mais de um século se diz que a prisão é a universidade do crime. É verdade. Mas, se um político diz "vamos buscar trabalho para esse garoto", ele não ganha nada.

No Estado de São Paulo, o mais rico do país, faltam 55 mil vagas nos presídios e as prisões são muito precárias. Por que um Estado rico tem presídios tão ruins?
Há uma regra econômica que diz que a prisão, em qualquer lugar do mundo, deve ter uma qualidade de sobrevivência inferior à pior qualidade de vida em liberdade. Como aqui há favelas, as prisões têm de ser piores do que as piores favelas. A prisão tem de oferecer uma diferenciação social entre o pobre bom e o pobre delinquente. Claro que São Paulo poderia oferecer um presídio que é uma universidade, mas isso seria intolerável. O presídio ruim tem função simbólica.

Em São Paulo, o número de presos cresce à razão de 6.000 por mês. Faz sentido construir um presídio novo por mês?
Mais cárceres significam mais presos. Se você tem mais presídios, você castiga mais. Por isso os países promovem moratórias, decidem não construir mais presídios.

Políticos dizem que mais presídios melhoram a segurança.
A única coisa que você pode dizer é que mais presídios significa mais população presa. Há milhões de pessoas que delinqúem diariamente, e os presos são uma minoria. O sistema penal é seletivo, não pode castigar todos. As pessoas dizem que o crime não compensa, mas o crime compensa muito. O sistema não tem eficiência para castigar todos.
Quando você aumenta muito a população carcerária, algo precisa ser feito. Na Itália, há cada cada quatro, cinco anos há anistia. Entre os nórdicos, quando um juiz condena um preso, ele precisa saber a quantidade de vagas na prisão. Se não há vaga, outro preso precisa sair. O juiz indica quem sai. Porque é preciso responsabilizar o Poder Judiciário e a polícia pelos presídios. O cárcere tem de ser destinado aos mais perigosos. Uma prisão de merda custa 250 por dia na Itália. Não faz sentido usar algo tão caro para qualquer criminoso.

Ecossocialismo. Por uma ecologia socialista. Entrevista especial com Michael Löwy

A crise ecológica abre a possibilidade para um novo projeto político, econômico e social: o ecossocialismo, defendido pelo sociólogo brasileiro, radicado na França, Michael Löwy. A ideia central da proposta é romper com o capitalismo e transformar as estruturas das forças produtivas e do aparelho produtivo. “Trata-se de destruir esse aparelho de Estado e criar um outro tipo de poder. Essa lógica tem que ser aplicada também ao aparelho produtivo: ele tem que ser, senão destruído, ao menos radicalmente transformado. Ele não pode ser simplesmente apropriado pelos trabalhadores, pelo proletariado e posto a trabalhar a seu serviço, mas precisa ser estruturalmente transformado”, esclarece.

Crítico ao capitalismo verde, que pretende transformar o capital e torná-lo menos agressivo ao meio ambiente, Löwy acredita que a crise ecológica é mais grave do que a econômica, pois “coloca em perigo a sobrevivência da vida humana neste planeta”. Em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail, ele enfatiza que é preciso reorganizar o modo de produção e consumo, atendendo “às necessidades reais da população e à defesa do equilíbrio ecológico”. As economias emergentes devem se desenvolver, mas não precisam “copiar o modelo de desenvolvimento capitalista do Ocidente”, aconselha. “Se trata de buscar um outro modelo, um desenvolvimento ecossocialista, baseado na agricultura orgânica dos camponeses e nas cooperativas agrárias, nos transportes coletivos, nas energias alternativas e na satisfação igualitária e democrática das necessidades sociais da grande maioria”.

Michael Löwy é cientista social e leciona na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, da Universidade de Paris. Entre sua vasta obra, destacamos Ideologias e Ciência Social. Elementos para uma análise marxista (São Paulo: Cortez, 1985); As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen (São Paulo: Cortez, 1998); A estrela da manhã. Surrealismo e marxismo (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002); Walter Benjamin: Aviso de Incêndio. Uma leitura das teses “Sobre o conceito de história” (São Paulo: Boitempo, 2005) e Lucien Goldmann, ou a dialética da totalidade (São Paulo: Boitempo, 2005).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que o senhor entende por ecossocialismo? Quais as ideias principais dessa corrente?

Michael Löwy – O ecossocialismo é uma proposta estratégica que resulta da convergência entre a reflexão ecológica e a reflexão socialista, a reflexão marxista. Existe hoje em escala mundial uma corrente ecossocialista: há um movimento ecossocialista internacional, que recentemente, por ocasião do Fórum Social Mundial de Belém (janeiro de 2009), publicou uma declaração sobre a mudança climática; e existe no Brasil uma rede ecossocialista que publicou também um manifesto, há alguns anos. Ao mesmo tempo, o ecossocialismo é uma reflexão crítica.

Em primeiro lugar, crítica à ecologia não socialista, à ecologia capitalista ou reformista, que considera possível reformar o capitalismo, desenvolver um capitalismo mais verde, mais respeitoso ao meio ambiente. Trata-se da crítica e da busca de superação dessa ecologia reformista, limitada, que não aceita a perspectiva socialista, que não se relaciona com o processo da luta de classes, que não coloca a questão da propriedade dos meios de produção. Mas o ecossocialismo é também uma crítica ao socialismo não ecológico, por exemplo, da União Soviética, onde a perspectiva socialista se perdeu rapidamente com o processo de burocratização e o resultado foi um processo de industrialização tremendamente destruidor do meio ambiente. Há outras experiências socialistas, porém, mais interessantes do ponto de vista ecológico – por exemplo, a experiência cubana (com todos seus limites).

O projeto ecossocialista implica uma reorganização do conjunto do modo de produção e de consumo, baseada em critérios exteriores ao mercado capitalista: as necessidades reais da população e a defesa do equilíbrio ecológico. Isto significa uma economia de transição ao socialismo, na qual a própria população – e não as leis do mercado ou um “burô político” autoritário – decide, num processo de planificação democrática, as prioridades e os investimentos. Esta transição conduziria não só a um novo modo de produção e a uma sociedade mais igualitária, mais solidária e mais democrática, mas também a um modo de vida alternativo, uma nova civilização, ecossocialista, mais além do reino do dinheiro, dos hábitos de consumo artificialmente induzidos pela publicidade, e da produção ao infinito de mercadorias inúteis.

IHU On-Line – Em que consiste o Manifesto Ecossocialista Internacional?

Michael Löwy – O Manifesto Ecossocialista Internacional, redigido em 2001 por Joel Kovel e por mim, foi uma primeira tentativa de resumir, em algumas páginas, as ideias principais do ecossocialismo, como projeto radicalmente anticapitalista e antiprodutivista, e como crítica às experiências socialistas não ecológicas do século XX.

IHU On-Line – A tentativa de aplicar o socialismo no mundo fracassou. Será possível vingar o ecossocialismo? Por quê?

Michael Löwy – As experiências de corte social-democrata fracassaram porque não sairam dos limites de uma gestão mais social do capitalismo e, nos últimos anos do neoliberalismo, as experiências de tipo soviético ou stalinista fracassaram por ausência de democracia, liberdade e auto-organização das classes oprimidas. As duas tinham em comum uma visão produtivista de exploração da natureza, com dramáticas consequências ecológicas.

O ecossocialismo parte de uma visão crítica destes fracassos e propõe um projeto democrático, libertário e ecológico. Nada garante que possa vingar. Depende das lutas ecossociais do futuro.

IHU On-Line – Sob quais aspectos a crise ecológica é mais grave do que a econômica?

Michael Löwy – A crise econômica tem consequências sociais dramáticas – desemprego, crise alimentar etc. –, mas a crise ecológica coloca em perigo a sobrevivência da vida humana neste planeta. O processo de mudança climática e aquecimento global, provocado pela lógica expansiva e destruidora do capitalismo, pode resultar, nas próximas décadas, numa catástrofe sem precedente na história da humanidade: desertificação das terras, desaparecimento da água potável, inundação das cidades marítimas pela subida do nível dos oceanos etc.

IHU On-Line – Como pensar em ecossocialismo se a Modernidade é capitalista? Seria
o ecossocialismo uma proposta para romper com o capital?

Michael Löwy – Absolutamente! Uma das ideias fundamentais do ecossocialismo é a necessidade de uma ruptura com o capitalismo. Uma ruptura que vai mais além de uma mudança das relações de produção, das relações de propriedade. Trata-se de transformar a própria estrutura das forças produtivas, a estrutura do aparelho produtivo. Há que aplicar ao aparelho produtivo a mesma lógica que Marx aplicava ao aparelho de Estado a partir da experiência da Comuna de Paris, quando ele diz o seguinte: os trabalhadores não podem apropriar-se do aparelho de Estado burguês e usá-lo a serviço do proletariado; não é possível, porque o aparelho do Estado burguês nunca vai estar a serviço dos trabalhadores.

Então, trata-se de destruir esse aparelho de Estado e de criar um outro tipo de poder. Essa lógica tem que ser aplicada também ao aparelho produtivo: ele tem que ser, senão destruído, ao menos radicalmente transformado. Ele não pode ser simplesmente apropriado pelos trabalhadores, pelo proletariado e posto a trabalhar a seu serviço, mas precisa ser estruturalmente transformado. É impossível separar a ideia de socialismo, de uma nova sociedade, da ideia de novas fontes de energia, em particular do Sol – alguns ecossocialistas falam do comunismo solar, pois entre o calor, a energia do Sol e o socialismo e o comunismo haveria uma espécie de afinidade eletiva.

IHU On-Line – Como o ecossosialismo pode se sustentar em economias emergentes, que ainda não conquistaram um status de bem-estar social das economias desenvolvidas?

Michael Löwy – As economias dos países do Sul, da Ásia, África e América Latina devem se desenvolver, mas isto não significa copiar o modelo de desenvolvimento capitalista do Ocidente e seu padrão de consumo insustentável. Trata-se de buscar um outro modelo, um desenvolvimento ecossocialista, baseado na agricultura orgânica dos camponeses e nas cooperativas agrárias, nos transportes coletivos, nas energias alternativas e na satisfação igualitária e democrática das necessidades sociais da grande maioria. O modelo ocidental não so é absurdo e irracional, mas não é generalizável: se os chineses quisessem imitar o American way of life, cinco planetas seriam necessários.

IHU On-Line – A humanidade deve preocupar-se com o ecossocialismo ou com o capitalismo verde?

Michael Löwy – O capitalismo verde é uma contradição nos têrmos. A lógica intrinsecamente perversa do sistema capitalista, baseada na concorrência impiedosa, nas exigências de rentabilidade, na corrida pelo lucro rápido, é necessariamente destruidora do meio ambiente e responsável pela catastrófica mudança do clima. As pretensas soluções capitalistas como o etanol, o carro elétrico, a energia atômica, as bolsas de direitos de emissão são totalmente ilusórias.

Os acordos de Kyoto, a fórmula mais avançada até agora de capitalismo verde, demonstrou-se incapaz de conter o processo de mudança climática. As soluções que aceitam as regras do jogo capitalista, que se adaptam às regras do mercado, que aceitam a lógica de expansão infinita do capital, não são soluções, são incapazes de enfrentar a crise ambiental – uma crise que se transforma, devido à mudança climática, numa crise de sobrevivência da espécie humana. Como disse recentemente o secretário das Nações Unidas, Ban Ki Moon: “Estamos correndo para o abismo com os pés colados no acelerador”.

IHU On-Line – Em que sentido a crise ecológica atual pode ser entendida como um
problema de luta de classes?

Michael Löwy – Por um lado, a crise ecológica é um problema de toda a humanidade, pessoas de várias classes sociais podem se mobilizar por esta causa. Por outro lado, as classes dominantes são cegadas por seus interesses imediatos, pensam exclusivamente em seus lucros, sua competitividade, suas partes de mercado e defendem, com unhas e dentes, o sistema capitalista responsavel pela crise. As classes subalternas, os trabalhadores da cidade e do campo, os desempregados, o pobretariado têm interesses conflitivos com o capitalismo e podem ser ganhos para o combate ecossocialista. Não se trata de um processo inevitável, mas de uma possibilidade histórica.

IHU On-Line – Nas últimas conferências do clima, em Copenhague e Cancun, os movimentos sociais e ambientalistas fracassaram? Por que não se vê perspectiva de avançar nas lutas ambientais?

Michael Löwy – O que fracassou em Copenhague e Cancun foram as políticas dos governos comprometidos com o sistema, que demonstraram sua total incapacidade de tomar qualquer decisão, mesmo a mais ínfima, no sentido de buscar reduzir significativamente as emissões de CO2, responsáveis pelo aquecimento global.

A manifestação de cem mil pessoas nas ruas de Copenhague nem 2009, protestando contra o fracasso da conferência oficial, com a palavra de ordem “Mudemos o sistema, não o clima”, é um primeiro passo, alentandor, no sentido de uma mobilização ecológica radical. Ainda estamos longe de ter uma luta ecológica planetária capaz de mudar a relação de forças e impor as drásticas mudanças necessárias. Mas esta é a única esperança de evitar a catástrofe anunciada.

IHU On-Line – Considerando o contexto de capitalismo exacerbado, acredita que as pessoas estão preparadas para o ecossocialismo?

Michael Löwy – Existe um sentimento anticapitalista difuso na América Latina, na Europa e em outras partes do mundo. O movimento altermundialista é uma das expressões disto. Por outro lado, cresce a consciência ecológica, a preocupação com as ameaças profundamente inquietantes que representa a mudança climática. Mas é no curso das lutas ecossociais contra as multinacionais destruidoras do meio ambiente e contra as políticas neoliberais que poderá surgir uma perspective ecossocialista. Não há nenhuma garantia; é apenas uma possibilidade, mas dela depende o futuro da vida neste planeta.

IHU On-Line – Qual é o papel das populações originárias como os indígenas e quilombolas na consolidação do ecossocialismo?

Michael Löwy – Em toda a América Latina – mas também na América do Norte e em outras regiões do mundo – as populações indígenas estão na primeira linha do combate à destruição capitalista do meio ambiente, em defesa da terra, dos rios, das florestas, contra as empresas mineiras, o agronegócio e outras manifestações da guerra do capital contra a natureza. Não por acaso os indígenas tiveram um papel determinante na organização da Conferência de Cochabamba em Defese da Mãe Terra e contra a Mudança Climática, em 2010, que contou com a participação de dezenas de milhares de delegados de comunidades indígenas e movimentos sociais. Temos muito a aprender com as comunidades indígenas, que representam outra visão da relação dos seres humanos com a natureza, totalmente oposta ao ethos explorador e destruidor do mercantilismo capitalista. Como diz nosso companheiro, o histórico lider indígena peruano Hugo Blanco: “Os indígenas já praticam o ecossocialismo há séculos!”

Cejil promete campanha contra o Brasil caso investigação de violações no Araguaia não ocorra

O Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil), promete uma campanha internacional contra o Brasil caso ele não cumpra a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos que o instrui a investigar e punir as violações aos direitos humanos ocorridas na repressão da guerrilha do Araguaia (1972-1975). O Cejil ajudou a abrir o processo na Corte e a decisão advertindo o Brasil foi anunciada em 2010.

"Este ano vão se cumprir dois anos sem avanços substanciais. Não faz sentido um país que quer entrar para o Conselho de Segurança da ONU se recusar a avançar na punição dos que, em nome do Estado, cometeram essas violações. Qual a idoneidade do Estado brasileiro para decidir sobre possíveis intervenções em outros países?", questiona Beatriz Affonso, diretora do Cejil.

Apesar de o Congresso ter aprovado a criação de uma comissão da verdade para apurar as violações aos direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988, o Brasil ainda é um dos países da região que menos avançaram na abertura dos baús do período autoritário. A comissão, a princípio, foi comemorada pelos grupos que representam as vítimas do regime, mas alguns apontam para o risco de a iniciativa ter sido apenas uma cortina de fumaça para reduzir o impacto da decisão da Corte. Beatriz, por exemplo, reclama que a Presidência teria ouvido apenas os militares sobre sua configuração técnica.

A comissão não deve ter poderes para fazer convocações nem julgar os crimes, mas desde o princípio, seu projeto causou inquietação entre setores das Forças Armadas. Segundo especialistas, a resistência é bastante limitante, já que tais comissões tendem a ter grande impacto nos países em que as Forças Armadas as veem como uma oportunidade para ganhar legitimidade, distanciando-se do passado.

Conforme explica Marcie Mersky, do International Center for Transitional Justice, contratado pelo governo como consultora no início do projeto, o impacto da comissão dependerá, entre outras coisas, de sua capacidade de ganhar a confiança da sociedade: "É essencial que a indicação seja feita de forma razoavelmente transparente". 

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Ou as barcas mudam... ou nós mudamos as barcas!


Ou as barcas mudam 
ou nós mudamos as barcas   
R$ 4,50 é um assalto! 
Não pago!

Parece mentira, mas não é! A travessia de barca Rio-Niterói vai mesmo custar R$ 4,50 a partir de 1º de março. O preço do bilhete subirá 60,7% em relação aos R$ 2,80 atuais. Esse aumento que só beneficia os cofres privados da concessionária Barcas S/A foi autorizado pelo governador Sérgio Cabral, com o aval de seu secretário de Transportes Júlio Lopes e da maioria da Assembleia Legislativa. Precisamos protestar! 

Para tentar acalmar os nossos ânimos de passageiros, principais vítimas desse aumento, o governo acena com um subsídio temporário, mas apenas para os usuários do Bilhete Único, dos quais serão cobrados R$ 3,10. Dessa forma, o governo insiste em prejudicar a população para favorecer com dinheiro público grandes grupos empresariais.

As Barcas S/A jamais cumpriram a sua parte no contrato de prestação de serviços ao governo que já se estende por 13 anos. Só dispõe, por exemplo, de seis das dez embarcações que seriam necessárias para dar vazão ao fluxo de passageiros. Nunca providenciou a linha Rio-São Gonçalo, que pelo contrato deveria existir desde 1999. E, para completar, ainda acabou com a Barca do Sereno, que funcionava durante a madrugada. Tudo isso ocorreu com a conivência da Agetransp, órgão que deveria fiscalizar o serviço e punir as notórias irregularidades.

Trata-se de uma empresa cujos serviços se mostram de péssima qualidade, oferecendo até mesmo ameaça à vida dos seus passageiros. O histórico recente de acidentes em série comprova esse risco. Não bastassem os acidentes — só no último houve 60 feridos —, há as filas intermináveis e os atrasos recorrentes, sem falar na falta de coletes salva-vidas e no forte calor dentro das embarcações. Mas quando deveria ser punida, essa empresa é premiada com subsídios. 

Basta! Cansamos de tanto desrespeito em um contexto de crise geral nos transportes públicos, com superlotação, “apagões”, sucateamento e acidentes também no Metrô, na Supervia e nos ônibus.

O PSOL defende o fim da concessão e a imediata reestatização das Barcas. Esse é um passo importante na luta por um serviço de qualidade e a preços acessíveis! Lutemos pela suspensão imediata do aumento do bilhete das barcas!


Barcas S.A. - Um mar de lama!  Você sabia...

→ Que apenas o grupo composto, entre outros, pela AUTO VIAÇÃO 1001 LTDA e CONSTRUTURA ANDRADE GUTIERREZ S/A participou da licitação, sendo que o lance apresentado foi igual ao preço mínimo do edital, bem abaixo do valor que seria justo?
→ Que empresários das Barcas S/A fazem parte da exploração da Ponte Rio-Niterói, o que é proibido pelo contrato de concessão?
→ Que o contrato de concessão das Barcas prevê a construção do terminal São Gonçalo/Praça XV, que deveria estar pronto desde o ano 1999?
→ Que o governo estadual premiou os empresários das Barcas S/A com um empréstimo de R$ 8 milhões em abril de 2009?
→ Que atualmente as Barcas transportam por dia uma quantidade menor de pessoas do que quando era pública?
→ Que o atual governo estadual isentou as Barcas da cobrança de ICMS?

Nossas vidas valem mais que o lucro das Barcas S/A!

Grande manifestação contra o aumento do bilhete das Barcas
Dia 01/03, a partir das 7h
Na Estação Arariboia

Ex-repressor argentino é preso por estelionato em Santa Catarina

Da Carta Maior


O ex-repressor argentino Claudio Vallejos, que atuou na repressão a presos políticos na Escola de Mecânica da Armada (ESMA), foi preso em Santa Catarina, dia 4 de janeiro, acusado de estelionato, segundo informou à agência italiana ANSA um funcionário da prisão para onde foi levado. “Claudio Vallejos está aqui desde o dia 4 de janeiro, em uma cela com outros presos. Nós o detivemos por estelionato, não sabemos quase nada do que ele fez quando era repressor, estamos nos inteirando disso afora”, disse Luis Brandielli, diretor da prisão de Xanxerê, interior de Santa Catarina. “Vallejos ainda não foi condenado e nós não recebemos nenhum pedido da Argentina”, acrescentou Brandielli.

Em 2010, o repressor argentino já havia sido preso pela Polícia Civil de Campo Erê, que tomou conhecimento que um provável estelionatário estava agindo na região. Conforme apurou a polícia, Vallejos aplicava golpes em outras cidades da região, apresentando-se como jornalista.

O argentino reside no Brasil há anos e declarou a jornalistas brasileiros e em depoimento a diplomatas suecos, em 1986, que atuava na ESMA em março de 1976 quando, segundo seu relato, o ex-capitão da Marinha, Alfredo Astiz, assassinou o pianista brasileiro Francisco Tenório Cerqueira Junior. O músico continua desaparecido até hoje e foi sequestrado quando se encontrava em uma turnê em Buenos Aires no grupo do poeta, compositor e ex-diplomata Vinicius de Moraes. 

Vallejos afirmou ter participado de “grupos de tarefa”, bandos que sequestraram, torturaram e assassinaram milhares de pessoas entre 1976 e 1979. Segundo seu próprio depoimento, sua base de operações era a famigerada ESMA.

Tortura a presos derruba direção de presídio no Espírito Santo

O vídeo abaixo foi divulgado pela Comissão de Prevenção e Enfrentamento à Tortura do Espírito Santo, vinculada ao Tribunal de Justiça do Estado. A peça exibe cenas de tortura imposta a presos no Centro de Detenção Provisória da cidade de Aracruz. Uma cadeia classificada como “modelo”. O governo do Estado, chefiado pelo ex-senador Renato Casagrande (PSB), afastou os três diretores do presídio e quatro agentes penitenciários.

Compelidos a se despir, os detentos foram levados a uma sala escura. Sob ordens de agentes penitenciários e iluminados por uma lanterna, são forçados a realizar exercícios físicos. Os algozes xingam e ameaçam os torturados. Um deles soa assim: “Vocês vão ficar aí até atingirem a perfeição desse procedimento.”


A sessão de suplícios ocorreu em janeiro. Filmado por um agente penitenciário que discordou do “procedimento”, o vídeo foi entregue à comissão antitortura do tribunal capixada na última sexta-feira (17). A fita original tem 41 minutos de duração.

Tapa na cara

O desembargador Pedro Valls Feu Rosa, presidente do Tribunal de Justiça, declarou-se estarrecido com as imagens. “Isso é um tapa na cara do Poder Executivo, um tapa na cara do Poder Judiciário, um tapa na cara do Ministério Público, um tapa na cara da sociedade civil e de toda a população, que não merece assistir isso em pleno século 21.”

O desembargador William Silva, que coordena a comissão, ecoou o colega. “Essa prática é a pior forma de tortura possível”, disse. Por quê? “Ela esconde as agressões sofridas” pelos presos. Em casos do gênero, afirmou William, “só se consegue comprovar uma lesão por meio de exame de ressonância magnética.”
Dito de outro modo: os agentes prisionais infringem a lei sem deixar vestígios do crime. Não fosse pelo vídeo, as agressões físicas e psicológicas ficariam impunes. Com as imagens, abre-se a perspectiva de punição.

Torturômetro

O secretário de Justiça do Espírito Santo, Ângelo Roncalli, determinou a abertura de sindicância para identificar os responsáveis pelo descalabro. Fixou prazo de 30 dias para a conclusão da investigação. Em ofícios dirigidos ao Ministério Público e à Procuradoria Geral do Estado, o Tribunal de Justiça requereu o acompanhamento do caso.
O Tribunal de Justiça do ES adotou um sistema apelidado de “torturômetro” para informar à sociedade todas as denúncias referentes a tortura nos presídios capixabas. De janeiro até esta quinta-feira, o TJ recebeu 11 denúncias, sendo que a última dá conta de que um preso teria sido espancado no presídio de Segurança Máxima I, em Viana, na Grande Vitória. O caso também é apurado em uma sindicância.
Segundo o tribunal, esta é a primeira denúncia recebida de tortura acompanhada de provas, desde o surgimento do torturômetro há um mês. Além da denúncia comprovada, o TJ-ES também recebeu outras denúncias de tortura em presídios espalhados pelo estado. De acordo com Feu Rosa, as apurações vão continuar para que os envolvidos sejam penalizados criminalmente.

Capacidade do CDP

No Centro de Detenção Provisória (CDP) de Aracruz há cerca de 210 detentos que ainda não foram julgados pela justiça. Segundo a Sejus, a capacidade total é de 178, mas atualmente está superlotada. O presídio conta com 72 agentes.

Além do ocorrido em Aracruz, a Comissão de Prevenção e Enfrentamento à Tortura do Tribunal de Justiça do Espírito Santo também recebeu outras denúncias de tortura em 2012. Presídios da Serra, Viana e Vila Velha, na Grande Vitória, em São Mateus, no Norte, e Colatina, no Noroeste, também tiveram presos torturados, mas sem provas. “Temos muitas denúncias, mas ainda temos que apurar porque há muitos relatos anônimos, registros inconclusivos, mas são denúncias que serão apuradas”, explica William Silva.

O secretário estadual de Justiça, Ângelo Roncalli, foi cauteloso ao comentar os excessos dos servidores em Aracruz. “Não dá para fazer um pré-julgamento, temos que apurar toda a situação. O governador Renato Casagrande já foi notificado e a diretoria do presídio afastada. Quanto às outras denúncias recebidas em outras unidades, ainda não há provas. Uma sindicância foi aberta e vamos agilizar a apuração”, conta.

Sobre o que poderia motivar os agentes penitenciários a cometerem os atos de tortura, o presidente da Comissão de Direitos Humanos do Espírito Santo, Gilmar Ferreira de Oliveira, alega que o governo precisa orientar melhor os servidores. “É uma questão de formação. O estado tem que orientar mais, tem que dar boas condições de trabalho. É possível que num levantamento mais profundo a gente possa detectar melhor os motivos. Mas nenhuma justificativa é aceitável. Salário, condições de trabalho, nada justifica”, salientou.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

STF aceita denúncia e senador será julgado por trabalho escravo

Da Rede Brasil Atual


São Paulo – O Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou denúncia e transformou em réu o senador João Batista de Jesus Ribeiro (PR-TO) por denúncia de crime de trabalho escravo em uma propriedade no Pará. A maioria dos ministros acolheu na quinta-feira (23) denúncia da Procuradoria Geral da República, que apontou haver ocorrido aliciamento de trabalhadores em Araguaína, no Tocantins, para trabalhar na Fazenda Ouro Verde, que é de Ribeiro, localizada no município paranaense de Piçarra. A acusação se baseou em inspeção feita em 2004 pelo grupo móvel do Ministério do Trabalho, após informações de um funcionário que contou o caso à Comissão Pastoral da Terra (CPT).

O entendimento da relatora, a ministra Ellen Gracie, já aposentada, é de que o parlamentar tinha ciência dos fatos e não trabalhou para evitar o crime. O voto foi acompanhado pelos ministros Luiz Fux, Carmen Lúcia, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Ayres Britto e Celso de Mello. Eles avaliaram que a operação do Ministério do Trabalho forneceu elementos suficientes para comprovar que os trabalhadores eram mantidos em condições inadequadas de saneamento, de alojamento e de alimentação. Além disso, eram submetidos a jornadas exaustivas de trabalho.

Os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Marco Aurélio Mello se posicionaram contra o acolhimento da denúncia. Mendes manifestou não enxergar nos autos prova de que houve o crime, e argumentou que as más condições a que estavam submetidos aos trabalhadores são fruto das diferentes condições regionais brasileiras. “A inexistência de refeitórios, chuveiros, banheiros, pisos em cimento, rede de saneamento, coleta de lixo é deficiência estrutural básica que assola de forma vergonhosa grande parte da população brasileira, mas o exercício de atividades sob essas condições que refletem padrões deploráveis e abaixo da linha da pobreza não pode ser considerado ilícito penal, sob pena de estarmos criminalizando a nossa própria deficiência”.

O ministro lançou mão ainda de um argumento comumente utilizado pelos advogados de empregadores flagrados em condição análoga à escravidão, a de que se trata de um crime de difícil definição. A leitura é de que essa dificuldade deixa a fiscalização sujeita a abusos por parte de agentes da Polícia Federal e do Ministério do Trabalho. Para Mendes, trata-se de uma realidade nacional que não será mudada “num passe de mágica”, com a adoção de “regulamentos extravagantes” feitos à margem dos reais problemas sociais. “Para não ser mal interpretado, enfatizo que não estou a defender o mau empregador, o explorador das condições desumanas ou degradantes de trabalho.” 

João Ribeiro foi reeleito para o Senado em 2010, com 375 mil votos. Foi deputado federal por dois mandatos, de 1995 a 2003. Ocupou cargos no governo de Tocantins em dois períodos: em 1997, como secretário de Turismo Ecológico, e entre 2001 e 2002, como secretário do Governo. Começou a carreira política em 1982, eleito vereador em Araguaína pelo extinto PDS.

Ré aprovada em vestibular pede Habeas Corpus para frequentar aulas

A defesa de G.B.P. impetrou Habeas Corpus (HC 112385), no Supremo Tribunal Federal (STF), com pedido de liminar, em que questiona decisão da Vara de Execuções Penais do Distrito Federal – mantida liminarmente pelo Superior Tribunal de Justiça –, que, supostamente, teria ignorado trecho da Lei de Execuções Penais (LEP) ao negar o direito de usufruir do benefício de saídas para estudo, previsto no artigo 126 da referida lei, segundo consta no HC.

G.B.P. foi condenada a uma pena de seis anos e cinco meses de reclusão, cumprida em regime semiaberto, em caráter excepcional, por ter um filho portador de retardo de desenvolvimento psicomotor e distúrbio psiquiátrico. O benefício de prisão domiciliar foi concedido pelo juízo da Vara de Execuções Penais (VEP).

Durante o cumprimento da pena no regime semiaberto, G.B.P. prestou vestibular para o curso de Direito, foi aprovada e matriculada no curso. Como a concessão do benefício da prisão domiciliar restringe sua liberdade de ir e vir, G.B.P. requereu ao juízo da Vara de Execuções Penais a possibilidade de frequentar as aulas, porém, teve seu pedido indeferido.

Ao negar o pedido, o juiz da VEP salientou que “esse juízo deferiu o benefício de prisão domiciliar, com o objetivo único de que a sentenciada pudesse fornecer a assistência necessária ao seu filho portador de deficiência mental, visto que seus familiares têm sido incapazes de prover, e que para tal é necessária a permanência em casa por período integral, conforme termo de compromisso assinado”.

Os advogados da estudante recorreram ao TJDFT para que fosse aplicada a LEP, mas o pedido foi indeferido. Com mesmo teor, a defesa de G.B.P. buscou no Superior Tribunal de Justiça (STJ) a possibilidade de frequentar as aulas, porém, também teve resposta negativa ao pedido de liminar.

Para os advogados, o periculum in mora (perigo da demora) se faz presente no caso, uma vez que a sua cliente já está matriculada e suas aulas tiveram início no mês de fevereiro de 2012 e há o risco de que G.B.P. perca sua vaga no curso. De acordo com a defesa, também está presente o fumus boni juris (fumaça do bom direito), pois, conforme disposto no artigo 126 da LEP (com a redação dada pela Lei 12.433, de 2011), é direito do apenado – ainda que cumpra sua reprimenda em regime fechado – de frequentar curso regulares e profissionalizantes.

Nesse sentido, a defesa requer a concessão da liminar para G.B.P. ter o benefício de saídas para estudo e, por fim, a confirmação da liminar.

ZEIS e direito à moradia: as leis que alguns escolhem ignorar



O direito à moradia tem sido um dos temas mais discutidos pelos movimentos sociais nos últimos meses. Seja em São Paulo, com as disputas causadas pelo projeto Nova Luz e a “limpeza” da Cracolânida, seja em Fortaleza e outras sedes da Copa 2014, onde obras ameaçam expulsar moradores de comunidades centrais para a periferia, seja na cidade de São José dos Campos da violenta desocupação do Pinheirinho, o que está em jogo é o direito de cada cidadão de ter um teto, reconhecido no Artigo 6º da Constituição Federal entre os direitos fundamentais.

Em todos os casos citados acima, especialistas lembram que existiriam mecanismos legais para proteger os moradores. Um dos mais citados são as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). Utilizada pela primeira vez em Recife, na década de 1980, o instrumento foi consagrado no Estatuto da Cidade. As ZEIS são um tipo de zoneamento dentro do qual se aplicam regras especiais de uso e ocupação do solo em áreas já ocupadas ou que venham a ser ocupadas por população de baixa renda para garantia do direito constitucional à moradia.

São duas as possibilidades aqui. Em certos casos, permitir a regularização da posse de terrenos por comunidades já instaladas, aplicando-se condições especiais, legalizando a situação, garantindo o direito à moradia e permitindo ao poder público a realização de obras de infra-estrutura. Em outros, regular o mercado imobiliário, permitindo que populações de baixa renda usufruam da infra-estrutura já instalada em certas regiões.

O instrumento visa dar conta da realidade brasileira, que inclui um processo de urbanização sem controle e apressado, e uma intensa desigualdade social. Essas características levaram (e levam) as populações mais pobres a ocupar terras à margem da legislação, em ocupações, favelas e loteamentos clandestinos, muitas vezes em locais perigosos (encostas de morros e margens de rios) ou áreas protegidas ambientalmente.

Uma característica interessante do processo de urbanização que demonstra a importância das ZEIS está exatamente na chegada de infra-estrutura onde ela ainda não existe. É claro que todos comemoram a implantação de melhorias como água e esgoto encanados, luz elétrica, asfalto, transporte público e outros serviços que deveriam ser óbvios. No entanto, há um lado problemático: com elas vêm a valorização da área, que muitas vezes leva à expulsão dos moradores mais pobres para regiões mais periféricas.

É o caso das comunidades cariocas que receberam as conhecidas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Junto com a retomada do território pelo Estado, vieram melhorias, avenidas alargadas, novas empresas e oportunidades de emprego. Mas veio também o aumento do custo de vida e a valorização da terra. Fatos como passar a pagar o IPTU ou não poder mais contar com a ligação clandestina de luz ou telefone são o bastante para desequilibrar a vida financeira de uma família.

 É o que mostra a matéria "Os Retirantes da Favelas", de Rodrigo Martins e Willian Vieira, publicada na edição 679 da revista Carta Capital (trecho aqui, a íntegra apenas na edição impressa). O texto relata histórias de moradores de favelas pacificadas, como a Rocinha, na região central do Rio, que estão se mudando para cidades vizinhas por conta do custo de vida – ao preço de viagens muito mais longas para chegar ao trabalho, por exemplo. Há também casos de estrangeiros que compraram barracos a preços baixíssimos e hoje viram seu investimento valorizar horrores. A instalação de ZEIS nessas comunidades poderia diminuir o impacto do gasto com IPTU e outras tarifas, protegendo os moradores.

E não são situações isoladas. O caso da Favela do Moinho, no centro de São Paulo, esvaziada às pressas após a desastrada (se não mal-intencionada) ação de demolição de um edifício, poderia ter sido resolvido de forma mais humana e socialmente justa com a criação de uma ZEIS e a concessão legal da terra aos moradores. O mesmo poderia ter sido feito no caso do Pinheirinho, em que o governo de São Paulo preferiu a violência para proteger supostos direitos do proprietário das terras.

Digo “supostos”, mas talvez pudesse dizer inexistentes. O terreno do Pinheirinho, como boa parte das áreas e edifícios ocupados, não atende a um princípio básico da Constituição Federal: a função social da propriedade, conforme prevista no artigo 5º da Carta Magna e, mais especificamente, em seu artigo 182 da Constituição, que regula a política urbana nacional. Este prevê de forma clara de o Poder Público Municipal exigir do “proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento”, com penas que vão do aumento do IPTU à desapropriação.

Está tudo nas leis. Basta que nossos governantes e juízes aprendam a olhar todos os lados de cada questão, e não apenas o dos mais ricos.

Itália é condenada por negar abrigo a imigrantes africanos

PARIS — A Corte Europeia dos Direitos Humanos, em Estrasburgo, condenou a Itália a pagar 15 mil euros para cada um dos 24 imigrantes africanos que fugiram da Líbia em 2009 e tiveram abrigo negado por autoridades italianas, no caso conhecido como Hirsi Jamaa.

Na época, embarcações italianas recolheram os imigrantes no Mar Mediterrâneo e os mandaram de volta para a Líbia, onde foram entregues a autoridades locais. Para a Corte Europeia, houve violação do artigo 3 da Convenção sobre os Direitos Humanos, que fala sobre tortura e tratamento desumano ou degradante, já que era sabido que imigrantes africanos eram alvos comuns do governo líbio, então chefiado pelo ditador Muamar Kadafi.

Além correr o risco de serem mal tratados em Trípoli, os imigrantes ainda poderiam ter sido mandados de volta - pelos líbios - para seus países de origem, onde poderiam ser presos ou ainda torturados. Para o Alto Comissariado da ONU para Refugiados (ACNUR), a Itália não seguiu o princípio de "não devolução", que norteia a obrigação dos Estados de não retornar forçosamente pessoas a países onde enfrentam perseguição e sérios riscos. O Comissariado considera ainda que pessoas resgatadas do mar estão frequentemente em situação física e psicológica mais vulnerável que as resgatadas em outros contextos e, por isso, podem não ter condições de declarar sua intenção de pedido de refúgio assim que são interceptadas.

A Corte Europeia também condenou a Itália por violar a proibição das expulsões coletivas, além do direito das vítimas de recorrerem aos tribunais italianos.

O ACNUR considerou que o julgamento representa uma orientação importante sobre a linha de conduta de países europeus em suas políticas de controle de fronteiras e práticas de intercepção, o que representa um ponto de virada em relação às responsabilidades dos Estados e à administração de fluxos migratórios.

Milícias na Líbia estão fora de controle, diz Anistia Internacional

Efe

LONDRES - A Anistia Internacional (AI) denunciou na quinta-feira, 16, que as milícias armadas que agem na Líbia cometem abusos contra os direitos humanos e estão "fora de controle".

Em um relatório sobre a situação na Líbia um ano depois do começo da chamada primavera árabe, a AI assinala que estas milícias atuam com impunidade e criam insegurança e problemas para a reconstrução das instituições do Estado. Intitulado "As milícias ameaçam as esperanças de uma nova Líbia", o texto documenta extensos abusos dos direitos humanos, incluindo crimes de guerra, por parte de múltiplas milícias suspeitas de ser leais ao finado ditador Muamar Kadafi.

Segundo a organização de defesa dos direitos humanos, com sede em Londres, há detenções ilegais e torturas que, em alguns casos, causam a morte. Os imigrantes e os refugiados africanos também foram alvo dos abusos, enquanto as autoridades não fizeram esforços para investigar e processar os responsáveis, acrescenta.

"Há um ano, os líbios arriscaram a vida para exigir justiça. Hoje, suas esperanças se veem prejudicadas por milícias armadas ilegais que pisoteiam os direitos humanos com impunidade", assinala o relatório divulgado nesta quinta.

A AI informa que, em janeiro e no início de fevereiro de 2012, uma delegação do organismo visitou 11 instalações de detenção no centro e no oeste da Líbia utilizada por várias milícias. Os detentos afirmaram ter sido torturados e maltratados no local e mostraram os ferimentos sofridos.

Pelo menos 12 pessoas detidas pelas milícias morreram desde setembro após sofrer torturas. Segundo a AI, não foi iniciada investigação alguma sobre esses casos.

A organização chama a atenção para a necessidade de as autoridades líbias demonstrarem seu compromisso de virar a página de décadas de violações sistemáticas dos direitos humanos e averiguar os abusos perpetrados no passado e no presente.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

OEA aceita denúncias contra o Brasil por demora no julgamento de crimes

A Organização dos Estados Americanos (OEA), por meio de sua Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), aceitou e deve julgar diversas reclamações contra o Brasil por violação aos direitos humanos. Entres os casos que estão na CIDH estão desde reclamações por não pagamento de precatórios até casos de desaparecimento, como o de um radialista que sumiu após fazer denúncias contra políticos; e de tortura, como o de um dono de bar, que após ter sido preso acusado de desacato, teria sido torturado por policiais.

O Brasil ratificou a Convenção Americana em 25 de setembro de 1992, comprometendo-se a proteger os direitos humanos por ela protegidos. A partir daí, a CIDH passou a ter competência para julgar descumprimentos destes direitos, que tenham ocorrido a partir da data em que o Brasil assinou a convenção, e cujos recursos internos no país já tenham se esgotado.

Entre outros motivos, a morosidade judiciária (como a de um processo de restituição internacional de crianças, que se arrasta por mais de oito anos) e a falta de ferramentas jurídicas que garantam o cumprimento das decisões judiciais de caráter monetário (precatórios) impostas ao Estado têm levado o Brasil à corte internacional.

Repressão à imprensa 

Um dos casos foi investigado pela Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) e submetido à CIDH. É o caso do jornalista e locutor de rádio Ivan Rocha, que desapareceu em abril de 1991 supostamente em virtude das críticas e denúncias de corrupção que fazia em seu programa contra políticos do sul da Bahia. De acordo com a investigação da SIP, houve "irregularidades, pressões e tentativas de conduzir o processo" instaurado pelas autoridades brasileiras para a apuração do caso.

De acordo com a denúncia apresentada à CIDH, Ivan Rocha fazia críticas no programa A Voz de Ivan Rocha contra autoridades que participariam de grupos de extermínio. A causa do desaparecimento do radialista teria sido o programa veiculado no dia anterior, no qual ele anunciou que entregaria às autoridades um relatório com nomes de policiais e políticos envolvidos com crimes. Um dia depois, Ivan desapareceu.

Depois das investigações, dois policiais e um jornalista, que trabalhava em uma rádio de propriedade de um político rival ao grupo para o qual trabalhava Ivan Rocha, foram denunciados pelo sequestro Ivan. No entanto, de acordo com a acusação, a mudança de versão de testemunhas oculares diante da Justiça, inclusive dizendo que inicialmente teriam sido acuadas a depor contra os acusados, fez com que o Ministério Público retirasse a denúncia, o que não impediu a Justiça de condenar o jornalista e um dos policiais. Um segundo policial acusado foi inocentado.

No entanto, ao analisar o recurso, o Tribunal de Justiça da Bahia considerou que as contradições no depoimento da testemunha principal do caso, combinadas com a falta de outros indícios, resultaram na insuficiência de provas para determinar a materialidade do delito e a eventual autoria. Portanto, revogou as condenações. O caso está prescrito desde abril do ano passado.

Para a SIP, o processo penal padeceu de importantes irregularidades. Em maio de 1991, por exemplo, foram encontradas algumas ossadas e roupas que poderiam ter pertencido ao jornalista desaparecido, mas que não foram matéria de uma perícia forense. A entidade ainda chama a atenção para o suposto sequestro da única testemunha ocular do crime. Segundo a SIP, a testemunha foi sequestrada em agosto de 1991, depois de ter declarado a um policial ter visto o jornalista e um dos policiais acusados e outras duas pessoas que não conhecia saírem de um veículo e depois introduzir Ivan Rocha nele.

Finalmente, segundo a SIP, os recursos judiciais sobre o desaparecimento foram esgotados em 1994 e continua existindo impunidade no caso, já que no momento da apresentação da petição haviam transcorrido mais de nove anos desde que terminou o referido processo penal, sem que tivesse sido investigado e eficazmente punidos os responsáveis pelo crime. Afirma a SIP que ainda não se sabe o paradeiro do radialista. Com base nestas considerações, a SIP aduz que o Estado é responsável por violações de diversos artigos da Convenção Americana.

Na CIDH, além de defender a decisão do TJ, que "inocentou com base em testemunhos contraditórios", o Brasil defende que Comissão Interamericana não é competente para examinar a petição com base na Convenção Americana, já que os fatos alegados ocorreram em 22 de abril de 1991, mais de um ano antes da ratificação da Convenção Americana. Além disso, argúi que como a denúncia foi feita nove anos depois do trânsito em julgado no Brasil, não poderia ser aceita pelo CIDH por prescrição do prazo para reclamar.

Mas para a comissão, o radialista Ivan Rocha é uma pessoa física a respeito da qual o Estado brasileiro se comprometeu a garantir os direitos consagrados na Convenção Americana, de maneira que a CIDH tem competência ratione personae para examinar a petição. A competência ratione materiae se dá " porque a petição se refere a supostas violações de direitos humanos protegidos pela Convenção Americana e pela Declaração Americana".

A respeito da prescrição (competência ratione temporis) , a CIDH aponta que o desaparecimento do radialista ocorreu em abril de 1991, antes que o Brasil ratificasse a Convenção Americana, em 25 de setembro de 1992. Não obstante, a CIDH toma nota de que, "para os fatos ocorridos a partir de 25 de setembro de 1992, ou aqueles que possa considerar oportunamente como uma situação de violação continuada de direitos que continuasse existindo depois daquela data, a Comissão Interamericana também tem competência ratione temporis para examinar esta petição sob a Convenção Americana".

Em sua decisão, a CIDH ressaltou que a jurisprudência constante do Sistema Interamericano em casos de desaparecimento forçado de pessoas indica que este fenômeno constitui um fato ilícito que gera uma violação múltipla e continuada de vários direitos protegidos pela Convenção e deixa a vítima completamente indefesa, acarretando outros delitos conexos". Nesse sentido, a Comissão Interamericana observa que se forem provadas as alegações da SIP em relação ao suposto desaparecimento forçado do radialista, assim como as alegações referentes à denegação de justiça e a falta de esclarecimento dos fatos, poderiam caracterizar violações de diversos da Convenção Americana.

Considerou, por fim que, "em virtude do princípio iura novit curia , a CIDH declara esta petição admissível também no que se refere a possíveis violações de diversos artigos da Convenção Americana.

Tortura 

De acordo com outra reclamação , Hildebrando Silva de Freitas teria sido arbitrariamente detido por policiais em 1997, quando estes tentavam fechar o seu bar, por falta de licença para funcionamento. Foi acusado de desacato, porque questionou as ações da polícia, e não foi imediatamente informado das acusações que lhe eram imputadas.

A defesa de Hildebrando Silva alega que, desde o momento de sua detenção e durante sua prisão numa delegacia, esteve sujeito a violência nas mãos dos agentes da polícia estadual, o que configura tortura e violação da integridade pessoal.

A reclamação junto ao CIDH foi feita pela Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH) e o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), que alegam que, apesar das queixas apresentadas pelo dono do bar às autoridades competentes, o Estado não puniu as violações alegadas. As entidades concluem que os fatos alegados constituem violação a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, e Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura.

O primeiro inquérito policial aberto para apurar o caso foi arquivado pela polícia, que entendeu que houve falta de provas de abuso de autoridade, e que Hildebrando Silva havia auto-infligido as lesões ao resistir à prisão.

Em junho de 2000, a SDDH apresentou novas provas às autoridades em nome do dono do bar — declarações de três novas testemunhas — e obteve a reabertura da investigação mediante decisão judicial. Segundo a entidade, nessa mesma data, o MP apresentou uma denúncia acusando seis policiais de tortura contra Hildebrando Silva. A Justiça aceitou formalmente a denúncia, mas, após uma série de agravos de instrumento interpostos pelos acusados, a denúncia foi rejeitada por uma decisão judicial proferida em agosto de 2003. A entidade que defende Hildebrando Silva observa que, já que o MP não recorreu dessa decisão, o dono do bar apresentou recurso em sentido estrito em novembro de 2003.

Contudo, o recurso foi rejeitado em 2006 com base em que, "diante da ausência de recurso impetrado pelo MP — a suposta vítima e seus representantes, atuando como assistentes de acusação, não tinham capacidade legal para apresentar tal recurso autonomamente segundo o direito processual brasileiro". Portanto, indica a defesa de Hildebrando Silva que a Justiça afirma que a petição não preencheu os requisitos de admissibilidade, já que os recursos internos foram buscados e esgotados, e a petição foi protocolada dentro dos seis meses após a decisão final.

O Estado alega que a petição é inadmissível porque os recursos internos não foram esgotados, conforme estipula a Convenção Americana, já que a Hildebrando Silva não impetrou uma ação civil de reparação de danos. Além disso, o Brasil argumenta que Hildebrando Silva não apresentou fatos que caracterizem uma violação da Convenção Americana, o que faz da petição inadmissível. Concluiu o governo brasileiro que "não há evidências críveis de que a suposta vítima tenha sofrido tortura ou violação de sua integridade pessoal nas mãos dos policiais".

Para a CIDH, "a petição identifica Hildebrando Silva como um indivíduo em relação ao qual o Estado concordou em respeitar e assegurar os direitos consagrados na Convenção Americana". Quanto ao Estado, o Brasil ratificou a Convenção Americana em setembro de 1992 e a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura em 1989, "assim, a Comissão Interamericana tem competência ratione personae para examinar o caso. Segundo o artigo 23 de seu Regulamento, a Comissão Interamericana tem competência ratione materiae para examinar a presente petição, já que se refere a supostas violações de direitos humanos reconhecidos na Convenção Americana e na Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura".

Precatórios

Em setembro de 2006 a CIDH recebeu uma petição apresentada pelos advogados Pedro Stábile Neto,  Fernando Romera Stábile e Caroline Romera Stábile, na qual alegam violações aos direitos de alimentos de Pedro Stábile Neto e outros 1.377 funcionários públicos credores de precatórios.

Os advogados alegam que o Brasil não oferece recursos efetivos para garantir seus direitos. Como resultado disso, sustentam que a República Federativa do Brasil é internacionalmente responsável pela violação a diversos artigos da Convenção Americana sobre Direitos Humanos à Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem.

Os advogados sustentam que, em março de 1994, interpuseram uma ação ordinária de indenização contra o município de Santo André pela falta de pagamento de uma complementação salarial reconhecida por lei e descumprida pelo então prefeito Celso Daniel. Os peticionários indicam que seu direito à complementação salarial foi reconhecido em sentenças de primeira e segunda instâncias, que fizeram coisa julgada mediante decisões definitivas do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.

Os advogados explicam ao CIDH que, conforme a legislação brasileira, para a execução dos valores devidos pelo Estado foram emitidos precatórios, os quais não foram pagos. Não obstante terem sido tentados recursos adicionais com o fim de obter a execução, os advogados mantém que não existe, na legislação interna do Estado, um recurso legal para impor ao Estado o devido cumprimento dos precatórios que lhe sejam impostas mediante sentenças definitivas.

Por sua parte, o Estado argumenta que a petição é inadmissível devido à falta de esgotamento dos recursos internos, conforme exigido pela Convenção. A respeito, o Brasil indica que, no marco do processo de execução do precatório realizado pelos peticionários, há recursos pendentes de decisão. Em todo caso, o Estado sustenta que o precatório dos peticionários deveria ter sido executado e pago até o final do ano de 1999, portanto, a apresentação da petição em 2006 foi extemporânea e não cumpre nem com o requisito de seis meses, nem com o requisito do prazo razoável, previstos, respectivamente, nos artigos 49.1.b da Convenção e 32.2 do Regulamento da CIDH.

Finalmente, o Estado alega que o que tem impossibilitado o pagamento dos créditos das supostas vítimas são as restrições financeiras enfrentadas pelo município de Santo André (SP), paralelamente à necessidade de seguir fornecendo serviços públicos essenciais à população do município.

A CIDH considerou que é competente para analisar o caso porque a petição assinala como supostas vítimas, pessoas individuais, a respeito das quais o Estado se comprometeu a respeitar e garantir os direitos consagrados na Convenção Americana.

Ainda assinalou a CIDH, que segundo a Corte Interamericana de Direitos Humanos, "o Estado que alega o não esgotamento dos recursos internos tem, a seu cargo, que assinalar quais os recursos que devem ser esgotados e a efetividade dos mesmos, o que não foi feito pelo Brasil".

Adicionalmente, a CIDH observou que a outra via judicial disponível para questionar o descumprimento do pagamento de um precatório é a solicitação de sequestro, que apenas é possível caso seja estabelecido que não se respeitou a ordem cronológica, conforme o estabelecido nos artigos 100, parágrafo 2º, da Constituição Federal e 731 do Código de Processo Civil. E, conforme o alegado por ambas as partes, as supostas vítimas apresentaram uma solicitação de sequestro em 2006, que foi julgada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo 2007, que encontrando-se pendente até a data da reclamação, um recurso interposto pelo município de Santo André.

A respeito, a CIDH observa que o Estado não comprovou que esse recurso judicial poderia resultar no efetivo pagamento dos precatórios devidos à supostas vítimas, particularmente quando o próprio Estado alega perante a CIDH que o pagamento não foi realizado em virtude de restrições financeiras insuperáveis enfrentadas pelo município de Santo André. No mesmo sentido, o TJ-SP, em sua sentença que rejeitou a primeira solicitação de seqüestro interposta pelas supostas vítimas, em 14 de outubro de 2002, estabeleceu que "no que toca à situação de inadimplência, em si, o sequestro não é instrumento para compelir ao pagamento no caso de omissão da administração. A falta de inclusão de verba no orçamento, a consignação de dotação insuficiente, ou a própria omissão ao empenhar a verba para o Poder Judiciário são violações de regras constitucionais e desobediência à ordem judicial, mas não ensejam o seqüestro se não houver preterição de nenhum credor. No caso, incidem as normas relativas ao crime de responsabilidade e a intervenção da União no Estado e deste no Município".

O entendimento de que a solicitação de sequestro não é um meio eficaz para garantir o direito de receber o precatório também foi respaldado para que a CIDH aceitasse a reclamação. Além disso, a CIDH considerou que mesmo que houvesse uma intervenção estadual no município de Santo André — conforme decisão judicial proferida e não acatada pelo estado de São Paulo —, não foi comprovado que esta medida asseguraria o pagamento do precatório, haja vista que o município alegou o não pagamento por falta de recursos.

Revisão de pensão 

Em outro caso , oriundo do Rio Grande do Sul, a viúva e a filha de um funcionário público que conseguiram na Justiça a revisão dos valores recebidos a título de pensão também alegaram que a legislação interna do Brasil não contempla um recurso efetivo para obter do Estado o devido cumprimento das decisões judiciais de caráter monetário que lhes sejam impostas mediante sentenças definitivas. Portanto, sustentam que "tais sentenças não possuem eficácia prática alguma", violando a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

Em sua defesa, o Estado argumenta que a petição é inadmissível porque os fatos nela denunciados não caracterizariam violações aos direitos consagrados na Convenção Americana. O Brasil admite não ter pago os precatórios que foram emitidos em favor das supostas vítimas em virtude de sentenças definitivas, mas que o fato se deve a circunstâncias fáticas desfavoráveis, e inclusive insuperáveis, por não dispor de recursos financeiros suficientes. Diz ainda que "a decisão do Supremo Tribunal Federal, que rejeitou as solicitações de intervenção federal no Rio Grande do Sul interpostas pelas supostas vítimas, foi emitida de acordo com os princípios da ampla defesa e do contraditório, e que foi devidamente fundamentada".

A CIDH considerou-se competente para analisar o processo pois entendeu que, nestes dois casos, as supostas vítimas também são pessoas individuais a respeito das quais o Estado comprometeu-se a respeitar e garantir os direitos consagrados na Convenção Americana. Conclui também possuir ratione temporis, pois a violação aos direitos se deram após a assinatura da Convenção Americana.

Morosidade judiciária 

O argentino Alejandro Daniel Esteve reclama , na CIDH, a retenção ilegal de seus dois filhos, em território brasileiro, e violações ao devido processo ocorridas no processo de restituição. Denuncia demora injustificada na tramitação dos procedimentos federais de restituição, tanto em primeira instância como nos recursos interpostos posteriormente.

Alejandro Esteve relata que viajou ao Brasil com seus filhos e sua então esposa como turistas para passar férias, com passagens de ida e volta compradas. No entanto, teve que retornar à Argentina algumas semanas antes da família por questões profissionais. Contudo, sua ex-esposa teria decidido unilateralmente permanecer na cidade do Rio de Janeiro e reter ilegalmente seus filhos.

Por sua parte, o Estado assinala que ainda existem recursos pendentes em âmbito interno, motivo pelo qual a petição não poderia ser admitida pela CIDH. Assinala, ainda, que Alejandro Esteve "teve a oportunidade de participar no juízo de restituição, pelo que não lhe foi obstruído o acesso à justiça". Declarou ainda que os juízes brasileiros concluíram que a permanência das crianças no Brasil não constitui um ato ilícito levando em conta o interesse superior delas.

A Justiça argentina, após analisar o pedido de Alejandro Esteve, determinou que as crianças fossem enviadas de volta à Argentina. No entanto, após receber um mandado da União, por meio da Advocacia-Geral da União para que desse início ao processo judicial de restituição internacional das crianças, a 12ª Vara Federal do Rio de Janeiro declarou extinto o processo de devido à falta de legitimidade ativa da União.

A União interpôs recurso de apelação alegando, entre outros motivos, que o Estado brasileiro é responsável por assegurar, em nível administrativo e judicial, a repatriação de crianças ilicitamente transferidas para o Brasil. Por sua vez, Alejandro Esteve, na qualidade de assistente da União no processo, apresentou recurso de apelação aderindo à solicitação efetuada pela União. O recurso foi levado ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região em dezembro de 2006, e após análise, foi declarado parcialmente procedente, reconhecendo-se a legitimidade ativa da União.

O TRF-2 também estudou o mérito do assunto e deslegitimou a solicitação de restituição, com base no fato de que teriam transcorrido cinco anos desde que as crianças chegaram ao Brasil, e que, portanto, seria prejudicial para elas o seu retorno à Argentina, e que haveriam elementos suficientes para demonstrar a intenção da família de permanecer no país.

União apresentou embargos de declaração perante o mesmo Tribunal alegando que houve contradição, na medida em que a decisão afirma que a matéria é unicamente de direito, quando na realidade foi realizada uma análise fática ao se estudar o mérito do assunto. Alegou que ao não se limitar ao aspecto solicitado pela União, isto é, a questão da legitimação ativa, a sentença teria sido emitida ultra petita . Indica que o Tribunal deveria ter reenviado o assunto ao juízo de primeira instância para que este resolvesse sobre o mérito do caso.

Em maio de 2009, o TRF-2 rejeitou os embargos por considerar que não havia impedimento para a apreciação dos fatos do caso e que a União, para modificar a decisão, deveria recorrer pela via pertinente.

Em julho de 2009 a União apresentou um recurso extraordinário perante o STF no qual solicitou que se reenviassem os autos ao juízo de primeira instância, e que se determinasse o regresso das crianças. A União apresentou um recurso especial perante o Superior Tribunal de Justiça pela não-aplicação da Convenção de Haia sobre os aspectos civis da subtração de menores por parte do TRF-2, e solicitou que fossem reenviados os autos ao juizado de primeira instância ou, ao invés disso, que se aplicasse a Convenção de Haia e se determinasse a restituição das crianças à Argentina. Quando a reclamação foi apresentada ao CIDH estes dois recursos ainda estavam pendentes nos tribunais.

Reclamação internacional 

Na CIDH, Alejandro Esteve alega que são aplicáveis as três exceções ao esgotamento dos recursos internos previstas no artigo 46.2 alíneas a, b e c da Convenção Americana. Assinala que a aplicação das exceções das alíneas a e b baseia-se no fato de que a legislação brasileira não permite que Alejandro Esteve seja parte no processo de restituição. Ainda, indica que a alegação de demora injustificada no processo de restituição mencionado ut supra também faz aplicável a exceção prevista no artigo 46.2.c da Convenção Americana.

O Brasil se defende argumentando que toda solicitação de restituição de pessoas menores de idade recebida pelo país é enviada para a AGU, "órgão jurídico federal legitimado para representar a União nos processos de restituição. Indica que a legislação brasileira não proíbe a participação em juízo da pessoa interessada; que a CF reconhece a todas as pessoas o direito de ação judicial, sejam nacionais ou estrangeiras; e que os tratados internacionais não estabelecem nenhuma exceção a respeito. Mas ressalta que, caso a pessoa interessada deseje participar no processo de restituição, o Estado estrangeiro que solicitou a cooperação internacional perderia o interesse na causa e, portanto, já não existiriam motivos para que a União seja parte do processo. Sendo assim, aponta que, na maioria dos casos, a pessoa interessada opta por contar com o apoio do aparato estatal, uma vez que a causa adquire relevância de assunto de matéria de ordem pública e transcorre sem custos para a parte interessada, por ser o próprio Estado a parte autora. Aduziu que no caso do argentino, apesar da atuação da União como parte autora na demanda, a pessoa interessada pode atuar através do instituto da assistência previsto no CPC.

A CIDH aceitou as reclamações por entender que a Justiça brasileira tem sido morosa no julgar do caso. Observa que transcorreram mais de oito anos desde o início do processo de restituição internacional, e que Justiça Federal brasileira demorou mais de um ano e meio para emitir uma sentença de primeira instância e, posteriormente, tardou outro ano e meio para elevar o recurso de apelação interposto contra a mencionada sentença. "Como regra geral, um processo deve realizar-se rapidamente para proteger os direitos do interessado", afirma a decisão de analisar o pedido, que ainda concluiu: "conforme afirmou a Corte Interamericana, a oportunidade para decidir sobre os recursos internos deve adequar-se aos fins do regime de proteção internacional e não deve conduzir a que a atuação internacional se detenha ou demore até tornar-se inútil.

Procedimentos da CIDH 

Ao receber uma denúncia de violação de direitos humanos, a CIDH observa se estão presentes alguns requisitos essenciais. Entre tais exigências, está aquele que é o princípio basilar dos órgãos jurisdicionais internacionais: o prévio esgotamento dos recursos internos. De acordo com esse preceito, um Estado não pode ser acionado perante a jurisdição internacional sem que lhe seja permitido resolver a questão internamente.

Sendo aceita, a petição é encaminhada ao Estado supostamente violador, para que este se manifeste sobre os requisitos de admissibilidade da denúncia. Depois, a Comissão chamará mais uma vez as partes para que estas apresentem observações adicionais, e então decidirá se admite ou não a petição. Em caso positivo, há a abertura formal de um caso, e é franqueada nova oportunidade para que os litigantes firmem seus posicionamentos, desta vez sobre o mérito da questão.

Em primeiro plano, a IDH procura intermediar uma conciliação entre as partes, mas se o litígio não for solucionado nesta fase a Comissão Interamericana, há duas possibilidades: ou decide que não houve violação, ou manifesta-se pela ocorrência de violação a um ou mais dispositivos protegidos por instrumento internacional. Neste último caso, a Comissão apresenta relatório preliminar de recomendações, que é transmitido ao Estado.

Esse Estado, que no momento já é considerado um violador de direitos humanos para todos os efeitos, terá um prazo para se manifestar sobre o cumprimento das recomendações. Caso silencie ou não justifique o porquê do não atendimento às medidas consignadas, receberá um Segundo Informe da Comissão, reiterando as recomendações.

Na hipótese de o país não atender às recomendações da Comissão, o caso pode ser levado à Corte Interamericana de Direitos Humanos, com a anuência dos peticionários.