sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

ZEIS e direito à moradia: as leis que alguns escolhem ignorar



O direito à moradia tem sido um dos temas mais discutidos pelos movimentos sociais nos últimos meses. Seja em São Paulo, com as disputas causadas pelo projeto Nova Luz e a “limpeza” da Cracolânida, seja em Fortaleza e outras sedes da Copa 2014, onde obras ameaçam expulsar moradores de comunidades centrais para a periferia, seja na cidade de São José dos Campos da violenta desocupação do Pinheirinho, o que está em jogo é o direito de cada cidadão de ter um teto, reconhecido no Artigo 6º da Constituição Federal entre os direitos fundamentais.

Em todos os casos citados acima, especialistas lembram que existiriam mecanismos legais para proteger os moradores. Um dos mais citados são as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). Utilizada pela primeira vez em Recife, na década de 1980, o instrumento foi consagrado no Estatuto da Cidade. As ZEIS são um tipo de zoneamento dentro do qual se aplicam regras especiais de uso e ocupação do solo em áreas já ocupadas ou que venham a ser ocupadas por população de baixa renda para garantia do direito constitucional à moradia.

São duas as possibilidades aqui. Em certos casos, permitir a regularização da posse de terrenos por comunidades já instaladas, aplicando-se condições especiais, legalizando a situação, garantindo o direito à moradia e permitindo ao poder público a realização de obras de infra-estrutura. Em outros, regular o mercado imobiliário, permitindo que populações de baixa renda usufruam da infra-estrutura já instalada em certas regiões.

O instrumento visa dar conta da realidade brasileira, que inclui um processo de urbanização sem controle e apressado, e uma intensa desigualdade social. Essas características levaram (e levam) as populações mais pobres a ocupar terras à margem da legislação, em ocupações, favelas e loteamentos clandestinos, muitas vezes em locais perigosos (encostas de morros e margens de rios) ou áreas protegidas ambientalmente.

Uma característica interessante do processo de urbanização que demonstra a importância das ZEIS está exatamente na chegada de infra-estrutura onde ela ainda não existe. É claro que todos comemoram a implantação de melhorias como água e esgoto encanados, luz elétrica, asfalto, transporte público e outros serviços que deveriam ser óbvios. No entanto, há um lado problemático: com elas vêm a valorização da área, que muitas vezes leva à expulsão dos moradores mais pobres para regiões mais periféricas.

É o caso das comunidades cariocas que receberam as conhecidas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Junto com a retomada do território pelo Estado, vieram melhorias, avenidas alargadas, novas empresas e oportunidades de emprego. Mas veio também o aumento do custo de vida e a valorização da terra. Fatos como passar a pagar o IPTU ou não poder mais contar com a ligação clandestina de luz ou telefone são o bastante para desequilibrar a vida financeira de uma família.

 É o que mostra a matéria "Os Retirantes da Favelas", de Rodrigo Martins e Willian Vieira, publicada na edição 679 da revista Carta Capital (trecho aqui, a íntegra apenas na edição impressa). O texto relata histórias de moradores de favelas pacificadas, como a Rocinha, na região central do Rio, que estão se mudando para cidades vizinhas por conta do custo de vida – ao preço de viagens muito mais longas para chegar ao trabalho, por exemplo. Há também casos de estrangeiros que compraram barracos a preços baixíssimos e hoje viram seu investimento valorizar horrores. A instalação de ZEIS nessas comunidades poderia diminuir o impacto do gasto com IPTU e outras tarifas, protegendo os moradores.

E não são situações isoladas. O caso da Favela do Moinho, no centro de São Paulo, esvaziada às pressas após a desastrada (se não mal-intencionada) ação de demolição de um edifício, poderia ter sido resolvido de forma mais humana e socialmente justa com a criação de uma ZEIS e a concessão legal da terra aos moradores. O mesmo poderia ter sido feito no caso do Pinheirinho, em que o governo de São Paulo preferiu a violência para proteger supostos direitos do proprietário das terras.

Digo “supostos”, mas talvez pudesse dizer inexistentes. O terreno do Pinheirinho, como boa parte das áreas e edifícios ocupados, não atende a um princípio básico da Constituição Federal: a função social da propriedade, conforme prevista no artigo 5º da Carta Magna e, mais especificamente, em seu artigo 182 da Constituição, que regula a política urbana nacional. Este prevê de forma clara de o Poder Público Municipal exigir do “proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento”, com penas que vão do aumento do IPTU à desapropriação.

Está tudo nas leis. Basta que nossos governantes e juízes aprendam a olhar todos os lados de cada questão, e não apenas o dos mais ricos.

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