quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Em Goiás, condenado por tortura de 23 presos é nomeado para o comando de um centro prisional


Menos de oito meses depois de ter sido condenado pelo crime de tortura, o agente prisional Romeu Fonseca Lopes foi nomeado diretor do Centro de Prisão Provisória da cidade de Aparecida de Goiania, em Goiás.

A condenação ocorreu em 21 de junho de 2011. A sentença pode ser lida  aqui. Proferiu-a o juiz Silvio José Rabuske. A nomeação aconteceu na última terça (14).  Aqui, a portaria que a formalizou. Assina-a Edemundo Dias de Oliveira Filho.

Delegado da Polícia Civil, Edemundo Dias preside a Agesp (Agência Goiana do Sistema de Execução Penal), órgão do Estado governado pelo tucano Marconi Perillo. Ao premiar o condenado Romeu, deu de ombros para a peça do juiz Silvio Rabuske.

O documento do magistrado tem 15 folhas. Narra um episódio ocorrido no início da tarde do dia 13 de agosto de 2008, nas dependências da Penitenciária Odenir Guimarães. Fica no mesmo município de Aparecida de Goiania.

De acordo com a sentença, 23 presos foram submetidos a tortura física e mental. Coisa atestada em depoimentos das vítimas e corroborada por fotos e laudos de exames de corpo de delito. Escorado nas provas, o juiz anotou: “É flagrante, no caso em análise, a presença de todos os elementos que constituem a tortura.”

Foram denunciadas pelo crime 12 agentes prisionais. Um foi excluído do processo após comprovar que não estava na cadeia na hora das agressões. Dois foram absolvidos porque os presos contaram que ambos não participaram da pancadaria. Ao contrário, tentaram evitá-la.

Outros cinco foram absolvidos porque as provas contra eles revelaram-se frágeis. O juiz chegou a essa conclusão a contragosto: “Lamentavelmente, com a certeza de que alguns dos infratores ficarão impunes, dobro-me à absolvição.”

A despeito da contrariedade, Silvio Rabuske realçou em sua sentença “um dos princípios basilares do Direito penal: a dúvida pende a favor do réu”. Acrescentou: Antes um culpado solto que um inocente preso.”

Assim, dos 12 acusados, condenaram-se quatro. Entre eles Romeu Fonseca Lopes, agora brindado com o cargo de diretor de um centro prisional goiano. “Sua participação nas agressões é induvidosa”, escreveu o juiz na sentença.

A confusão que descambou para a tortura começou numa tentativa de homicídio contra um dos presos, identificado pelo apelido de ‘Jaquinha’. Depois de rendidos, os detentos foram instados a revelar quem havia atacado a vítima. Ninguém falou.

Os agentes da lei decidiram, então, infringi-la. A pretexto de arrancar na marra as informações sonegadas, desceram o pau. O juiz Silvio Rabuske foi especialmente duro ao sentenciar a culpa de Romeu.

Por quê? Ele comandava a cadeia. Além de ter “total consciência do ato ilícito praticado”, dispunha de “autoridade sobre os demais agentes”. O juiz enfatizou: “Com um simples comando, poderia cessar as agressões.”

Por isso, foi condenado à pena máxima prevista em lei: três anos e seis meses de reclusão, perda do cargo público e proibição de exercer funções ou empregos no Estado por sete anos.

Os advogados dos agentes prisionais tentaram converter a acusação de tortura em lesão corporal. O juiz negou. Alegaram que agiram “em legítima defesa de terceiro”. Hã? Queriam “salvar a vítima da tentativa de homicídio.”

E o magistrado: “Não procede, haja vista que as agressões se deram após a retirada” do preso atacado das dependências da prisão. A defesa sustentou que o recurso à força foi necessário porque “os presos não obedeciam aos comandos”.

“Não merece guarida”, reagiu o juiz. “As vítimas foram uníssonas ao afirmar que não houve reação.” Mais: “Mesmo depois de rendidas, continuaram as agressões.” A defesa ainda sustentou que os torturados agrediram-se a si próprios.

E o magistrado: “Restou cabalmente comprovado que os agentes foram autores das lesoes.” Os advogados invocaram, de resto, um argumento que o juiz tachou de “deplorável”. Para eles, os depoimentos dos presos deveriam ser desconsiderados pela simples razão de que seus autores “são condenados”.

O juiz Silvio Rabuske recordou o óbvio: “Importante salientar que as vítimas, por estarem cumprindo pena, não foram privadas dos direitos inerentes à pessoa humana. Já estão pagando pelo erro cometido, devendo ser tratadas com dignidade e respeito à sua integridade física ou moral.”

Antevendo que os condenados recorreriam de sua senteça de primeiro grau, o magistrado decidiu que poderiam “aguardar eventais recursos em liberdade”. Reconheceu: “Responderam ao processo soltos e compareceram a todos os atos processuais.” Não viu razões para a decretação de prisão preventiva.

O que não se imaginava é que um dos condenados seria devolvido à folha de pagamento de Goiás na honrosa função de diretor de centro prisional. A nomeação revoltou a Pastoral Carcerária da CNBB.

Em texto levado à web, a entidade repudiou a decisão do delagado Edemundo Dias, o mandachuva da agência goiana de execução penal. “O Estado de Goiás conta com muitos agentes peniteniciários capazes de administrar prisões sem recorrer à violência e a outras práticas criminosas contra presos”, escreveu a Pastoral.

“Nomear alguém com condenação por tortura em massa de presos revela o descaso do governo de Goiás com os direitos da pessoa, estimula a violência institucional e comunica aos bons agentes que não há lugar para eles no sistema prisional goiano.” É, faz sentido.

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