sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Crimes da ditadura: “Não é possível falar em reconciliação sem passar pela verdade e pela justiça”


Para o psicólogo costa-riquenho e pesquisador de Comissões da Verdade latino-americanas Ignacio Dobles Oropeza, a ideia de não enfrentar a verdade via leis de anistia amplas é uma tentativa de apagar o passado. O problema, entretanto, é que as feridas não se fecharão nunca para as vítimas.
Por Débora Prado, da Caros Amigos

Se é possível a reconciliação, ela tem que passar pela verdade e pela justiça. A conclusão é do professor da Escola de Psicologia da Universidade da Costa Rica Ignacio Dobles Oropeza, autor do livro “Memórias da dor: Considerações acerca das Comissões da Verdade na América Latina”, que pesquisou, em 2008, as experiências do Chile, Argentina, El Salvador, Guatemala e Peru.

Para Dobles, o objetivo de não enfrentar a verdade é liquidar o passado. O problema é que as feridas não vão se fechar nunca para as vítimas, o que torna impossível apagar a história via instrumentos como as leis de anistia. “O grande estorvo para aqueles que querem apagar o passado são as vítimas”, frisa.

Para ele, a ideia geral de reconciliação via anistia tem um poder ideológico forte, uma vez que cria a falsa sensação de equilíbrio. “É muito fácil que as pessoas aceitem essa posição de meio-termo, pra não serem consideradas extremistas. Com isso, é fácil também vender essa ideia de que as lutas, as armas e as condições dos grupos de resistência armada e do Estado eram iguais. Mas isso é falso. Não se trata de romantizar a luta armada, mas este lado não pode ser colocado na mesma posição do outro: o terrorismo de Estado é infinitamente mais danoso que grupos isolados e pequenos. E é o Estado que se pressupõe ser aquele que deve defender os habitantes de um País”, explica.

O pesquisador considera que, nesse sentido, usar o termo 'reconciliação' é extremamente complicado: “Há diferentes tipos de reconciliação: existe o 'brigamos no passado mas agora somos amigos', o 'apagamos o passado', e aquela reconciliação como esto simbólico, onde os dois maiores líderes se encontram para se cumprimentar publicamente. Mas, todas não são reconciliações reais”, destaca.

Isto porque é impossível haver reconciliação de fato, sem verdade e, sobretudo, sem justiça. “A verdade tampouco é suficiente porque cai na dinâmica da chantagem, como em algum momento fez a direita e o Exército na mesa de diálogo e negociação, onde propunham passar as informações em troca de não serem processados. E isso é o mesmo que dizer: 'nós damos pra vocês a verdade, mas não a justiça' – o que obviamente não foi aceito pelas organizações de direitos humanos”, relata.
Comissões como ferramentas
Para Ignacio Dobles Oropeza, as Comissões da Verdade são ferramentas muito interessantes para trabalhar versões de memória pública e resgatar o que aconteceu nos países para dizer a toda sociedade. Elas podem também ser ferramentas interessantes uma vez que se propõem a dar voz as vítimas do terror de Estado. Entretanto, o psicólogo considera que, de nenhuma forma, as comissões da verdade são as experiências mais importantes. “O mais importante para verdade e a memória são as experiências que as vítimas e seus familiares têm relatado, nas diferentes condições de cada comissão, e suas formas de organização”, relata.

O psicólogo costa-riquenho explica que, em termos gerais, essas comissões costumam tarbalhar por um curto período para tratar períodos recentes da história e todas, de alguma maneira, contam o apoio oficial do Estado. Costumam também criar mais expectativas do que podem de fato alcançar e, geralmente, são duramente combatidas pelos setores mais reacionários e pelos exércitos.

“Eu não tenho dúvida de que, se a Comissão da Verdade começa a funcionar no Brasil, vai ter uma reação feroz, porque esta é a história peruana, equatoriana, argentina e salvadorenha. Isso, se for cumprida uma característica fundamental da comissões, que é dar espaço e trabalhar em função das vítimas, porque o sistema legal não está funcionando assim”, frisa.

A partir de sua pesquisa, o psicólogo considera que o país que têm conseguido mais promover efeticamente a justiça é a Argentina, que inclusive processa os repressores da ditadura. “Para mim, é bastante claro que o país com mais avanços neste campo é de longe a Argentina, no plano legal, governamental e pelo trabalho de organizações como as mães, avós, filhos, advogados, artistas, etc. A Argentina me impressiona pela vontade política, os governos dos Kirchner mostraram uma posição política totalmente diferente de governos anteriores”, conta.

Além dos países que estudou, atualmente, Dobles identifica que o tema da Comissão da Verdade aparece em mais três países na América Latina: Equador, Brasil, e, como parte de uma proposta para resolver o impasse do golpe de Estado, em Honduras. O psicólogo esteve em São Paulo dia 21 para participar do seminário “Psicologia e Direitos Humanos: Direito à Memória e à Verdade” no Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, quando concedeu entrevista à revista Caros Amigos e ao portal Carta Maior. 

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Desarquivar: um exorcismo necessário


Por Matheus Rodrigues Gonçalves, no Diário Liberdade

Depende exclusivamente de sanção da presidenta Dilma Rousseff a aprovação do Projeto de Lei 41 de 2010 (PL 41/10), também conhecido como Lei de Acesso às Informações Públicas. O Projeto foi originalmente concebido em 2009, pelo Poder Executivo, e previa a possibilidade de manutenção do sigilo eterno de alguns documentos considerados potencialmente nocivos à ordem e à segurança nacional. Após emendas sofridas na Câmara de Deputados, tal previsão foi suprimida, apesar das tentativas de praxe da ala conservadora da Casa de criar uma polêmica com a questão. Foi no Senado Federal que a situação se complicou. Diante da oposição expressada pelos senadores e ex-presidentes da República (um cassado e outro alavancado ao Executivo pela morte do presidente eleito — indiretamente) Fernando Collor de Mello e José Sarney, à modificação feita na Câmara, Dilma decidiu apoiá-los. Após meses de hesitação, entretanto, optou por mudar de posição e respaldar o fim do sigilo eterno para documentos oficiais. Em 25 de outubro de 2011, o projeto, com a emenda da Câmara, foi aprovado no Senado Federal. A data de sua aprovação é emblemática: em outro 25 de outubro, há 36 anos, Vladimir Herzog era assassinado nos porões do DOI-CODI.


Pela legislação atual, documentos classificados como reservados, secretos ou ultrassecretos podem assim permanecer por tempo indeterminado. Um avilte, puro e simples, não apenas à liberdade de informação de que todos gozamos em acordo com o artigo 5º, XIV, da Constituição Federal de 1988, mas também ao fundamental direito à Memória e à Verdade, e ao próprio Estado Democrático de Direito. Em um momento onde se discute a criação de uma Comissão da Verdade, a reparação a vítimas da ditadura civil-militar de 1964 e a responsabilização dos agentes oficiais torturadores, a abertura total dos arquivos do período em questão coloca-se como ponto nevrálgico para que efetivos avanços se concretizem. Some-se a isso a condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em fins de 2010 que, entre outras sentenças, determinou que tais documentos fossem disponibilizados a todo e qualquer interessado. Nesse sentido, a aprovação do PL 41/10 é um inegável avanço em matéria de direitos humanos.



Em seu artigo 21, o PL 41/10 determina:
Não poderá ser negado acesso à informação necessária à tutela judicial ou administrativa de direitos fundamentais.
Parágrafo único. As informações ou documentos que versem sobre condutas que impliquem violação dos direitos humanos praticada por agentes públicos ou a mando de autoridades públicas não poderão ser objeto de restrição de acesso.


De acordo com este dispositivo, em se tratando de temática dos direitos humanos (como tortura, execução sumária e desaparecimento forçado), não há que se falar em negação do pedido de acesso às informações, estando ele, pois, automaticamente aprovado. Concomitantemente, o parágrafo único do referido artigo impede que documentos que tratem de violações de direitos fundamentais por parte de agentes estatais recebam o selo de informações sigilosas, secretas ou ultrassecretas. Assim sendo, os arquivos relacionados (não só, mas principalmente) aos crimes de lesa-humanidade perpetrados por agentes ditatoriais devem ser, no momento imediatamente posterior à sanção presidencial, desclassificados e postos à disposição da população. O PL prevê ainda diversos mecanismos que facilitam o acesso a tais informações, depois de sua liberação. Entre eles, a colocação de todos os documentos na internet, a necessidade de oferecer respostas imediatas (ou, quando não for possível, em até vinte dias, prorrogáveis por mais dez) aos pedidos, e a proibição de que sejam questionados os motivos dos mesmos.
Outro artigo que vale ser mencionado é do de número 31. Diz ele:


O tratamento das informações pessoais deve ser feito de forma transparente e com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais.
§ 1º As informações pessoais, a que se refere este artigo, relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem:
I - terão seu acesso restrito, independentemente de classificação de sigilo e pelo prazo máximo de 100 (cem) anos a contar da sua data de produção, a agentes públicos legalmente autorizados e à pessoa a que elas se referirem; e
II - poderão ter autorizada sua divulgação ou acesso por terceiros diante de previsão legal ou consentimento expresso da pessoa a que elas se referirem


Por si só, o parágrafo primeiro representa uma espécie de freio ao caráter progressista que possui o PL 41/10, visto que permitiria a divulgação dos nomes de agentes ditatoriais que constam nos documentos hoje secretos em apenas três situações: em caso de autorização expressa da pessoa em questão; diante de previsão legal; ou após 100 anos decorridos desde a produção do documento (embora os membros da Comissão da Verdade pudessem, ao menos em tese, ter acesso a ele). Familiares e estudiosos não teriam acesso a tais nomes, o que dificultaria a ida à justiça com vistas a responsabilizações civis e/ou criminais, bem como a produção científica e teórica sobre o assunto. Os parágrafos posteriores, porém, cuidam para que tal retrocesso não seja concretizado:


§ 3º O consentimento referido no inciso II do § 1º não será exigido quando as informações forem necessárias:
(...)
III - ao cumprimento de ordem judicial;
IV - à defesa de direitos humanos;
(...)
§ 4º A restrição de acesso à informação relativa à vida privada, honra e imagem de pessoa não poderá ser invocada com o intuito de prejudicar processo de apuração de irregularidades em que o titular das informações estiver envolvido, bem como em ações voltadas para a recuperação de fatos históricos de maior relevância.


Ora, na medida em que o inciso II do § 1º cria exceções à regra geral da garantia de sigilo por 100 anos aos dados pessoais, através da autorização expressa ou previsão legal; em que o § 3º extingue a necessidade de tal autorização expressa, em casos de cumprimento de ordem judicial e de defesa dos direitos humanos; e o § 4º impede que tal sigilo tenha supremacia sobre as “ações voltadas para a recuperação de fatos históricos de maior relevância”, temos que, a despeito da regra geral e da autorização expressa, tais informações devem ser desclassificadas quando dos referidos casos. Donde se conclui que o artigo 31 do PL 41/10 prevê a possibilidade de disponibilização dos dados dos agentes ditatoriais responsáveis por violações de direitos humanos.


Se comparado à aprovação da Comissão da Verdade nos moldes em que foi aprovada, o PL 41/10 é um avanço em matéria de direitos humanos. Permitirá que muitos fatos obscuros da história recente do país sejam conhecidos e estudados, e que diversos crimes sejam esclarecidos e seus perpetradores, responsabilizados. Encontrará dificuldades, é certo. Muitos documentos de extrema importância foram, continuam e continuarão a ser destruídos nos quarteis e repartições públicas Brasil afora. Apesar disso, sua aprovação, devida em grande parte à pressão da sociedade civil e dos grupos de defesa dos direitos humanos, é um dos exorcismos (juntamente a uma verdadeira Comissão da Verdade) de que precisamos para de fato abandonarmos o ranço autoritário que nos acompanha há vinte e seis anos.

Indígenas e pescadores ocupam canteiro de obras de Belo Monte e fecham Transamazônica


Cerca de 300 indígenas, pescadores e ribeirinhos da bacia do rio Xingu estão acampados pacificamente, desde a madrugada de hoje (27), no canteiro de obras de Belo Monte para exigir a paralisação das obras da usina hidrelétrica, em Altamira, no Pará (veja abaixo link para fotos). A rodovia Transamazônica, na altura do quilômetro 50, também foi interditada. O protesto não tem prazo para terminar.
“Diante da intransigência do governo em dialogar e da insistência em nos desrespeitar, ocupamos a partir de agora o canteiro de obras de Belo Monte e trancamos seu acesso pela rodovia Transamazônica. Exigimos que o governo envie para cá um representante com mandado para assinar um termo de paralisação e desistência definitiva da construção de Belo Monte”, diz a declaração dos Povos do Xingu contra Belo Monte, resultado do seminário realizado em Altamira esta semana.
Veja íntegra da Declaração dos Povos do Xingu contra Belo Monte AQUI.
“Belo Monte só vai sair se cruzarmos os braços. Não podemos ficar calados. Temos que berrar e é agora”, disse Juma Xipaia, liderança indígena Xipaia, uma das etnias afetadas por Belo Monte. “Somos guerreiros e não vamos pedir nada ao governo, mas exigir o que a Constituição nos garante. Nossos antepassados lutaram para que nós estivéssemos aqui. Já foram feitos vários documentos, várias reuniões e nada mudou. As máquinas continuam chegando”.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) havia convocado o governo brasileiro a dar explicações sobre a ausência de medidas de proteção aos direitos das populações indígenas e de outros grupos ameaçados pelo projeto de Belo Monte, como foi solicitado pela instituição, no início de abril. De acordo com a CIDH, o governo deveria cumprir a obrigação de realizar processos de consulta com cada uma das comunidades indígenas afetadas antes da construção da usina. A audiência com o Comissariado da CIDH deveria ter acontecido ontem, mas no final da semana passada o governo brasileiro, surpreendentemente, anunciou que não enviaria representação para esta reunião.
“É uma vergonha a maneira como nosso próprio governo nos tratou, com contínuas mentiras e negando-se ao diálogo com as comunidades afetadas”, disse Sheyla Juruna, liderança indígena do Movimento Xingu Vivo Para Sempre, que foi para Washington participar da reunião promovida pela CIDH. “Estou horrorizada por ver como somos tratados em nossa própria terra sem ter sequer o direito de sermos consultados sobre esse horroroso projeto”, acrescentou durante coletiva na sede da OEA.
Ontem (26), a Justiça adiou, mais uma vez, a decisão sobre a continuidade das obras de Belo Monte com novo pedido de vistas – desta vez, da desembargadora Maria do Carmo Cardoso. O julgamento da Ação Civil Pública impetrada pelo Ministério Público Federal do Pará (MPF-PA) está empatado no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), com um voto contra e outra a favor da usina. Caso a desembargadora Maria do Carmo vote junto com a desembargadora Selene Almeida, que se posicionou pela ilegalidade do projeto por considerar que as consultas indígenas não aconteceram conforme prevê a Constituição, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho e a diretriz da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, as obras de Belo Monte poderão ser paralisadas.
O acampamento no canteiro de obras de Belo Monte será permanente: convocam-se outras entidades e movimentos nessa luta.

As cadeias do Parque da Juventude


Por Karina Biondi
É muito comum ouvirmos vozes que atribuem o fracasso das prisões brasileiras a uma "falta de Estado". Dizem que onde o Estado não se faz presente, outras formas de regulação da vida social entram em cena; que os criminosos ocupam o espaço que deveria ser ocupado pelo Estado; que o vazio de poder provocado pela omissão ou incapacidade do Estado acaba por ser preenchido por outras formas de poder, não estatais, não legais, não legítimas, criminosas. Ao se lançar tais afirmações, esquece-se que nunca se está mais dentro do Estado do que numa prisão. É Estado por todo lado! É ele que abre e fecha as celas. É ele quem dita o que se come. Ele define o que entra e o que não entra na prisão. É ele quem seleciona as pessoas que os presos podem ver e aquelas que só os verão quando ele sair. Ele é quem revista minuciosamente as visitantes despidas e revira os alimentos por elas levados. Estado que impede a entrada de jornais e revistas em unidades prisionais paulistas. Estado que mantém os presos longe dos livros, das escolas e das urnas.
Há de se duvidar de aparentes vazios. Ainda mais quando o espaço que aparenta estar vazio é um campo de batalhas. Aliás, qual espaço não o é? Basta ajustar o foco, regular as lentes, para alcançar a escala em que se dão os embates. Ao se apontar para um vazio de poder, o que se está fazendo é revelar a deficiência da visão. Afirmar que há falta de Estado em uma prisão é cometer um enorme equívoco. Se a questão fosse de dosagem, o problema seria mais de excesso do que de falta de Estado. É a sua força que impediu, nas últimas eleições, que presos que não tinham suas condenações em última instância exercessem o direito constitucional ao voto. Dentre os critérios definidos para dizer quem votaria (talvez o critério mais importante) é a ocorrência de rebeliões. Já se rebelou? Então não pode votar! Justamente não podem votar aqueles que já se mostraram – nas rebeliões e motins – descontentes com o Estado. Isso, definitivamente, é a imagem da presença do Estado e não de sua ausência.
Mas há algo que torna isso ainda mais evidente: a Casa de Detenção do Carandiru. Ela foi inaugurada na década de 1920 como um presídio-modelo, com capacidade para 1.200 homens. Ao longo de sua história, chegou a abrigar quase 8.000 presos e ser considerado o maior presídio da América Latina. Em 1992, um episódio daria início a processos que tiveram importantes conseqüências no universo prisional paulista. Uma intervenção policial com o propósito de dar fim à rebelião instaurada no Pavilhão 9 resultou na morte de 111 detentos, no que ficara conhecido como “Massacre do Carandiru”. Entre o “Massacre” e a desativação do presídio, em 2002, ocorreu um crescimento vertiginoso da população carcerária, simultâneo à transferência desta população para prisões construídas longe dos grandes centros. A partir da desativação da Casa de Detenção, os passageiros do metrô de São Paulo não mais avistaram detentos nas janelas de suas celas, as unidades prisionais deixaram de ser cenário do cotidiano da maioria dos paulistanos, delegacias não mais abrigavam presos que ofereciam perigo aos seus vizinhos. Por mais que o número de presos aumentasse, eles não estavam mais sob os olhos da população paulistana.
Eis a ilusão do vazio. Não é porque não vemos, não é porque as coisas ocorrem longe de nossos olhos, que elas não existem. Embora o prédio tenha sido demolido, o universo que a Casa de Detenção guardava não deixou de existir. Pelo contrário, se expandiu e se intensificou. Está mais vivo do que nunca. Daí que a ausência da prisão nesse espaço não significa simplesmente ausência de prisão, mas sim a força em jogo para mantê-la longe de nossos olhos, para escondê-la de nós. O Parque da Juventude, longe de expressar o fim dos horrores da Casa de Detenção, é a expressão da política carcerária do Estado.
Se o surgimento da Casa de Detenção do Carandiru trouxe os presos à luz do positivismo, sua desativação leva novamente para a escuridão aqueles que cumprem penas. Não se trata de um retorno à masmorra, embora muitas das práticas punitivas atuais – como o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) – possuam traços semelhantes. Aliás, é no RDD que encontramos a máxima expressão de um novo tipo de poder que recai sobre os prisioneiros. Trata-se, como esboçou o antropólogo Adalton Marques, de um poder contentivo, que não tem mais como centro de suas preocupações exibir punições exemplares, efetuar ortopedia social ou, ainda, controlar essa população. Busca-se, agora, contê-la. Conter o som estridente de suas vozes. Conter a imagem aterrorizante de seu sofrimento. Conter o perigo de seu pensamento. Ao preso, não é mais permitido pensar, falar ou ser visto. Se alguma dessas expressões escapa das forças contentivas, o caso é tratado como um vazamento do que deveria estar contido, como um problema de segurança pública.
Um dos perigos de se falar em falta de Estado está na evidência e na certeza de seu remédio. Se o problema é falta de Estado, o remédio é mais Estado. Há de se fechar mais, de se revistar mais, de se prender mais, de se isolar mais. A prisão continua sendo remédio para seu fracasso, como já diagnosticou Foucault. A prisão é um fracasso? Deve ser porque não está sendo bem executada. Está deixando brechas. É falta de Estado. A solução? A reforma da prisão, de modo que não deixe brechas. Mais Estado. Mais prisão. E assim caminhamos, por mais de 150 anos.
As atuais propostas de reforma são as mesmas que foram colocadas em meados de 1850: classificação dos presos de acordo com os delitos, progressão das penas, trabalho, educação, especialização dos funcionários, transformação dos presos e reinserção deles à sociedade. Nada de novo, a não ser a sugestão de que um serviço privado possa dar conta de todos os problemas. Privatização? O exemplo dos EUA, a maior população carcerária do mundo, não nos basta? Encarcerar se tornou, lá, um negócio lucrativo. Quanto mais presos, mais as empresas ganham. É isso que se quer? Quer-se uma prisão cujo projeto nasceu junto com sua proposta de reforma? De nada adianta fazer ajustes ou dar continuidade à reforma que vem sendo feita há mais de 150 anos.
Mas mesmo assim, mesmo que rearranjada, que reformulada, que fracassada, a prisão continua aparecendo como a prática punitiva por excelência. E hoje, mais do que nunca. A questão que coloco é: podemos romper com esse modelo? É viável adotar outras práticas punitivas? É possível que as penas alternativas deixem de ser apenas alternativas? Ou, se considerarmos que a prisão como prática punitiva está inteiramente consonante com o mundo atual, seríamos capazes de uma ruptura radical, não só do modo de punir, mas do modo de enxergar, conceber e de pensar as coisas?

Karina Biondi é doutoranda em Antropologia Social na UFSCar com apoio da FAPESP e é autora de “Junto e Misturado: uma etnografia do PCC” (Editora Terceiro Nome, 2010)

O capital está acuado


“O concreto é concreto porque é a síntese de múltiplas determinações, portanto unidade da diversidade” (Karl Marx – Grundrisse)

Por Ari de Oliveira Zenha

O capitalismo encontra-se em um impasse gigantesco diante da crise profunda, estrutural, que vive desde a eclosão em 2008. É a maior e mais aguda crise desde a de 1929, que acabou desembocando na segunda guerra mundial. Hoje, uma saída deste teor levaria à destruição do planeta.

Não devemos menosprezar a capacidade do capital de “superar” – a um custo elevadíssimo para a população mundial – os prováveis “transformismos” que o capitalismo como sistema hegemônico tem realizado há pelo menos dois séculos, impondo ao mundo sua dominação, sua influência e seu controle opressor soberano sobre o planeta.

Estão surgindo em praticamente todo o mundo movimentos populares que atuam no sentido – de questionar o próprio sistema capitalista em sua totalidade. A ocupação de Wall Street, centro nevrálgico financeiro do mundo e do capital hegemônico mundial – os Estados Unidos da América – com cartazes e palavras de ordem que colocam em xeque o capital com toda a sua superestrutura e estrutura de dominação, exploração e reprodução política- econômico- social. A Europa convulsionada.

No Oriente Médio também está sob fogo cerrado o domínio do capital. Querem democracia, querem direitos fundamentais, querem participação, querem liberdade, querem justiça social. Ditaduras com décadas de dominação estão caindo ou seus detentores estão entregando os anéis para se salvar da avalanche popular. Enfim o céu não é de brigadeiro para o capitalismo, mas sim um imenso nevoeiro que paira sobre seu domínio há bem pouco tempo inimaginável, há uma hemorragia, um esgotamento que atinge as vísceras do capital.

Os organismos internacionais, como o FMI, estão sendo questionados, e, indo mais além, o próprio sistema está sendo discutido, posto em dúvida sua validade como sistema produtivo-social-político. Não devemos esquecer que no capitalismo as contradições e suas repercussões no mundo se dão de forma desigual, porém combinada, ou seja, todos pagarão, uns mais, outros menos, mas todos hão de pagar a conta da degradação e da barbárie que o capitalismo se apresenta neste início de século que promete ser o século das grandes transformações sociais, das grandes transformações de caráter estruturais e porque não revolucionárias!

O momento atual nos impele a ousar, esta é a palavra ou expressão mais válida para o momento histórico que vivemos. Ousar, ir além dos limites impostos pela dominação do capital, pressionar, romper os limites da exploração do capital e trazer o ser humano para o seu devido lugar, no seio, no âmago da existência digna em que o homem possa se tornar dono do seu próprio destino, destruindo qualquer tipo de opressão e exploração, onde ele se torna senhor de sua própria existência, o verdadeiro reino da liberdade, da confraternização internacional dos povos, da conformidade em ser para si, estabelecendo no mundo uma sociedade harmônica, humana e fraterna.

Ari de Oliveira Zenha é economista.

Ocupações prosseguem em todo o mundo


Por Esquerda.net
O fim de semana contou com mais acções dos movimentos Occupy em muitas cidades, de Sydney a Londres, passando por Nova Iorque. Nos Estados Unidos, a brutalidade da polícia continua em debate.
“Há um padrão de comportamento contínuo e disseminado por parte dos agentes de darem ordens às pessoas para que não tirem fotografias ou filmem em locais públicos e de assediarem, deterem e prenderem os que não obedecem a essas ordens”, afirmou Chris Calabrese, da American Civil Liberties Union (ACLU) ao jornal inglês Guardian.
Também o colectivo de hackers Anonymous denunciou a escalada da violência por parte da polícia sobre o Occupy Wall Street, tendo inclusivamente bloqueado o site da associação de polícias de Boston, cidade onde também houve violência policial sobre os que protestavam na rua. Outros sites da polícia foram “invadidos” pelos Anonymous, que assinalaram desta forma o Dia Nacional de Acção contra a Brutalidade Policial, que coincide com a abertura da convenção da associação Internacional de Chefes de Polícia, que tem lugar em Chicago.
Nos EUA, 130 pessoas foram presas em Chicago, depois de terem recusado desmontar as suas tendas no Parque Grant. É a segunda prisão em massa depois de no fim de semana passad a polícia de Chicago ter prendido 175 pessoas. Em Cincinnati, onze activistas foram presos na madrugada de domingo, quando permaneciam numa praça da cidade depois da hora de encerramento. Em Oakland, no estado da Califórnia, centenas de pessoas desafiaram a ordem de despejo junto à Câmara Municipal, em que tenham ocorrido incidentes. Já em Albuquerque (Novo México) um homem foi preso após ter tentado esfaquear vários dos activistas que se concentravam junto à Universidade, sem provocar qualquer ferido.
Em Londres, prossegue o braço de ferro em frente à Catedral de São Paulo, que encerrou ao público, alegando motivos de segurança. Centenas de pessoas estão a acampar à porta e já montaram um segundo acampamento na Praça Finsbury, dada a grande afluência ao acampamento original.
Em Sydney, na Austrália, a polícia também tirou os activistas à força do local onde acampavam no sábado à noite, prendendo 40 pessoas. As queixas de brutalidade policial foram repetidas, já que na sexta-feira o mesmo tinha sucedido em Melbourne, onde cem pessoas foram presas e a polícia ergueu uma rede para vedar o espaço onde o protesto decorria.
No centro do protesto, em Nova Iorque, o protesto continua a ganhar apoios. O cantor Pete Seeger, com 92 anos, desceu a Broadway acompanhado de mil pessoas que o trouxeram do concerto que acabara de dar até ao Columbus Circle, onde cantou o hino de resistência “We Shall Overcome”, acompanhado por Arlo Guthrie. O fim de semana foi ainda marcado pela presença de algumas celebridades, como Russell Brand, Katy Perry ou Kim Kardashian.


MIKE DAVIS: CHEGA DE CHICLETE!


Por Mike Davis

Quem poderia prever que o Occupy Wall Street e sua proliferação ao estilo de uma planta selvagem aconteceriam em cidades grandes e pequenas? John Carpenter previu. Há quase 25 anos (1988), o mestre do terror (Halloween, A coisa) escreveu e dirigiu They Live [“Eles vivem”, no Brasil], retratando a Era Reagan como uma catastrófica invasão alienígena. O filme continua sendo seu tour de force. Aliás, quem poderia esquecer das primeiras cenas brilhantes em que uma grande periferia terceiro-mundista é mostrada ao longo de uma autoestrada e refletida pelos arranha-céus espelhados de Bunker Hill, em Los Angeles ? Ou da maneira como Carpenter retrata banqueiros milionários e ricos midiocratas dominando a pulverizada classe trabalhadora dos Estados Unidos, que vive em barracas numa encosta cheia de entulhos e implora por trabalhos casuais?
Partindo dessa igualdade negativa entre falta de moradia e desesperança, e graças aos óculos escuros mágicos encontrados pelo enigmático “Nada” (interpretado por Kurt Russell), o proletariado finalmente alcança a unidade inter-racial, não se deixa enganar pelas fraudes subliminares do capitalismo e fica furioso, extremamente furioso. Sim, eu sei, estou adiantando as coisas. O movimento “Occupy the World” ainda procura seus óculos mágicos (programa, demandas, estratégia e assim por diante), e sua fúria permanece baixa, em estado gandhiano.
Mas, como previu Carpenter, arrancar um número suficiente de cidadãos norte-americanos de suas casas e/ou carreiras (ou pelo menos atormentar dezenas de milhões com essa possibilidade) para promover algo novo e de grandes proporções é um movimento lento e cambaleante em direção ao Goldman Sachs. E, ao contrário do “Partido do Chá” [Tea party], até agora não há fios de marionete. Um dos fatos mais importantes sobre a revolta atual é simplesmente que ela ocupou as ruas e criou uma identificação espiritual com os desabrigados.

Para ler a íntegra do artigo, CLIQUE AQUI

Escravidão no cerne do capitalismo de ponta


Por Clara Roman - Carta Capital

O trabalho escravo rural no Brasil é uma das peças que constituem o desenvolvimento do capitalismo de ponta no país. Divulgado na terça-feira 26, um relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) traçou um perfil dos trabalhadores e empregadores desse processo. Adonia Prado, pesquisadora Grupo de Estudo e Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo da Universidade Federal do Rio de Janeiro e que participou do estudo, alerta que esse tipo de trabalho, abolido em 1888, faz parte da estrutura do capitalismo avançado e da produção de commoditties atuais.
“Ele é funcional a esse modo de produção globalizado altamente concetrador de renda”, explica Prado. Segundo a pesquisadora, essa exploração vem ganhando espaço no mundo todo e existe, em graus diferentes, em quase todos os países. São empreendimentos de ponta, diz ela, que produzem para exportação. Na cidade, o trabalho escravo também está ligado a grandes marcas, como foi o caso recente com a loja Zara, que comprava roupas de confecções ilegais e escravagistas. “Não é resquício de outros tempos”, diz ela.
O estudo da OIT mostrou que a maior parte dos trabalhadores era negra (18,2%) e parda (62%) e veio do nordeste para as regiões norte e centro-oste, onde acabaram “presos” em fazendas escravagistas. O endividamento e falta de localização – as fazendas são afastadas de centros urbanos e pontos de referência e em regiões estranhas aos empregados – são as principais razões para que os trabalhadores não consigam sair dessa condição. Apesar de não ter visto nenhum capataz nas visitas de fiscalização para a produção do estudo, Prado aponta que documentos de seu grupo de estudos constataram a presença dessa figura, que utiliza a violência como forma de coerção para manter a prisão, em outras visitas feitas.
Na maioria dos casos, o trabalhador é obrigado a comprar comida e equipamento do patrão. Ao final do mês, ele deve mais do que ganhou. “Na maioria dos casos o trabalhador pobre tem um senso moral muito aguçado”, comenta Prado. “E fica
com a consciência culpada; acha que deve ao patrão”, diz ela.
“Vale a pena para os empregadores manter essa condição sub-humana”, diz ela. O empregador, cujo perfil é do homem branco e nascido na região sudeste, considera que o custo final do produto é menor que o do trabalhador que tenha seus direitos protegidos. A pesquisadora explica que até hoje nenhum empregador foi para a prisão por ter propriedades com trabalho escravo, apesar de inúmero julgamentos que já ocorreram. “No máximo pegam pena de prestação de seviços comunitários”, conta ela.
Prado indica que há um movimento de rechaçamento deste tipo de prática. O Ministério do Trabalho disponibilizou em sua página uma lista com 245 empregadores que devem ser evitados tanto na hora de pedir emprego quanto pelos compradores de seus produtos. “Essa indicação faz com que esses empredores percam mercado porque muitas empresas inclusive fora do Brasil deixam de se interessar”, diz ela, que aponta para a criação de dificuldades econômicas para os empreendores como uma das maneiras de se erradicar esse modo de produção desumana.

Estudantes chilenos vão denunciar 'torturas' e corte de direitos humanos


Ansa
SANTIAGO - A Confederação de Estudantes do Chile (Confech) resolveu recorrer à Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para denunciar "abusos e torturas" por parte dos carabineiros (policiais militares) contra os manifestantes que têm protestado por uma educação melhor no país.
Os dirigentes universitários se reuniram na Universidade de Los Lagos, em Osorno, a 900 quilômetros ao sul de Santiago, e discutiram a "violência indiscriminada" que a polícia adotou com relação aos estudantes, com ocorrências que, segundo eles, podem ser classificadas como "tortura".
O presidente da Federação de Estudantes da Universidade Católica do Chile (Feuc), Giorgio Jackson, afirmou à Rádio Cooperativa que "os diferentes casos vão ser apresentados em 28 de outubro nos Estados Unidos, em Washington".
O estudante de Música Gonzalo Aléxis Espinoza enviou à Rádio Bío Bío imagens de queimaduras sofridas por ele quando efetivos de forças especiais dos Carabineiros lançaram um jato de água quente em seu rosto durante a desocupação da Universidade de Valaraíso.
No dia da ação policial, Espinoza foi detido, levado à delegacia e liberado apenas no dia seguinte. Ele ficou com queimaduras de segundo grau na face e no peito, segundo diagnóstico do departamento de Urgência do Hospital Carlos Van Buren, de Valparaíso.
Este e outros casos serão relatados à CIDH, ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA).
O objetivo da reunião dos dirigentes estudantis também foi analisar o giro pela Europa que alguns fizeram recentemente, que incluiu um encontro com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Eles também devem pensar nos próximos passos do movimento estudantil chileno.

Parlamento uruguaio aprova lei que anula prescrição de crimes da ditadura


A Câmara dos Deputados do Uruguai aprovou na madrugada desta quinta-feira em caráter definitivo um projeto de lei que declara imprescritíveis os crimes cometidos na última ditadura (1973-1985), antes que o prazo expirasse no dia 1º de novembro.

Após 12 horas de discussão, os deputados aprovaram com os votos da governista Frente Ampla - 50 dos 90 legisladores presentes - o projeto que havia sido votado na terça-feira no Senado e que agora passará ao Poder Executivo para a promulgação.

O projeto aprovado restabelece o pleno exercício da pretensão punitiva do Estado para os crimes cometidos em aplicação ao terrorismo de Estado até 1º de março de 1985, data do retorno da democracia.
Além disso, declara estes delitos "crimes de lesa humanidade, de acordo com os tratados internacionais", e afirma que "não será computado prazo algum, processual, de prescrição ou de caducidade" para o julgamento.

O projeto de lei derruba de fato a denominada Lei de Caducidade da Pretensão Punitiva do Estado, aprovada em 1986 quando a justiça começava a indiciar militares por violações aos direitos humanos, e um ano e meio depois de outra norma que anistiou a maioria dos presos políticos.

A esquerda, que governo o país com José Mujica, afirmou que com a aprovação o país cumpre uma decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que em março ordenou ao Uruguai investigar e julgar os crimes da ditadura.

A oposição, no entanto, era contrária à anulação da Lei de Caducidade e alegava que duas consultas populares (em 1989 e 2009) não conseguiram os votos necessários para derrubar a lei.
O áspero debate aconteceu poucos dias depois da descoberta de ossadas em um prédio militar, como parte das escavações de busca de desaparecidos políticos.

Segundo a Comissão para a Paz, que investigou entre 2000 e 2003 o destino dos desaparecidos, 38 pessoas desapareceram durante a ditadura no Uruguai. Também foram denunciados 182 desaparecimentos de uruguaios na Argentina, oito no Chile, dois no Paraguai e um no Brasil.

Mais de 100 pessoas acompanharam a votação no Parlamento e celebraram a aprovação do projeto de lei aos gritos de "vai acabar a impunidade no Uruguai", ao fim de um debate tenso sobre um tema que divide o país há 26 anos.

"Hoje a justiça ganhou liberdade total, pode atuar. Hoje deixamos de lado o perigo da Lei de Caducidade e os juízes vão poder atuar. É um dia histórico", afirmou a deputada governista Ivonne Passada.

Na oposição, a revolta era clara.

"Apenas os autoritários festejam um atentado à democracia", escreveu no Twitter a deputada do Partido Nacional Ana Lía Piñeyrúa.

Parentes de desaparecidos políticos comemoraram a aprovação, mas a oposição criticou o projeto









Parentes de desaparecidos políticos comemoraram

a aprovação, mas a oposição criticou…

terça-feira, 25 de outubro de 2011

“Quem não deve, não teme” – Governo foge de audiência sobre Belo Monte na CIDH


Convocado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) a participar, em 26 de outubro,  de uma audiência em Washington sobre o não cumprimento de medidas cautelares de proteção das populações indígenas do Xingu, o Governo Federal anunciou, na última sexta, 21, que não comparecerá.
Em abril deste ano, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA determinou que o Estado brasileiro suspendesse as obras de Belo Monte e que adotasse medidas urgentes para proteger a vida e a integridade pessoal dos membros das comunidades tradicionais da bacia do rio Xingu. Surpreendentemente, o governo brasileiro, além de descumprir as medidas internacionais e conceder a Licença de Instalação do empreendimento, adotou uma postura inédita de ameaça, desrespeito e deslegitimação do sistema interamericano de proteção aos direitos humanos, repetindo no Itamaraty a forma autoritária que adotou nos processos internos de licenciamento da usina. A retirada da candidatura à CIDH do ex-Ministro de Direitos Humanos Paulo Vannuchi e a ameaça de suspender o pagamento da contribuição à OEA foram alguns dos expedientes de chantagem usados pelo Estado brasileiro após a determinação internacional de suspender Belo Monte.
No dia 26 de setembro de 2011, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA convocou o governo brasileiro e as organizações que representam as comunidades indígenas (Movimento Xingu Vivo para Sempre, Sociedade Paraense de Direitos Humanos, Justiça Global, AIDA) para uma reunião de trabalho na próxima quarta-feira, dia 26 de outubro, em Washington, sede da Comissão Interamericana. Desde então, as comunidades e as organizações peticionarias vinham buscando recursos para garantir que Sheyla Juruna e Antonia Melo, da coordenação do Movimento Xingu Vivo para Sempre, viajassem desde Altamira, no Pará, até os Estados Unidos, para participar da audiência. A comunicação do governo à CIDH e aos peticionários, de que o Brasil “não se fará representar”, pegou a todos de surpresa.
A decisão do Brasil ocorreu dias depois do julgamento da ACP 2006.39.03.000711-8,  que exige o cumprimento do artigo 231 da Constituição e da Convenção 169 da OIT, para que o Congresso Nacional realize a consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas afetados por Belo Monte. No último dia 17, a desembargadora Selene Almeida, do Tribunal Regional federal da Primeira Região (TRF1), deu voto favorável ao requerimento, que então foi objeto de pedido de vistas pelo desembargador Fagundes de Deus.
Em toda a história da participação no sistema interamericano, esta é a primeira vez que o Brasil falta uma reunião de trabalho convocada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA. A decisão expõe a covardia de um governo que, sabendo das ilegalidades e arbitrariedades cometidas no processo de licenciamento e construção de Belo Monte, evita ser novamente repreendido publicamente pela Comissão. Mas não só isso: o Estado brasileiro dá ao mundo um triste exemplo de autoritarismo e truculência, deixando claro que o país estará fechado para o diálogo quando for contrariado em instâncias internacionais.
A postura do Brasil tem poucos precedentes na História, e pode ser comparada à de Trinidad e Tobago (1998) e do Peru (1999) que, governado por Fujimori e insatisfeito com as decisões da Comissão e da Corte Interamericana, ameaçou sair do sistema interamericano. Vários especialistas da região têm avaliado que o Brasil passou a desempenhar, a partir deste ano, um papel chave para debilitar a Comissão Interamericana.
Belo Monte: símbolo da sanha ditatorial

Em 1989, após passar por 21 anos de ditadura militar, o Brasil se preparava para as primeiras eleições diretas para presidente desde 1960. Cerca de três mil pessoas se reuniram na cidade de Altamira, no Pará, para participar do I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, um marco democrático da luta em defesa da Amazônia. Quando o então presidente da Eletronorte apresentou as intenções do Governo de construir a mega-usina hidrelétrica de Kararaô, na Volta Grande do rio Xingu, a índia Tuíra se aproximou da mesa e, em um gesto emblemático, encostou o facão nas faces do “homem branco”. A imagem correu o mundo, e sua força e dramaticidade serviram para disseminar o grito de indignação dos indígenas contra as in tenções de governantes e empresários de construir um complexo hidrelétrico em uma das regiões de maior biodiversidade da Amazônia.
Há poucos anos, seria difícil imaginar que aquele projeto, desenvolvido quando vivíamos páginas infelizes de nossa História e praticamente sepultado durante o processo de redemocratização do país, seria ressuscitado com outro nome: Belo Monte. Pior: que, justamente em um momento de afirmação e consolidação de nossas conquistas democráticas, este projeto seria imposto de forma autoritária, desrespeitando a vontade dos povos da Amazônia, violando a legislação brasileira e ignorando tratados e mecanismos internacionais de proteção aos direitos humanos.
O Governo de Dilma reforça mais uma vez a cara dupla que assumiu quando o assunto é direitos humanos: para fora, nas tribunas e púlpitos da ONU ou da imprensa estrangeira, discursos exemplares; para dentro, no quintal de casa, uma postura arbitrária e a relativização dos direitos de alguns brasileiros que estão no caminho dos seus planos e projetos.
As organizações abaixo assinadas repudiam veementemente o não comparecimento do governo brasileiro em audiência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, e, mais uma vez, afirmam a necessidade de que a construção da hidrelétrica de Belo Monte seja imediatamente suspensa, para que sejam respeitados os direitos dos habitantes do município de Altamira e de todas as comunidades tradicionais do Xingu.

24 de outubro de 2011.


Assinam esta Nota:


Movimento Xingu Vivo para Sempre


Justiça Global


Sociedade Paraense de Direitos Humanos


Prelazia do Xingu


Conselho Indigenista Missionário


Dignitatis – Assessoria Técnica Popular


Movimento de Mulheres de Altamira Campo e Cidade


Rede Justiça nos Trilhos


Associação dos Indígenas Juruna do Xingu do Km 17


Mutirão pela Cidadania

sábado, 22 de outubro de 2011

Cineclube Frei Tito: Cortina de Fumaça



O Núcleo Frei Tito de Direitos Humanos, Comunicação e Cultura do PSOL/Níterói convida a todos para a próxima sessão de seu cineclube, no dia 26 de outubro (quarta-feira):

18h - Exibição do filme "Cortina de Fumaça", de Rodrigo Mac Niven;

20h - Debate com:
         Orlando Zaccone - Delegado de Polícia Civil
         Renato Cinco - Marcha da Maconha
         MC Leonardo - APAFUNK


26 DE OUTUBRO

AUDITÓRIO DO ICHF (SALA 219)
BLOCO O
CAMPUS DO GRAGOATÁ - UFF




"Sou Fruto do cineclubismo e cada cineclube que nasce é como mais um filho que germina, além das ideias políticas que vem embutidas nesse cineclube especificamente ligado ao PSOL. Vida longa ao Cineclube Frei Tito!" (Silvio Tendler)

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Próxima reunião - 20/10

Compas,


Tendo em vista o tempo transcorrido desde a última reunião, bem como os recentes acontecimentos em matéria de direitos humanos, comunicação e cultura, e levando em consideração a necessidade de um balanço e organização nas políticas a serem propostas nos espaços partidários, convocamos a todos para a próxima reunião do Núcleo Frei Tito, na QUINTA-FEIRA, DIA 20, ÀS 18H30, NO 2º ANDAR DO DCE-UFF, com a seguinte proposta de pauta:


- Balanço do Congresso Estadual
- Documento de contribuição do Núcleo para o Encontro Municipal
- Cineclube de outubro e novembro



NÚCLEO FREI TITO (PSOL-NITERÓI)
QUINTA-FEIRA
DIA 20 DE OUTUBRO
HORÁRIO: 18H30
LOCAL: DCE-UFF 
(Rua Visconde de Rio Branco, 625, 2° andar, em Niterói)

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Com Belo Monte, violência sexual contra criança e adolescente cresce 138%


Na esteira da endemia que explodiu em Rondônia com as obras das usinas de Jirau e Santo Antonio, Belo Monte também está se tornando um vetor de crimes de violência sexual contra a criança e o adolescente.  Segundo dados do Conselho Tutelar de Altamira, somente no primeiro trimestre deste ano já foram registrados 32 casos, o que significa uma projeção para o final do ano de mais de 100 ocorrências – em 2009, foram denunciados 28 casos e em 2010, 42.

“Isso são apenas os casos registrados.  Sabemos que há muitos outros que acabam não sendo denunciados; e que, via de regra, as projeções são sempre menores do que as estatísticas mostram.  De toda forma, isso já duplica a demanda e a necessidade de atendimento”, explica a conselheira Lucenilda Lima.  Segundo a conselheira, Altamira não tem estrutura para sustentar “um empreendimento monstruoso como esse.  O conselho tutelar é a porta de entrada de todos os problemas que chegam no município.  Somos 5 conselheiros pra 106 mil habitantes no maior município do mundo.  E um carro velho que vive mais quebrado do que funcionando”, desabafa.

Lucenilda explica que em 2009 o Conselho realizou 2440 atendimentos.  Em 2010, o numero subiu para 2518 casos.  Já no primeiro trimestre de 2011, 890 ocorrências foram registradas, jogando para 3200 o número de atendimentos até o final do ano – crescimento de 27%.  “As empresas e governos envolvidos nesta obra, enfiada goela abaixo, são responsáveis.  Tratam a cidade na base do descaso”, conclui.
De acordo com o professor da UFPA e especialista em direitos humanos, Assis Oliveira, o ano de 2009 foi marcado pelo início do processo de implementação de Belo Monte.  “Já se notou um crescimento [da violência contra crianças e adolescentes] a partir daí – e agora com as obras, é tão acelerado que as instituições não tem capacidade para suportar a demanda”, explica.

Modelo

Segundo o professor, não é somente em Belo Monte que ocorrem casos de violência sexual, aumento de vício por drogas, e aumentos da violência das próprias crianças e adolescentes.  “Isso se dá em locais onde ocorrem grandes projetos como este.  No Rio Madeira, dados da Plataforma Dhesca demonstraram aumento de 208% nos casos de estupro desde o início da obra.  Esse aumento não se dá por uma questão local.  Está ligado a um modelo de desenvolvimento, que tem por trás uma série de violações de direitos”, diz Assis.

Ele sustenta que o aumento da migração é uma das hipóteses que explicariam este tipo de contexto.  “A maioria são homens, que vem trabalhar em ritmo intenso, a semana toda nos canteiros de obras e tem o final de semana para se divertir.  Por diversão, entenda-se bebidas e exploração sexual – coisas que envolvem a criança e o adolescente”.

Outra questão séria são as famílias que estão sendo desalojadas dos seus locais de vivência tradicional, das periferias, acrescenta Assis.  O empobrecimento dessas famílias, o aumento do custo de vida – de alimentos a aluguéis -, tudo isto tem levado à precarização e marginalização das famílias.  “Muitas vezes, a solução que se acha é o ingresso das crianças no trabalho infantil – e um deles é a prostituição”.

Por fim, Assis aponta que não houve um processo democratizante, onde as crianças e adolescentes pudessem se manifestar e marcar opinião sobre Belo Monte.  “As crianças tem opinião, elas vivenciam essa ação – e devem ser levadas em conta”, avalia.

Para os movimentos sociais de Altamira, a principal preocupação são as condições e o ambiente oferecido às crianças em longo prazo.  “Como será o futuro delas na nossa região?  Está provado que o governo não está garantindo as políticas públicas necessárias para segurar a onda de migrações e o aumento populacional.  As creches, centros de internação, escolas e outros aparelhos que temos já não dão conta nem da nossa demanda.  E obviamente não darão conta dos conflitos, sobretudo nos próximos cinco anos, quando a população tenderá a explodir, caso Belo Monte ainda não tenha sido barrada até lá”, afirma a coordenadora do Movimento Xingu Vivo Para Sempre, Antonia Melo.  “E estamos falando de direitos que deveriam ter sido garantidos há muito tempo nessa região, e só agora os governos falam desses direitos.  Porque você tem um grande projeto que desperta interesse, leis que não funcionam e uma falsa fiscalização do que deveria se estar fazendo para que a obra pudesse estar acontecendo”, conclui.