sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Crimes da ditadura: “Não é possível falar em reconciliação sem passar pela verdade e pela justiça”


Para o psicólogo costa-riquenho e pesquisador de Comissões da Verdade latino-americanas Ignacio Dobles Oropeza, a ideia de não enfrentar a verdade via leis de anistia amplas é uma tentativa de apagar o passado. O problema, entretanto, é que as feridas não se fecharão nunca para as vítimas.
Por Débora Prado, da Caros Amigos

Se é possível a reconciliação, ela tem que passar pela verdade e pela justiça. A conclusão é do professor da Escola de Psicologia da Universidade da Costa Rica Ignacio Dobles Oropeza, autor do livro “Memórias da dor: Considerações acerca das Comissões da Verdade na América Latina”, que pesquisou, em 2008, as experiências do Chile, Argentina, El Salvador, Guatemala e Peru.

Para Dobles, o objetivo de não enfrentar a verdade é liquidar o passado. O problema é que as feridas não vão se fechar nunca para as vítimas, o que torna impossível apagar a história via instrumentos como as leis de anistia. “O grande estorvo para aqueles que querem apagar o passado são as vítimas”, frisa.

Para ele, a ideia geral de reconciliação via anistia tem um poder ideológico forte, uma vez que cria a falsa sensação de equilíbrio. “É muito fácil que as pessoas aceitem essa posição de meio-termo, pra não serem consideradas extremistas. Com isso, é fácil também vender essa ideia de que as lutas, as armas e as condições dos grupos de resistência armada e do Estado eram iguais. Mas isso é falso. Não se trata de romantizar a luta armada, mas este lado não pode ser colocado na mesma posição do outro: o terrorismo de Estado é infinitamente mais danoso que grupos isolados e pequenos. E é o Estado que se pressupõe ser aquele que deve defender os habitantes de um País”, explica.

O pesquisador considera que, nesse sentido, usar o termo 'reconciliação' é extremamente complicado: “Há diferentes tipos de reconciliação: existe o 'brigamos no passado mas agora somos amigos', o 'apagamos o passado', e aquela reconciliação como esto simbólico, onde os dois maiores líderes se encontram para se cumprimentar publicamente. Mas, todas não são reconciliações reais”, destaca.

Isto porque é impossível haver reconciliação de fato, sem verdade e, sobretudo, sem justiça. “A verdade tampouco é suficiente porque cai na dinâmica da chantagem, como em algum momento fez a direita e o Exército na mesa de diálogo e negociação, onde propunham passar as informações em troca de não serem processados. E isso é o mesmo que dizer: 'nós damos pra vocês a verdade, mas não a justiça' – o que obviamente não foi aceito pelas organizações de direitos humanos”, relata.
Comissões como ferramentas
Para Ignacio Dobles Oropeza, as Comissões da Verdade são ferramentas muito interessantes para trabalhar versões de memória pública e resgatar o que aconteceu nos países para dizer a toda sociedade. Elas podem também ser ferramentas interessantes uma vez que se propõem a dar voz as vítimas do terror de Estado. Entretanto, o psicólogo considera que, de nenhuma forma, as comissões da verdade são as experiências mais importantes. “O mais importante para verdade e a memória são as experiências que as vítimas e seus familiares têm relatado, nas diferentes condições de cada comissão, e suas formas de organização”, relata.

O psicólogo costa-riquenho explica que, em termos gerais, essas comissões costumam tarbalhar por um curto período para tratar períodos recentes da história e todas, de alguma maneira, contam o apoio oficial do Estado. Costumam também criar mais expectativas do que podem de fato alcançar e, geralmente, são duramente combatidas pelos setores mais reacionários e pelos exércitos.

“Eu não tenho dúvida de que, se a Comissão da Verdade começa a funcionar no Brasil, vai ter uma reação feroz, porque esta é a história peruana, equatoriana, argentina e salvadorenha. Isso, se for cumprida uma característica fundamental da comissões, que é dar espaço e trabalhar em função das vítimas, porque o sistema legal não está funcionando assim”, frisa.

A partir de sua pesquisa, o psicólogo considera que o país que têm conseguido mais promover efeticamente a justiça é a Argentina, que inclusive processa os repressores da ditadura. “Para mim, é bastante claro que o país com mais avanços neste campo é de longe a Argentina, no plano legal, governamental e pelo trabalho de organizações como as mães, avós, filhos, advogados, artistas, etc. A Argentina me impressiona pela vontade política, os governos dos Kirchner mostraram uma posição política totalmente diferente de governos anteriores”, conta.

Além dos países que estudou, atualmente, Dobles identifica que o tema da Comissão da Verdade aparece em mais três países na América Latina: Equador, Brasil, e, como parte de uma proposta para resolver o impasse do golpe de Estado, em Honduras. O psicólogo esteve em São Paulo dia 21 para participar do seminário “Psicologia e Direitos Humanos: Direito à Memória e à Verdade” no Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, quando concedeu entrevista à revista Caros Amigos e ao portal Carta Maior. 

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