Por Paula Máiran
O filme Machuca retrata, sob um tão sensível quanto sincero olhar infantil, os acontecimentos do Chile de 1973, quando em um golpe militar Augusto Pinochet tomou o lugar de Salvador Allende. Mas não podia ser mais atual o tema dessa película. O fim da ditadura no Chile não representou, afinal, o fim do autoritarismo. A máquina estatal ainda funciona no país da costa do Pacífico para calar vozes, para silenciar aqueles que sofrem na pele os efeitos de um sistema político e econômico voltado para o atendimento dos interesses de grandes grupos econômicos. Na sessão de 29/9 do Núcleo Frei Tito de Direitos Humanos, Comunicação e Cultura, em sala da Faculdade de Direito da UFF, a exibição de Machuca rendeu uma intensa troca de experiências e reflexões sobre as circunstâncias históricas em que avança uma luta que pode unir, para além de qualquer fronteira, os nossos corações sul-americanos.
O debate, mediado pelo estudante de Direito Matheus Rodrigues, contou com a participação especial do roteirista do filme, o cubano Eliseo Altunaga; da estudante brasileira Mariana Borzino, que esteve no Chile recentemente para acompanhar as manifestações populares contra o sistema, com o uruguaio Roberto Morales, histórico militante de esquerda e assessor parlamentar do deputado Marcelo Freixo, e com o engenheiro Pedro Alves, que participou da luta armada no Brasil e chegou a ser preso no Chile.
Mariana fez um relato sobre o momento chileno de crise social, política e econômica, com forte repressão estatal aos movimentos de resistência, como caçarolaços e barricaços. "A ditadura acabou só oficialmente. As práticas do regime militar persistem, com a criminalização dos manifestantes, com a máquina calando as suas vozes. A situação no Chile é mais tensa do que a do Brasil", denunciou a estudante universitária.
Morales traçou um paralelo entre o que ocorreu nos anos 60/ 70 na América Latina e o que acontece agora. Ele acenou com um olhar otimista em relação ao fortalecimento da resistência política nos tempos atuais: "O Chile enfrentou o quadro mais grave em todo o continente nos tempos de obscurantismos das ditaduras militares. Agora, a resistência está renascendo em um quadro superior ao que havia nos anos 70". Pedro, que contou sobre a sua experiência na época da sua prisão no Estádio Nacional chileno, em pleno momento do golpe, concordou com a existência de sinais de que o enfrentamento começa a dar sinais de força crescente: "No Chile, continua forte a mobilização política, a tradição do socialismo persiste mais do que no Brasil, onde o socialismo demorou mais a chegar".
O roteirista de Machuca contou sobre os bastidores da construção do roteiro do filme, que narra a história da experiência de um padre, diretor de colégio católico, que resolveu misturar nas mesmas turmas escolares crianças pobres e outras da elite chilena, numa tentativa de conciliação de classes, de ruptura da cultura de apartheid social que então vigorava no país. Premiado em seu lançamento em Cannes, em 2004, o filme conta sob a ótica de um menino branco e rico, o que ocorria nas casas e nas ruas no momento do golpe, personagem inspirado no próprio diretor, Andres Wood. "Não é um documentário, mas um documento de uma época", explicou Eliseo, que mantém seu olhar bem atento sobre o apartheid do tempo atual: "O projeto neoliberal conseguiu derrubar o governo de esquerda, mas não conseguiu fazer o governo funcionar. A distribuição de riquezas é ainda mais desproporcional".
O debate se concluiu em tom de esperança em relação ao fortalecimento crescente da luta socialista. A estudante Mariana deu a palavra final: "Há um ascenso mundial de luta e o tensionamento é muito forte. O processo está aberto para nós. É hora de todo militante ler muito, de se formar politicamente, de se preparar, porque os ventos fortes que vêm da Líbia e de Londres vão vir para cá. E na hora certa deveremos saber de que lado deveremos estar. Precisamos nos armar".
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