segunda-feira, 4 de junho de 2012

Anistia Internacional: Tim Cahill fala da tortura e Comissão da Verdade


Por J.R. Penteado
Especial para Caros Amigos


A ONG Anistia Internacional divulgou no fim do mês de maio, em Londres, Inglaterra, seu relatório anual sobre direitos humanos. Caros Amigos entrevistou o responsável da AI pelo Brasil, Tim Cahill, sobre o trabalho da ONG e sobre a Comissão da Verdade, que vai investigar crimes cometidos pelos agentes da ditadura civil-militar.


No relatório da AI, um dos principais focos é a violência policial e a tortura no sistema carcerário. Para ler o relatório, clique aqui .

Leia abaixo a entrevista de Tim Cahill.

Caros Amigos - Que tipo de trabalho a Anistia Internacional tem feito no Brasil ultimamente?

Tim Cahill - Nós temos feito bastante trabalho em cima da questão da tortura no sistema carcerário. Em 2001, nós já havíamos feito um relatório sobre este tema no País, e no último mês, por recomendações de algumas ONGs, estivemos visitando presídios no Amazonas, por se tratar de um estado muito frágil em relação à situação carcerária e que também tem pouca visibilidade.

Recentemente, o Brasil recebeu a visita do subcomitê da prevenção da tortura da ONU, e dessa visita foi produzido um relatório que está agora nas mãos do governo brasileiro. É um relatório confidencial, que, se eles quiserem publicar, podem, e a gente está pedindo que publiquem mesmo que eles não precisem. É um relatório que faz recomendações ao governo quanto à situação de tortura. O Brasil também está devendo um relatório de prestação de contas em relação à implementação da Convenção Contra a Tortura, ratificada na Assembleia Geral da ONU.

Existem também outras questões que estão se reabrindo em relação a este tema, como a legislação que o Brasil está implementando em razão de um protocolo facultativo da ONU do qual o país é signatário. O protocolo facultativo é algo adicional em relação à Convenção Contra a Tortura. Nesse sentido, em vez de exigir que os países punam as pessoas que cometeram tortura, o protocolo também cria um mecanismo de prevenção desse crime. É algo mais preventivo.

Caros Amigos - Como funciona esse mecanismo?

TC - Há um projeto de lei em fase de tramitação em Brasília para a criação de um mecanismo de prevenção à tortura em nível nacional, mas pelo menos três estados já aprovaram uma legislação referente ao tema: Alagoas, Paraíba e Rio de Janeiro. O único estado que criou exatamente esse mecanismo foi o Rio de Janeiro, por iniciativa da Comissão dos Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Neste caso, o comitê já foi eleito com representantes responsáveis por fazer visitas ao sistema carcerário, documentar essas visitas, fazer recomendações ao Estado, e denunciar abusos onde há abusos. Já houve uma visita a um presídio no Rio com as pessoas do mecanismo que foi muito interessante. É um mecanismo que está funcionando bem, mas que está precisando de recursos.

Diferentemente do Rio, onde o mecanismo é ligado à Alerj, no caso do mecanismo nacional, ele deve ser ligado diretamente ao Executivo. A presidenta Dilma modificou a lei e centralizou a escolha na pessoa dela, o que foi muito criticado, pois não é transparente nem independente como requer a ONU.

CA - Quem faz parte desse comitê ligado a esse mecanismo de prevenção da tortura?

TC - Podem ser defensores públicos, representantes de órgãos de estados, pessoas de organizações de direitos humanos. No Rio de Janeiro, acho que são seis pessoas participantes no comitê. Elas têm o poder de entrar no sistema carcerário onde for necessário e fazer a visitas, e, em tese, quando for criado esse mecanismo ao nível nacional, também haverá esse direito de realizar visitas nos presídios em todo o País.

CA - Recentemente, foi aprovada a Comissão da Verdade, que visa investigar as violações dos direitos humanos ocorridas no Brasil entre 1946 e 1988. Alguns criticam bastante a estrutura da comissão, sobretudo no que diz respeito à amplitude do período histórico a ser investigado e ao curto tempo de duração da Comissão (dois anos). Como a Anistia Internacional vê essas críticas?

TC - Nós até estivemos com o secretário nacional de Justiça [Paulo Abrão] recentemente e discutimos sobre isso. Eu reconheço que essas críticas são importantes e reconhecemos as ONGs que as estão fazendo. Agora eu acho que vai depender muito como a comissão e os comissariados definirão seus mandatos e a área de trabalho. Dois elementos que foram levantados por várias pessoas, inclusive pelo secretário de Justiça, são a preocupação em reconhecer a validade da Lei da Anistia e a questão de fazer com que a comissão não procure somente a verdade e reparação, mas que se inclua um terceiro elemento no processo: a comissão deve buscar a verdade, a reparação e também a justiça.

Também estivemos há pouco tempo com representantes do Ministério Público Federal (MPF), e vimos que eles, com base numa interpretação do Supremo Tribunal Federal (STF), abriram dois processos criminais contra representantes da Ditadura Militar – um no Pará [contra o major Curió] e outro em São Paulo [contra o coronel Ustra]. E se esses casos forem adiante, mostrará que há uma interpretação por parte do próprio STF que reconhece que há certos casos que ocorreram durante a Ditadura que são os chamados “crimes continuados”, que é o crime de sequestro, já que na legislação brasileira não existe uma “lei de desaparecimento”. Então o MPF está usando a tipificação de sequestro, em que os corpos não foram reencontrados, caracterizando um crime com continuidade até hoje. Logo, ele não pode ser anistiado pela Lei da Anistia de 79.

Isso já foi reconhecido pelo STF em dois casos de militares que estavam no Brasil e que eram procurados na Argentina e Uruguai. Nesse caso, o STF reconheceu que o crime continuado não era anistiado pela Lei da Anistia e cedeu as extradições.

CA - Você se sente confiante no trabalho da Comissão da Verdade?

TC - Há uma forte possibilidade que o que saia da Comissão possa ser utilizado pelo MPF para abrir novos processos. E nós esperamos, nesse sentido, que a Comissão tenha a força e a concentração de não se distrair com o amplo período histórico a que foi designada investigar e que foque no período da Ditadura. Esperamos também que ela tenha os recursos necessários para que sejam usados não somente pra abrir arquivos e dar a verdade que é necessitada às vitimas e às famílias, mas também para funcionar como uma plataforma para trazer a justiça que essas famílias precisam - e que, de certa forma, que o próprio Brasil precisa, porque acreditamos que a falta de punição naquele período se reflete na continuação da tortura hoje no País.

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