terça-feira, 25 de dezembro de 2012
Nota do Núcleo Frei Tito em solidariedade a Dom Pedro Casaldáliga
NOTA DO NÚCLEO FREI TITO EM SOLIDARIEDADE A DOM PEDRO CASALDÁLIGA
“Malditas sejam todas as cercas! Malditas todas as propriedades privadas que nos privam de viver e amar! Malditas sejam todas as leis amanhadas por umas poucas mãos para ampararem cercas e bois, fazerem a terra escrava e escravos os humanos.” (Pedro Casaldáliga)
O Núcleo Frei Tito de Direitos Humanos, Comunicação e Cultura do PSOL vem, por meio desta nota, prestar solidariedade ao Bispo Dom Pedro Casaldáliga, de São Félix do Araguaia (MT), pela intensificação das ameaças de morte sofridas, após a homologação presidencial e a garantia por reiteradas decisões judiciais (Primeira Instância, Segunda Instância e Supremo Tribunal Federal), de retomada de posse das terras Xavantes na região. Considerado pelos latifundiários locais um dos maiores culpados pela decisão judicial, as ameaças levaram o Bispo, de 84 anos e padecendo de Mal de Parkinson, a sair da cidade após recomendação da Polícia Federal. Também compartilhamos das mesmas críticas acerca das truculências das frações do capital para com os povos tradicionais e da devastação do meio-ambiente promovida pelo agro-negócio na região.
D. Pedro Casaldáliga chegou à região de São Félix do Araguaia nos anos 1960, foi nomeado administrador apostólico da prelazia da cidade em 1970 e Bispo em 1971. Seguidor da Teologia da Libertação e sempre ao lado dos indígenas e dos trabalhadores rurais, presenciou a chegada das empresas agropecuárias nos anos 1960, durante a Ditadura Empresarial-Militar no país como também a instalação da fazenda Suiá Missú, considerada na época, o maior latifúndio do mundo (equivalente a uma área 252 vezes maior que a ilha de Manhattan em Nova York nos Estados Unidos).
Com o apoio do antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), cerca de 289 Xavantes foram transportados em aviões da FAB para a aldeia de São Marcos, no município de Barra de Garças (MT). As terras indígenas após a retirada forçada dos Xavantes nos anos 60 foi sendo dividida em grandes fazendas, além da já citada acima. Para assegurarem essas terras invadidas, os latifundiários locais incentivaram a vinda de famílias que adquiriram lotes nas terras Xavantes. A articulação para o desalojamento desta comunidade envolveu o exército, a força aérea, o SPI, a Igreja Católica, com o padre Mário Panziera liderando o processo, políticos locais, e o financiamento da Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia) para favorecer os interesses das frações agrárias do capital.
A região passou então a ser palco de diversos conflitos: posseiros em busca de um pedaço de terra, grileiros invadindo terras ilegalmente, sem terras esperando a decisão do governo, latifundiários expropriando e removendo a população local em prol do agro-negócio e de um modelo de “desenvolvimento” danoso ao meio-ambiente. Nessa conjuntura, os índios reivindicavam seu lugar de origem, corroborados por laudos antropológicos.
Os índios, revoltados com o que acontecia, passaram a ocupar diferentes terras de direito, que conheciam por laços históricos. Parcela das terras foram para a empresa Liquigás, e depois para a italiana Agip Petroli, e aí permaneceram ao longo dos anos 1980.
Nos anos 1990, com a conferência Eco92, a história da relação dos Xavantes com o Estado brasileiro modificou-se. Foi nesse período que ocorreu a principal aproximação política dos nativos com uma organização internacional, que veio a ser fundamental para a história da retomada de suas terras: a italiana Campagna Nord Sud, que funcionou de 1989 a 1992.
A organização fiscalizava a atuação de empresas italianas no mundo. Nesse caso, a situação da Agip em terras xavantes foi exposta, causando grande constrangimento para esta multinacional. Tal situação envolveu a ida de Paridzané (principal liderança Xavante) para a Itália, o que acarretou em diversas matérias nos jornais do país acerca desta questão.
Em 10 de junho de 1992, ainda durante a Eco92, o presidente da Agip Petrolli, Gabrieli Cagliari, declarou que a empresa iria devolver a terra aos Xavantes. Contudo, Renato Grillo, gerente local da fazenda Liquifarm Suiá-Missú, discordou das intenções dos patrões italianos, e passou a incentivar as invasões na região.
No mesmo ano, Renato Grillo escreveu uma carta ao Ministro da Justiça, informando que 250 posseiros haviam invadido a propriedade que estava sendo devolvida aos índios. Mas não poderiam ocupar tudo, pois, mapas indicavam os locais destinados aos pequenos, aos médios e grande parte, pelo menos um terço no primeiro momento, tinha outro destino: o agronegócio.
Em novembro do mesmo ano, a mesma empresa anunciou um leilão das terras, organizado pela Companhia Brasileira de Leilões, no Castro’s Hotel, em Goiânia, dispondo um cartaz com selo do Bamerindus. Além das terras, também foram comercializadas 14 mil cabeças de gado.
Segundo a Comissão Pastoral da Terra, toda essa situação trouxe um clima irrespirável e conseqüências graves que, perduram até os dias de hoje, não somente para o povo Xavante, mas para toda a sociedade. Provocam-se e acirram-se, a cada dia, ódios e chantagens vingativas e violentas.
Como exemplo de ação desumana, podemos citar a recente ação dos latifundiários, em que foi bloqueada a BR 158, proibindo, mesmo com a escolta da Força Nacional, a trafegabilidade de uma ambulância que transportava uma indígena Xavante que se encontrava em trabalho de parto, necessitando, urgentemente, de cuidados médicos. E, como se não bastasse, os intrusos destruíram as pontes de acesso à aldeia Xavante, privando os indígenas do alimento e da água potável (http://racismoambiental.net.br/2012/12/nota-da-cpt-sobre-maraiwatsede/).
Em disputa estão 165 mil hectares de terras, dos quais 110 mil eram de cobertura de floresta amazônica e 20 mil de cerrado. Hoje, segundo a Funai, mais de 60% virou pasto e soja e um terço é controlado por 22 “casas grandes” que não admitem interferências em seus negócios.
Os latifundiários se manifestam com posicionamentos carregados de racismo e ódio, que merecem total repúdio, como o do então Senador Cidinho dos Santos (PR), publicada no Diário de Cuiabá, em que afirma: “Hoje, podemos dizer que, primeiramente, existem os direitos dos índios e, depois, vêm os direitos dos humanos”.
Portanto, tanto as ameaças contra o Bispo Casaldáliga quanto à atuação dos latifundiários e da bancada ruralista, denotam o lado coercitivo e violador dos Direitos Humanos, intrínsecos as expropriações e a concentração de capital na formação econômico social capitalista.
O Núcleo Frei Tito de Direitos Humanos do Psol, exige que o Estado Brasileiro ofereça condições de segurança a D. Pedro Casaldáliga, histórico e combativo defensor dos Direitos Humanos no país e fundamentalmente nesta região. Também exigimos que seja cumprida a decisão judicial do STF de reintegração das históricas terras Xavantes, com o oferecimento de condições dignas para os mesmos,como a preservação dos seus modos de vida e a destinação de recursos para a recuperação da cobertura florestal e vegetal devastada pelo agro-negócio. Torna-se fundamental também, a apuração e a punição dos envolvidos em atos de violências, ameaças e racismo contra os indígenas e os setores da igreja coagidos, haja vista que,tais atitudes são afrontas ao Estado Democrático de Direito e a uma sociedade mais justa e humana.
Niterói, 25 de dezembro de 2012.
Núcleo Frei Tito de Direitos Humanos, Comunicação e Cultura
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