Chico Mendes acreditava que sua morte em defesa da floresta amazônica — uma morte mais que anunciada — seria em vão. Agora, diante dos últimos acontecimentos, que lembram um pouco aquele clima de impunidade de 23 anos atrás, a pergunta é se ele não tinha razão. A aprovação do Código Florestal pela Câmara, com a emenda que anistia os desmatadores, considerada "uma vergonha" pela presidente Dilma, parece ter sido interpretada em alguns lugares como licença não apenas para desmatar, mas também para matar. Só na semana passada houve quatro assassinatos na Amazônia.
No Pará, terra de extermínio de árvores e de gente, o crime foi contra um casal de ambientalistas que recebia ameaças desde 2008, quando começou a denunciar a extração irregular de madeira para a produção de carvão. José Cláudio e Maria do Espírito Santo desenvolviam um trabalho de uso sustentável da floresta, junto com 500 famílias, e integravam não por acaso o Conselho Nacional das Populações Extrativistas, fundado por Chico Mendes. Eles foram executados na terça-feira, e no sábado, no assentamento onde moravam, em Nova Ipixuna, foi encontrado o corpo do agricultor Eremilton Pereira dos Santos, provável testemunha do crime.
Três dias depois, em Rondônia, foi a vez do líder ambientalista Adelino Ramos, que já vinha recebendo ameaças de morte de madeireiros e era um sobrevivente do Massacre de Corumbiara, que resultou na morte de 13 pessoas em 1995. Como no caso do seringueiro acreano em 1988 e da freira americana Dorothy Stang, em 2005, três das quatro mortes foram insistentemente anunciadas.
Em Mato Grosso, a "licença" é para desmatar. A repórter Cleide Carvalho, enviada especial à região, disse que ali a discussão do Código teve um efeito "devastador". É que desde janeiro fazendeiros e especuladores de terra passaram a derrubar florestas para, criando um fato consumado, se beneficiarem da anistia. O projeto "escancarou as portas da floresta amazônica para a devastação", principalmente depois que o governador sancionou lei concedendo anistia aos produtores até abril.
Cleide relata a ação de um personagem sinistro que conheci quando estive no Acre depois da morte de Chico Mendes — o correntão: "Esticada entre dois tratores, uma enorme corrente derruba as árvores pela raiz, ceifando todo tipo de vida pelo caminho. Ao final, as árvores são amontoadas. As toras são vendidas, e o resto é queimado." É um processo primitivo e tão truculento que as vítimas talvez preferissem a motosserra.
A operação anunciada agora pelo governo contra o desmatamento e a violência no campo vai precisar provar que a previsão do nosso protomártir do meio ambiente estava errada — que a sua luta pela preservação da Amazônia como fonte de recursos para um desenvolvimento sustentável não foi em vão.
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