sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Um minuto de silêncio e duas horas de diálogo contra a opressão


*Por Paula Máiran

Terceira edição do Cineclube Frei Tito homenageia o religioso com atividade contra a violência estatal


A terceira edição do Cineclube Frei Tito homenageou o próprio religioso que inspirou a sua criação. E não faltou durante a atividade, realizada nesta quarta-feira (10/8), em memória dos 37 anos da morte do dominicano, um minuto de silêncio. Mas no debate que sucedeu a exibição do documentário "Memória para uso Diário", de  Beth Formaggini, ficou claro que nem todo silêncio é bem-vindo. Por exemplo, como o que ameaça calar a violência promovida pelo Estado durante a ditadura militar, por meio do projeto que tramita no Congresso Nacional para a criação de uma Comissão da Verdade sem capacidade de fato de desvendar os crimes cometidos pelo aparato oficial, que ainda hoje produz vítimas.


No debate realizado no auditório da Escola de Serviço Social da UFF, no campus do Gragoatá, o público ouviu atento as palavras da professora Cecília Coimbra, do Grupo Tortura Nunca Mais-RJ, e do advogado Manoel Martins, militante histórico do socialismo no Brasil, que formaram a mesa coordenada pelo pastor Henrique Vieira. Não só ouviu. Também participou com muitas perguntas e manifestações, a maioria relacionada aos desafios de hoje no enfrentamento da violência praticada pelo Estado em suas várias formas.

"Estão tentando silenciar a História. E esse silêncio também se produz sobre os tempos de hoje. Os dispositivos que o Estado usa hoje contra a pobreza são os mesmos do tempo da ditadura, só ainda mais sofisticados. E muitos de nós hoje aplaudimos o uso de mecanismos como a tortura, o extermínio,o auto de resistência, que hoje se voltam contra os pobres e fazem muito mais vítimas até do que na época do regime militar. E são agentes do Estado que fazem isso. A gente acaba aceitando que isso possa ser natural, que possa acontecer com alguns de nós identificados como dispensáveis, cidadão de segunda categoria", afirmou Cecília Coimbra, ela própria vítima e testemunha da tortura promovida nos anos de chumbo e crítica contundente dos termos atuais do projeto de criação de uma Comissão da Verdade. "Como está, não vai funcionar. Estão querendo nos enganar, maquiando a história", denunciou.

O relato de Manoel Martins das circunstâncias de sua prisão, na ditadura militar, emocionou a todos. "O que devo dizer a essa juventude?", indagou o militante na plenitude de seus 87 anos, firme na luta socialista desde 1942. "Estão querendo apagar essa memória. Eu estou aqui para lembrar que eu assisti companheiros sendo torturados. Como o companheiro que certa vez me disse: 'Minha memória é o meu paraíso e do meu paraíso ninguém vai me expulsar'", alertou. Manoel Martins lembrou das tentativas recentes de destruição do Caio Martins, onde ficou preso com cerca de 1.500 perseguidos pela ditadura em Niterói. "O Exército disse não saber que o Caio Martins funcionou como campo de concentração. Querem apagar da memória do povo as lutas que foram travadas", acusou o socialista.

Manoel Martins concluiu a sua participação com um trecho do último capítulo de "Cidades Invisíveis", de Ítalo Calvino, "O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: procurar e reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço".

Tanta foi a emoção durante o debate que o coordenador da mesa criou ali mesmo uma poesia com a qual deu síntese ao sentimento coletivo ao fim de mais uma atividade do Cineclube Frei Tito:


Há tempos atrás
E no tempo presente
Continua a violência sistêmica
Sufocando vozes dissonantes
Naturalizando realidades gritantes
Depreciando a utopia
Plastificando o dia a dia
Perversidade adocicada midiaticamente produzida
Relações mediadas pelo capital
Tortura chamada de democracia no jornal nacional
Mas nos micro espaços forjamos o novo mundo
Alimentamos a resistência e nos mantemos de mãos dadas
Com Titos, Cecílias, Manoéis e com quem mais for
Choramos a dor do mundo
Porque vemos nela nosso mundo de dor.









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