Por Evandro Éboli - O Globo
Com apoio do governo, a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara rejeitou ontem, em votação simbólica, o projeto da deputada Luiza Erundina (PSB-SP) que previa a revisão da Lei de Anistia. O texto abria a possibilidade de julgamentos de agentes do Estado responsáveis por tortura, desaparecimentos e mortes de militantes de esquerda que se opuseram à ditadura.
Os petistas da comissão adiaram a apreciação do projeto quatro vezes, e o governo só liberou a votação após a aprovação da Comissão da Verdade, na semana passada. O Palácio do Planalto temia que o projeto de Erundina acirrasse os ânimos entre defensores dos direitos humanos e os contrários a alterar a interpretação da Lei de Anistia, e que esse clima contaminasse a votação da Comissão da Verdade.
No momento da votação ontem, 12 deputados concordaram com o parecer do deputado Hugo Napoleão (DEM-PI), contrário ao texto de Erundina. Entre eles, parlamentares com histórico de luta contra o regime militar, como Aldo Rebelo (PCdoB-SP) e Alfredo Sirkis (PV-RJ), que atuou na luta armada. Também votaram contra o texto de Erundina: Henrique Fontana (PT-RS), Jair Bolsonaro (PP-RJ), Mendes Thame (PSDB-SP) e Jaqueline Roriz (PMN-DF).
O deputado Jilmar Tatto (PT-SP) foi escolhido para apresentar a posição do governo e leu um texto. O petista começou elogiando o projeto de Erundina, que considerou meritório e importante para o Brasil encontrar com sua História, mas argumentou que o STF já decidira ser contra a revisão da Lei da Anistia. Tatto afirmou ainda que apareceu o "fato novo" do projeto que cria a Comissão da Verdade.
- Vamos instalar a Comissão da Verdade, que trata de temas daquela época. O Brasil não deixa as coisas debaixo do tapete. Apura - disse Tatto.
Erundina critica limites da Comissão da Verdade
Erundina, que não é integrante da Comissão de Relações Exteriores, mas, por ser autora da proposta, tem direito à palavra, disse que o Congresso Nacional é independente para votar nova interpretação da Lei da Anistia.
- A atual lei não se deu em bases de igualdade. Ainda estávamos em plena ditadura. Uma nova Lei da Anistia é um atendimento a uma sentença da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que julgou o governo brasileiro responsável por desaparecimentos na Guerrilha do Araguaia - disse Erundina.
A parlamentar criticou a aprovação da Comissão da Verdade.
- Esse texto não permitirá apurar tudo. Será uma meia Comissão da Verdade.
Alfredo Sirkis defendeu a Comissão da Verdade e se posicionou contra o julgamento de militares que cometeram violações de direitos humanos naquele período. Sirkis disse ainda que a esquerda também cometeu seus crimes.
- Os principais responsáveis já morreram, e outros, de escalão médio, estão em completo anonimato e ficarão expostos às câmeras de TV - disse Sirkis, numa referência a Jair Bolsonaro (PP-RJ), deputado contrário ao projeto de Erundina e à criação da Comissão da Verdade.
Bolsonaro atacou o texto de Luiza Erundina.
- A esquerda está no poder hoje graças aos militares. Muitos foram terroristas, assassinos. Tem que se respeitar a decisão do STF - disse Bolsonaro, que, ao final da reunião, rasgou o projeto de Erundina.
Ivan Valente (PSOL-SP) foi o único integrante da comissão a votar contra o parecer de Hugo Napoleão e a favor da punição para militares. Ele chegou a discutir com Bolsonaro.
- A tortura é crime inafiançável, e a impunidade, um péssimo exemplo. Não há nada de revanchismo - disse Valente.
O deputado do PSOL pediu verificação de quorum, mas o presidente da comissão, Carlos Leréia (PSDB-GO), afirmou que seu partido não tinha representação suficiente. Outros deputados apoiaram Valente, mas Leréia disse que a sessão já estava encerrada. O PSOL vai recorrer e tentar anular a sessão. Os deputados do PT presentes não se manifestaram. Se houvesse verificação, cada parlamentar teria que anunciar seu voto.
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