Por João Peres, Rede Brasil Atual
São Paulo - O Subcomitê da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Prevenção da Tortura quer que o Brasil dê um passo adiante firmando um novo compromisso no combate ao histórico problema. Em solo brasileiro desde segunda-feira (19), os oito estudiosos do tema já visitaram unidades de privação de liberdade em São Paulo e em Goiás.
“Ter a ilusão de que eles vão erradicar a tortura é ingênuo. O certo é que se trata de um marco no processo histórico de eliminação da violência institucional contra os mais pobres”, afirma José de Jesus Filho, assessor jurídico da Pastoral Carcerária e membro do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.
Em Brasília, o grupo reuniu-se com representantes da Procuradoria Geral da Pública, da Defensoria Pública da União, do Conselho Nacional de Justiça e da Casa Civil, além de ter mantido um encontro com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. À ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, o grupo manifestou o desejo de que o Brasil finalmente implemente o Mecanismo Nacional de Combate à Tortura.
“Estamos trabalhando para que ela (Dilma) assine a criação do mecanismo antes mesmo de vocês deixarem o Brasil”, respondeu a ministra. “Após a criação deste instrumento nacional, vamos iniciar uma força-tarefa para fazer com que sejam instituídos os mecanismos estaduais, a exemplo do que está sendo criado no estado do Rio de Janeiro.”
A visita do subcomitê se encerra no dia 30, quando deve haver nova reunião com representantes do governo federal. Até lá, espera-se que os inspetores passem ainda por presídios, delegacias, instituições de assistência social, unidades de internação para adolescentes e centros de detenção no Distrito Federal, no Espírito Santo, em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. A agenda pode incluir outros estados e os pontos de visitação não são divulgados previamente para não dar a chance de que seja feita uma “maquiagem” a fim de ocultar violações de direitos humanos.
Os locais inspecionados, por sinal, só serão dados a conhecer por decisão do governo brasileiro, já que o relatório final é enviado em sigilo pela ONU ao Palácio do Planalto. “Esperamos que os relatórios e sugestões que serão apresentados pelo subcomitê nos auxiliem na superação desses desafios”, afirmou Aldo Zaiden, coordenador-geral de Saúde Mental e Combate à Tortura da Secretaria de Direitos Humanos.
Apesar das promessas de que se avançará no tema, as organizações da sociedade civil preferem esperar para saber se a manifestação favorável do governo será levada a cabo. Aguarda-se há quase uma década pela implementação do Mecanismo de Combate à Tortura. Trata-se de um pacote de medidas apresentadas após a visita, no primeiro semestre de 2000, do então relator da ONU contra a Tortura, Nigel Rodley. O Relatório Rodley, tornado público em 2001, mostrou um quadro sistemático de violações nos centros de detenção brasileiros.
O governo de Fernando Henrique Cardoso acatou uma série de sugestões, mas não as levou adiante. Durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva não houve a implementação do mecanismo, apesar de avanços em alguns pontos, entre eles a criação do serviço de denúncias do Disque Direitos Humanos.
Há três pontos centrais nos quais se entende que o Brasil poderia avançar. Uma das questões é separar os serviços de laudo sobre tortura das corporações policiais, garantindo que o encarcerado seja submetido a um exame isento que não sirva a ocultar as violações. Além disso, avalia-se que as ouvidorias policiais nos estados não têm independência, o que faz com que não consigam levar adiante os trabalhos de apuração. Outra questão é criar um controle externo efetivo à atuação das polícias.
“Se tivéssemos seguido essas recomendações, estaríamos em uma situação melhor”, avalia José de Jesus Filho. Ele acrescenta que a tolerância da sociedade com a tortura é um entrave para aprofundar o debate e forçar a adoção de medidas efetivas. “Temos um problema muito sério de uma tradição autoritária. Romper essa tradição não depende da presença da ONU aqui. Depende de uma luta histórica de transformação social.”
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