A ação judicial por sequestro contra o major da repressão na Guerrilha do Araguaia, o oficial de reserva Sebastião Rodrigues de Moura, o Curió, é só uma das armas do Ministério Público Federal (MPF) e das famílias dos desaparecidos políticos para tentar responsabilizar e punir os acusados de crimes da ditadura. Caso a Justiça não aceite a tese de sequestro, os procuradores devem ingressar com ações de crime por ocultação de cadáver.
Negado pela Justiça do Pará, o processo contra Curió espera a decisão do Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF1), em Brasília, e pode chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF). Se a Corte Suprema entender que o sequestro, um crime continuado, não ocorreu e que os desaparecidos estão presumidamente mortos, os procuradores devem pedir punição por ocultação de cadáveres, já que os corpos do Araguaia não foram localizados. A pena é de um a três anos de prisão, enquanto a de sequestro é de dois a oito anos, fora os agravantes.
"O crime de sequestro é o que mais se encaixa nesse caso. É um crime permanente. Mas o de ocultação de cadáver é gritante", afirma a procuradora da República Eugênia Fávero, de São Paulo, onde o MPF move mais seis ações civis públicas para esclarecer desaparecimentos e a atuação dos agentes do Dops, do Doi-Codi e da Operação Bandeirantes (OBan).
No Rio Grande do Sul, está em curso uma investigação criminal sobre o desaparecimento de dois ítalo-argentinos nos anos 70. O procurador da República Ivan Claudio Marx, um dos autores do processo contra Curió, investiga se essas mortes ocorreram em Uruguaiana e se há envolvimento do então chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), o coronel Carlos Alberto Ponzi. Esta semana, Ponzi foi um dos alvos do Levante Popular da Juventude, que adotou a prática argentina e chilena do “escracho” para mobilizar a sociedade diante das casas dos antigos torturadores e comandantes da ditadura.
"Com o escracho, a sociedade civil está solicitando que o poder público tome as providências. Que o Estado instaure a Comissão da Verdade, que o MPF investigue e que a Justiça puna os responsáveis. Esta é uma demanda por justiça e verdade que tem muito a ver com o momento em que estamos vivendo. É uma mostra da consolidação democrática no país", disse Ivan Marx.
Ao mesmo tempo em que os processos cíveis e criminais aguardam as decisões da Justiça e que os jovens do Levante fazem barulho às portas dos acusados, a comunidade internacional cobra medidas do Brasil. A Corte Interamericana de Direitos Humanos, que já condenou o país na questão da Guerrilha do Araguaia, exigindo a localização dos corpos dos guerrilheiros, esta semana aceitou a denúncia sobre a morte do jornalista Vladimir Herzog, o Vlado, assassinado nas dependências do DOI-Codi em 25 de outubro de 1975. Há duas semanas, as Nações Unidas também apelaram ao Supremo Tribunal Federal para que aceite o processo contra o major Curió.
"O Brasil caminha para uma situação insustentável no âmbito internacional (de direitos humanos). A negativa da Justiça do Pará no processo de Curió é uma nova violação às determinações da Corte. Vai ser condenação em cima de condenação, caso o Brasil não mude sua postura", afirma o procurador.
Outra forma de ação são os processos cíveis abertos pelos familiares das vítimas. A família das irmãs Amelia Almeida Teles e Crimeia de Almeida obteve da Justiça uma declaração de que o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra as torturou na Oban, em 1971. O advogado Paulo Esteves, que defende Brilhante Ustra e o ex-delegado David dos Santos Araújo, um dos “escrachados” em São Paulo, afirma que seus clientes estão aguardando nova decisão do STF, desta vez sobre a Lei da Anistia, para se posicionar quanto às acusações. O Supremo julgaria na semana passada o alcance da anistia, mas a votação foi adiada.
Não é só com processos e manifestações públicas que as famílias das vítimas tentam esclarecer as circunstâncias dos desaparecimentos políticos. Esta semana, a escritora Liniane Haah Brum lançará o livro “Antes do passado”, sobre a história de seu tio, Cilon Cunha Brum, desaparecido no Araguaia em 1971. Com viagens à região da guerrilha, documentos históricos, depoimentos e documentos familiares, a autora tenta remontar parte da história do ex-militante, a quem a escritora só encontrou quando era apenas um bebê.
Exigir a punição dos culpados é uma função da Justiça e uma preocupação de todas as famílias porque ainda há uma ferida aberta", diz a escritora
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