segunda-feira, 9 de abril de 2012

Por um futebol Verde Anil Amarelo Cor-de-Rosa e Carvão! Fora Mussolini das nossas Arquibancadas!

*Por Rafael Lazari

"É triste. Não é fácil escutar um babaca chamar a gente de macaco. Fico triste por existirem pessoas assim, mas mantenho a minha cabeça erguida. Tenho orgulho da minha cor.”
Dedé, zagueiro do C. R. Vasco da Gama e da Seleção da CBF (um dos melhores do mundo).

A Copa do Mundo de 1934 celebrou o mais bizarro dos jogos de futebol. A partida final da competição pôs em campo os passes do time que defendia a mais terrível das experiências humanas.  A equipe “italiana” contava com o primeiro brasileiro campeão do mundo de futebol, e com muitos outros estrangeiros, incorporados para cumprir a tarefa de ajudar a construir um forte sentimento de orgulho nacional. A seleção da República Social Italiana fora pensada por Benito Mussolini, e era peça estratégica de seu projeto, o time sagrou-se campeão vestido de seu uniforme preto, cor oficial do Fascismo.

Mussolini e Hitler perderam a guerra, e o “Primeiro Marechal do Império Fascista”  teve sua cabeça exposta em uma estação petrolífera de Milão. Mais alguns anos se passaram, o futebol provocou paixão em todos os cantos do mundo, e viu surgir o maior de seus gênios. Negro como os torturados, estuprados e assassinados inimigos de Mussolini, Edson e a bola fizeram Pelé: o maior protagonista da história do futebol.

“A identidade alemã foi confeccionada como obra de arte: formas espetaculares desenharam o espírito da massa nos estádios esportivos, nas marchas militares, em canções patrióticas. O nós coeso deveria anunciar ao mundo a supremacia dessa identidade. A estética nazista indicou quem eram os alemães, o que deveriam ser, mas vetou a transfiguração da alma ariana. O povo vislumbrava o rosto coletivo, reconhecia-se nele, consumia-o, impossibilitado de violar a essência alemã ou conspirar um outro destino. Arte e política fizeram a diferença brilhar, mas impediram-na de recusar a estética da sua irremediável natureza. Alemão só deveria beber cerveja alemã”.
Luis Antônio Baptista, “Combates Urbanos: A Cidade Como Lugar de Criação”.

Mas ainda não retiramos todas as consequências do intolerável. Milhares de pessoas, mais uma vez, ao mesmo tempo e num só coro, oprimem brutalmente o povo negro. É como se, quase que semanalmente, os milhares de torcedores de futebol equatorianos, paraguaios, italianos, russos ou espanhóis, fizessem multiplicar e vestissem nas arquibancadas as camisas pretas usadas pelo time de Mussolini na copa de 1934.

No último 4 de abril sofreu Vagner Love, o atacante do Flamengo ouviu a torcida equatoriana do Emelec  imitar macacos para ofendê-lo. Vagner, criado em Bangu, retornou recentemente ao Brasil depois de passar seis anos jogando na Rússia. Dezesseis dias antes, na capital russa, a torcida do Lokomotiv atirara bananas sobre o zagueiro congolês Christopher Samba. Samba jogava contra o Anzi, time de Roberto Carlos, lateral consagrado no Real Madrid. Samba disse preferir não acreditar que o racismo ainda existe no mundo. Já Roberto Carlos deve ser mais convicto: em junho do ano passado, na mesma Rússia, as bananas foram atiradas sobre ele, e alguns anos antes a Federação Espanhola de Futebol punira o Desportivo La Coruña em míseros 600 Euros, por manifestações racistas contra o jogador. Na mesma época, Roque Jr e Juan, então atuando pelo Bayern de Munique, sofreram racismo da torcida do Real Madrid, agressão que sequer foi relatada pelo árbitro da partida, e ignorada pelo então presidente da UEFA, Lennart Johansson, presente ao estádio.

Edgar, jogador português que atuava no Málaga da Espanha, disse já ter pensado em abandonar uma partida no meio por causa de gritos racistas vindos da arquibancada. Não o fez por respeito ao povo espanhol, que segundo ele não é racista: “Estou cá há sete anos e, apesar de um caso ou outro, posso dizer que Espanha não é um país racista”. Edgar assim afirmou em rede nacional ao comentar o sofrido momento vivido por Samuel Eto’o. O camaronês ouviu “sons de símios” (uh, uh, uh) vindos da arquibancada no momento em que ajeitara a bola para cobrar um escanteio pelo Barcelona, ameaçou então sair de campo e abandonar o jogo. Ronaldinho Gaúcho e Rafa Márquez afirmaram que se Eto’o saísse fariam o mesmo, mas Fernando Torres insistiu para que ficasse e o camaronês o atendeu. A resposta da Comissão Espanhola contra o Racismo foi a de adiar em cinco minutos os jogos da rodada seguinte em “sinal de apoio” ao camaronês. Apoios como estes, na verdade são expressões de cumplicidade.

Exatamente há um mês da mais recente violência racista contra Vagner Love, o já citado Juan, que sofrera atuando pelo Bayern, chegou a levar o dedo indicador a frente da boca pedindo que os torcedores parassem de xingá-lo. O zagueiro do Roma recorreu à arbitragem que nada fez, o sistema de sons do estádio também pediu o cessar da agressão em vão. Depois da derrota, Juan foi abraçado pelos colegas de clube e pelos adversários. Em quatorze de Março, no Paraguai, Dedé e Renato Silva do Vasco foram vítimas da agressão que provocou a citada declaração do zagueiro.

Dedé vestindo a camisa nº 3 do Vasco, que homenageia o Partido dos Panteras Negras, organização marxista americana que organizou a luta negra nos anos 60. Ação isolada do clube é um exemplo a ser seguido.

Nenhuma ou poucas e inexpressivas palavras de indignação da FIFA, da CBF ou de qualquer federação. Sequer os presidentes dos clubes saem em defesa da integridade de seus atletas. Do imbecil jornalista da rede globo apenas se ouviu sobre os insultos ao Vagner: “Logo no Equador... um país com tantos negros!” A burrice de sua fala é apenas uma camuflagem de sua negligência e cumplicidade, todos sabem que havia muitos judeus, psicóticos, negros, portadores de deficiências e ciganos na Alemanha e na Itália dos anos 30. Na “regra clara” da arbitragem não existe nenhuma orientação específica sobre o crime, assim declarado em nossa legislação, de racismo; e como em casos de agressões físicas, nenhuma torcida é proibida de frequentar estádios em represálias às agressões racistas. A recente inclusão do tema no estatuto do torcedor no Brasil é muito insuficiente, e as cotidianas manifestações de violência racista nos estádios não são combatidas de maneira contundente.

Em 2010 Vagner Love é chamado a prestar esclarecimentos em uma delegacia policial. O motivo: O jogador havia ido a um baile funk em uma favela do Rio de Janeiro.

Na verdade, as perspectivas para o Brasil caminham no sentido oposto ao de políticas de inclusão e de combate a intolerância: os já conhecidos saques aos cofres públicos para financiar obras injustificáveis de estádios para a Copa de 2014, posteriormente privatizadas, são em função da elitização do acesso aos jogos: estádios mais higienizados, sem as tradicionais arquibancadas e gerais, e com ingressos cada vez mais caros pretendem excluir os pobres, seus principais frequentadores. É na prática uma política racista, visto que cerca de 70% da população pobre do país é negra. Em vez de punição e campanhas de combate ao racismo nos estádios, FIFA, CBF e Governo Dilma (PT\PMDB) se esforçam em políticas de segregação: até mesmo o deputado Romário (PSB-RJ), da base aliada do governo, denuncia a truculência das remoções de famílias pobres nos locais de obras para a Copa, para as quais o ressarcimento das moradias não tem sido garantido: “Diante desse quadro, nosso país foi objeto de um estudo das Nações Unidas, e a relatora especial daquela Organização chegou a sugerir que as desapropriações sejam interrompidas”.  Soma-se ainda a absurda suspensão do “estado democrático”, e a imposição de um estado de exceção, onde na prática, a FIFA passará a exercer diretamente uma ditadura no país durante o mega-evento. Os trabalhadores ambulantes serão proibidos de trabalhar nas cidades que sediarão os jogos, podendo por isso serem presos. Greves e protestos, como aconteceram às vésperas do evento na África do Sul, e como tem acontecido no Maracanã e Mineirão, também serão considerados crimes.  

Ao invés das políticas de elitização e segregação do acesso aos estádios e à cidade, e da postura tão submissa, governo e CBF deveriam estar cobrando medidas de combate ao racismo que nossos jogadores, como representantes do povo negro no esporte, tem enfrentado na Europa, Ásia e América Latina . Isso deveria ser condição de acordo para a realização do evento em nosso país.


*Estudante de Psicologia e diretor do DCE-UFF

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