segunda-feira, 26 de março de 2012

Argentinos incentivam comissão da verdade no Brasil durante marchas pelo "Dia da Memória"


Transformado em feriado nacional há seis anos, o dia 24 de março não é, para todos argentinos, um dia reservado para viagens ou descanso. Para muitos, é dia de sair às ruas, protestar e rememorar. Nesse dia, há exatos 36 anos, uma junta militar liderada pelo almirante Emílio Eduardo Massera tomava o poder por meio de um golpe de Estado que depôs o governo de Isabel Perón.

A “última ditadura”, como os argentinos se referem ao período que vai de 1976-1983, (o país registrou outros seis golpes de estado no século XX), deu início a uma forte política repressiva por parte do Estado. Em sete anos, deixou um saldo de 30 mil mortos e desaparecidos, além da apropriação ilegal de cerca de 500 filhos de militantes sequestrados.

“É importante para nós sair às ruas a cada 24 de março porque temos que nos recordar dessa data funesta que significou muitas perdas para o nosso povo”, opinou Guillermo Cieza, militante que participou da resistência à ditadura na década de 1970 e que na tarde de sábado se somou às mobilizações.

Cieza destacou a importância das manifestações protagonizadas pelas organizações de direitos humanos e pelos movimentos sociais – iniciadas ainda durante a ditadura – para que hoje a Argentina possa ser, dentre todos países da América Latina, aquele que mais avançou na punição dos repressores.

“Os julgamentos dos militares genocidas com 43 condenados com prisão efetiva e ao redor de 1200 processados foram resultado das lutas e mobilizações populares que se iniciam com os próprios familiares das vítimas em plena ditadura”, conta Cieza, que teve a oportunidade de, em 1977, ver a primeira marcha organizada pelas Mães da Praça de Maio.

Sobre a possibilidade da instalação da Comissão da Verdade no Brasil, Cieza afirma que “com base na nossa experiência, qualquer avanço no conhecimento da verdade foi importante para o caminho da justiça, para condenar os culpados. Não se pode condenar se não se sabe a verdade e se não há pressão popular”.

O Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel, antes de sair para marchar, discursou em uma sessão especial no Congresso, e também mencionou o caso brasileiro: "Devemos apoiar Dilma Rousseff nesta tarefa [da comissão da verdade], pois o Brasil é o único país da América Latina que ainda não investigou os crimes cometidos por sua própria ditadura".

Duas marchas

Como se repete já há alguns anos, a comemoração se divide em duas marchas que ocorrem em horários diferentes. Uma, intitulada Espaço pela Memória, Verdade e Justiça, é convocada por organizações de esquerda independentes e críticas ao governo federal de Cristina Fernández de Kirchner. Já a segunda é realizada por organizações mais alinhadas ao kirchnerismo.

Os principais jornais argentinos não mencionaram em suas edições de domingo a quantidade de manifestantes nas ruas de Buenos Aires. O fato é que ambas as mobilizações foram multitudinárias, e lotaram todos os espaços da Praça de Maio, em frente à Casa Rosada, destino final das duas marchas.

A primeira marcha se concentrou em frente a um dos cartões postais mais conhecidos da capital portenha, o Obelisco, por volta das 13h do sábado. Com o lema “Contra a impunidade e pelos direitos humanos de ontem e hoje”, o ato de abertura criticou a permanência do aparato repressivo do Estado nas forças policiais. “Milhares de repressores caminham pelas ruas, tais como os mil oficiais e três mil suboficiais que prestaram serviços e se encontram em suas funções”, denunciaram durante a leitura de um documento.

Também fizeram duras críticas à Lei Antiterrorista, aprovada no fim do ano passado pelo Congresso Nacional. “Com essa nova lei o Estado confunde perigosamente a militância social com o terrorismo em um país onde o terrorismo foi exercido pelos aparelhos repressivos do Estado”.

Outro ponto abordado foi o fim da criminalização dos militantes sociais. Um dia antes, os grupos presentes em Espaço pela Memória, Verdade e Justiça entregaram um relatório ao governo federal, onde relatam cerca de quatro mil casos de militantes processados ou presos por lutar no período de 2001 a 2012. O documento também inclui cerca de 70 assassinatos de ativistas nesse mesmo período.

Grupos econômicos

A segunda marcha se iniciou às 18h e chegou à Praça de Maio por volta das 21h. Um dos eixos principais a questão da participação civil na ditadura, mais precisamente de grupos econômicos.

De um palco montado em frente à Casa Rosada, representantes das avós e mães da Praça de Maio, e também de HIJOS (“filhos”, e também a sigla, em espanhol, para Filhos pela Identidade e Justiça contra o Esquecimento e o Silêncio) leram outro documento onde nomearam diversas das empresas que colaboraram com o regime militar: os grupos midiáticos do qual fazem parte os jornais Clarín e La Nación, Citibank, Chase Manhattan Bank, Bank Boston, Eran Ford, Mercedes Benz, Alpargatas e Fiat foram algumas das empresas citadas.

“Com os genocidas no poder se implementou um plano econômico, político, social e cultural contra o povo. Apoiando e instigando este golpe de Estado estiveram os  grandes grupos econômicos, e não só pedindo a gritos o terrorismo de Estado, mas também em muitos casos emprestando suas instalações, sua logística e seus veículos para o extermínio, e entregando listas de trabalhadores que militavam”.

O documento exaltou o processo de julgamentos dos repressores, que até hoje já resultou em 275 condenações, “somente 43 com prisão efetiva”, e destacou o longo caminho ainda pela frente. “Falta também avançar no julgamento de civis que foram parte do plano sistemático de extermínio”.

A segunda marcha também pediu a derrogação da Lei Antiterrorista e cobrou a solução de casos de “desaparição em democracia”, como o de Jorge Julio Lopez, militante sequestrado em 2006, durante o julgamento de um dos genocidas do qual era testemunho chave, e também de Luciano Arruga, jovem sequestrado pela polícia em 2009 e até hoje desaparecido.

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