Por Joselia Aguiar

Gelman já conseguiu enterrar Marcelo. Falta sepultar María Claudia, de quem podem ser os ossos encontrados num quartel uruguaio no último dia 14.
O resultado do exame de DNA sai em abril – quem sabe nos dias em que Gelman vai estar em terras brasileiras, aonde chega do México, lugar do seu exílio, para a primeira Bienal do Livro de Brasília, entre os dias 14 e 22.
Faz mais de uma década que Gelman visitou o país de Drummond e dos irmãos Campos, a quem cita como alguns dos preferidos. Na breve conversa que tive com o poeta por telefone na última segunda-feira, ele me disse, com sua voz sempre muito baixa e gentil, que pode, sim, viajar a outras partes do país para participar de eventos literários (atenção colegas que fazem curadoria: não percam a oportunidade).
Se não for de María Claudia, o esqueleto será de mais um dos desaparecidos que sua missão, ao mesmo tempo pessoal e política, ajudou a sepultar. Não houve só angústia na busca. A neta Macarena, um dos cerca de 500 bebês que o regime militar fez sumir com adoções ilegais, Gelman pôde encontrar em 2000, data em que a moça enfim soube de sua verdadeira filiação.
O senhor está às vésperas de encerrar a busca que iniciou há 35 anos. “Cada vez que aparecem ossos, fico ansioso, desejando que seja finalmente. Não sei se vai ocorrer uma confirmação. O que encontraram foi um esqueleto completo, isso é importante para a identificação. Aguardamos agora o resultado do DNA.”
O que representa, pessoal e politicamente, localizar os desaparecidos? Aqui no Brasil também se quer mudar a lei de Anistia para abrir arquivos. “Meu filho foi assassinado com um tiro na nuca pela ditadura e ficou 13 anos desaparecido. Até que seus restos foram encontrados na Argentina. Pude dar-lhe uma sepultura. É reparador. Enterrar os mortos queridos é algo que existe desde tempos muito antigos. Encontrar um desaparecido é honrá-lo, dar-lhe um lugar na memória. A palavra ‘desaparecido’ esconde quatro atos – o sequestro, a tortura, o assassinato e o desaparecimento. Porque sabemos que não estão desaparecidos, sabemos que estão mortos.”
O senhor, que continua a colaborar com regularidade nos jornais, escreveu há pouco tempo que a crise econômica mundial pode ter como consequência o surgimento de novos regimes autoritários. “Sim, tudo isso é possível. Penso que a crise pode durar muito tempo. Mas me preocupa muito nesse momento a situação no Oriente Médio. Esse senhor presidente do Irã nega a Shoah, tem atitudes profundamente autoritárias. Com a situação do Irã, pode-se chegar, oxalá que não, a um conflito atômico, o que seria uma tragédia mundial.”
A poesia como resistência é outro dos temas que costuma abordar nos artigos que escreve. “O enriquecimento do leitor com a poesia se dá ao descobrir caminhos interiores que ignorava ter. A crise não é só econômica, é sobretudo espiritual, de honra e solidariedade. Faz muitos anos que impera um darwinismo brutal, terra fértil para qualquer autoritarismo. Mas a poesia atravessa os séculos, apesar das catástrofes naturais ou produzidas pelo homem. É uma situação mais ou menos inevitável. Para o leitor, evitável, mas para quem escreve, não.”
Ao Brasil, o senhor chega para comparecer a uma bienal. Na abertura da feira de Madri do ano passado, disse uma frase engraçada: ”há tantos títulos, tantas tentações à venda, que eu mesmo não consigo comprar nada e me admiro do leitor que visita uma feira de livros”. “Sim, há tantos livros que não compro nenhum. Mas as feiras vendem muitos; significa que talvez haja leitores que conseguem escolher melhor do que eu.”
Alguns autores, como Mario Vargas Llosa, estão muito preocupados com a possibilidade de, com a internet, termos cada vez menos leitores. “As notas e resenhas na internet provocam curiosidade para os livros. A internet me parece uma boa ajuda para conhecer autores, principalmente os que ainda não foram traduzidos. Não estou certo de que o livro impresso vá desaparecer.”
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De Juan Gelman, vi que as livrarias brasileiras têm poucos títulos: ”Amor que serena, termina?”, cuja nova edição a Record anuncia para o evento em Brasília; “Isso”, que saiu pela editora da UNB; e “Composições”, o mais recente, pela Crisálida. É hora de colocar nas prateleiras obras como “Gotan”, de poesia, e “Miradas”, que reúne alguns dos seus artigos mais recentes.
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