Raphael Prado
De Nova Iorque, especial para Terra Magazine
Números divulgados nesta terça-feira (27) pela Anistia Internacional mostram que 20 países em todo o planeta executaram 676 pessoas em 2011. O dado, embora ainda distante do sonhado "mundo livre da pena de morte" pregado pela organização, mostra uma melhora na comparação com anos anteriores. Em 2002, eram 31 países os que praticavam a pena capital a prisioneiros. Segundo a Anistia, também restam 18.750 pessoas na fila da pena de morte.
No Brasil, ao contrário dos países que a Anistia Internacional acompanha, a pena capital não existe legalmente. Mas agentes do Estado são responsáveis por altas taxas de letalidade supostamente em confrontos com criminosos, os chamados "auto de resistência".
Em 2011, no Rio de Janeiro, 524 pessoas foram mortas pela Polícia Militar em todo o estado, segundo dados do Instituto de Segurança Pública, do governo fluminense. Em São Paulo, no mesmo período, foram 437 mortes, segundo a Secretaria de Segurança Pública paulista. Somadas, as estatísticas revelam que, nos dois estados mais populosos do país, 961 mortes foram cometidas por agentes do Estado em 2011 - um número 42,16% maior do que as vítimas da pena de morte em todos os países pesquisados pela Anistia Internacional. A organização não tem acesso aos números da China, que se nega a passar os dados e, segundo a instituição, podem dobrar a quantidade de execuções e, portanto, possivelmente atingir o número de mortes pelas PMs do Rio e São Paulo, apenas dois estados brasileiros.
Tropa violenta
No primeiro semestre de 2011, uma em cada cinco pessoas assassinadas na capital paulista foi morta pela PM. Dos 629 homicídios cometidos na capital, 128 registros foram feitos como "pessoas mortas em confrontos com a Polícia Militar em serviço". Esse tipo de ocorrência é um indicativo de revides da PM a ataques de criminosos ou enfrentamento em ação policial.
Em todo o Estado de São Paulo, em 2011, a Secretaria de Segurança Pública registrou 4.396 vítimas de homicídios dolosos. A PM matou outras 437 pessoas - o que dá uma proporção de um morto pela PM para cada 11,05 vítimas de assassinato no Estado. Esse índice faz da PM de São Paulo uma das tropas mais violentas do mundo.
Dados de 2009 do Departamento de Justiça dos Estados Unidos - os últimos disponíveis - indicam que a polícia americana foi responsável por 406 das 14.042 mortes registradas naquele ano no país, o que dá uma taxa de letalidade da polícia de um assassinato para cada 34,58 ocorridos no país.
"Em São Paulo, é uma pena de morte feita à luz do dia", critica o deputado estadual Adriano Diogo (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa paulista. "Esta prática está completamente institucionalizada. Ela faz parte de uma rotina. Essa resistência seguida de morte nem é averiguada, é tida como cotidiano", afirma Diogo.
Em nota, a Polícia Militar de São Paulo respondeu que "não podemos comparar execuções legais com confrontos policiais. Esclarecemos que na última década os números de homicídios em SP decresceram em mais de 80%."
'Criminalização da pobreza'
No Rio de Janeiro, a Secretaria de Segurança Pública registrou 4.280 homicídios dolosos em 2011. Os 534 autos de resistência revelam uma taxa de letalidade da PM fluminense de uma morte para cada 9,17 vítimas de assassinato no Estado.
Na Argentina, em 2007 - também os últimos dados disponíveis -, de acordo com o Centro de Estudos Legais e Sociais, a região metropolitana de Buenos Aires (que tinha, à época, 12 milhões de habitantes) registrou 79 casos de pessoas mortas em confronto com a polícia. Neste mesmo 2007, só na capital paulista - excluídas as cidades da Grande São Paulo -, a PM registrou 203 mortes "em confronto". Moram na cidade de São Paulo 11 milhões de habitantes.
"É um número inaceitável, mesmo que alguns casos tenham sido em confronto", defende o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio. "O perfil dessas vítimas, de qualquer cidade brasileira, não só do Rio ou de São Paulo, é o mesmo: são jovens, pobres, negros, baixíssima escolaridade, moradores de favela e periferia", afirma.
Para o deputado, a política de segurança pública no Brasil está voltada para um processo de "criminalização da pobreza". "Quando fizemos a transição da ditadura para a democracia, a política de segurança pública continuou calcada na eliminação do inimigo", afirma. "O inimigo da ditadura era o comunista, o universitário, o jornalista que era preso, torturado e morto. Hoje a lógica continua sendo do enfrentamento do inimigo. Só que hoje o inimigo é o pobre, é quem sobrou da sociedade de mercado. Continuamos tendo uma política de segurança calcada na ideia da guerra", explica o deputado.
A Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro informa que o número de ocorrências registradas como "auto de resistência" tem caído nos últimos anos - de 1.048 casos em 2009, para 855 casos em 2010 e 524 em 2011. Segundo a SSP, a redução se deve ao Programa de Metas e Acompanhamento de Resultados estabelecido pela pasta. "Vale ressaltar que o avanço do Programa de Metas a cada semestre aumenta o desafio das polícias", diz, em nota, a secretaria estadual.
Acrescenta ainda a Secretaria: "O governo do Estado, reconhecendo a relevância do Programa de Metas para a melhoria da segurança pública, decidiu que os policiais lotados há mais de 6 meses nas áreas que bateram as metas deveriam receber gratificações pagas pelo cumprimento dos resultados. Desta forma, todos os policiais de uma área que bateram a meta e ainda tiveram a maior redução entre todas ganham R$ 3 mil ao fim do semestre. O segundo colocado, nos mesmos critérios, tem direito a R$ 2 mil. O terceiro colocado, a R$ 1.500. E todos os policiais, cujos batalhões e delegacias apenas alcançaram suas metas, têm direito a uma gratificação de R$ 1 mil".
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