terça-feira, 20 de março de 2012

MPF vai recorrer da decisão de juiz que rejeitou ação contra Curió



O Ministério Público Federal (MPF) anunciou que vai recorrer da decisão do juiz João César Otoni de Matos, de Marabá, para que o coronel da reserva Sebastião Rodrigues, o major Curió, seja processado por crimes de sequestro de militantes da Guerrilha do Araguaia. O juiz rejeitou no dia 16 a denúncia. “Os procuradores da República que atuam no caso – do Pará, Rio Grande do Sul e São Paulo – já estão trabalhando no recurso que será dirigido ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região”, diz o MPF. 

Em sua argumentação, o juiz aproxima-se da linha adotada em 2010 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar a validade da Lei 6.683, de 1979. "Pretender, depois de mais de três décadas, esquivar-se da Lei da Anistia para reabrir a discussão sobre crimes praticados no período da ditadura militar é equívoco que, além de desprovido de suporte legal, desconsidera as circunstâncias históricas que, num grande esforço de reconciliação nacional, levaram à sua edição”, afirmou Matos.

O juiz afirma que o MPF não faz referência "a documento ou elemento concreto" que pudesse dar suporte à "genérica alegação" de que os desaparecidos teriam sido sequestrados, e assim permaneceriam até hoje. Para ele, o fato de os corpos não terem sido localizados não basta para configurar o crime de sequestro. Matos diz ainda que "a lógica desafia a argumentação exposta na denúncia", ao supor, segundo ele, que passados mais de 30 anos, os desaparecidos permanecem em cativeiro. Mesmo admitindo, por hipótese, indícios de sequestro, o Estado não poderia mais punir o militar porque, "diante do contexto em que se deram os fatos e da extrema probabilidade de morte dos desaparecidos, haveria mesmo de se presumir a ocorrência desse evento morte". Ainda segundo o magistrado, os desaparecidos mencionados na denúncia já foram oficialmente reconhecidos como mortos.

Por fim, ele ainda contestou a eficácia da sentença da Corte Intermamericana de Direitos Humanos (CIDH), ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA), que em dezembro de 2010 condenou o Brasil em caso relativo à Guerrilha do Araguaia, por não esclarecer os fatos, não prestar reparação a parentes das vítimas nem punir os responsáveis pela repressão. Para o juiz, a Lei da Anistia "operou, para situações concretas e específicas, efeitos imediatos e voltados para o passado". Assim, argumenta, um julgamento posterior, fundado em convenção internacional, não poderia "pretender retroagir mais de 30 anos".

“Não estamos questionando a decisão do STF de manter a validade da Lei de Anistia", reforçou o procurador Felício Pontes Jr. "Ao negar que o processo criminal continue, a Justiça sim contraria não só a Corte Interamericana, como o próprio STF, que permitiu extraditar militares para serem julgados pelos mesmos crimes imputados ao coronel Curió no Brasil.”

“Estamos efetivamente dispostos a cumprir a determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos que deixou clara a obrigação brasileira de trazer a verdade sobre os fatos que ocorreram naquele momento, de dar uma satisfação às famílias que até hoje não sabem o que ocorreu com seus parentes e também a cumprir o precedente do Supremo Tribunal Federal sobre vítimas de desaparecimento forçado”, afirma o procurador Ubiratan Cazetta.

Ele se referiu à decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre crimes cometidos pela ditadura no Araguaia e também à decisões do STF em pedidos de extradição feitos pelo governo da Argentina. “Não existe convicção de que as pessoas estão mortas, portanto, é fundamental que a Justiça analise os casos, permita a produção de provas, traga à luz a história dessas vítimas. Não se pode simplesmente presumir sua morte sem mais indagações e dispensando-se a instrução processual”, contesta o procurador Tiago Rabelo, de Marabá.

O MPF argumenta ainda que a denúncia contra Curió não questiona a Lei da Anistia – observa precedentes do Supremo em casos análogos, além de obedecer à decisão da Corte Interamericana, sob o argumento de que o Pacto Interamericano de Direitos Humanos foi assinado pelo Brasil e tem força de lei. “Se o Brasil não quer cumprir o pacto, o que seria uma decisão política absolutamente desastrosa na minha opinião, a adesão do Brasil tem de ser desfeita, isso tem de ser feito oficialmente. O país voluntariamente aderiu ao pacto e a partir disso precisa cumpri-lo, não pode se recusar toda vez que uma decisão lhe desagradar”, argumenta Cazetta.

Rabelo acrescenta que “o MPF considera insuficientes os fundamentos da decisão do juiz Otoni Matos, porque afirma que a Lei de Anistia é válida e alcança fatos passados, mas não considera que ela própria, expressamente, se refere a fatos ocorridos até 15 de agosto de 1979, não se aplicando, portanto, a condutas que se prolongam no tempo, como no caso do crime de seqüestro referido na denúncia, de caráter permanente, já que não se sabe o paradeiro das vítimas”.

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