Da Rede Brasil Atual
Infinidade de universidades privadas, licenciatura em menor tempo, grade de disciplinas engessada e o fechamento do ensino superior às classes baixas são termos que soam naturais aos ouvidos habituados ao modelo educacional brasileiro. Este modelo, porém, aos poucos transformado, teve origem na política adotada pela ditadura iniciada com o golpe de 1º de abril de 1964.
Como o apoio ideológico da ditadura era dado por setores da classe média, foi em nome dela que o governo militar trabalhou, principalmente, na perspectiva de políticas de educação. Para a filósofa Marilena Chauí, professora aposentada da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, os estratos médios não tinham poder político nem econômico. "Para o governo militar, a classe média só tinha poder ideológico. Então, a sustentação que ela deu fez com que o governo considerasse que precisava mantê-la como apoiadora, e a recompensa foi garantir o diploma universitário para a classe média", argumenta.
Com a adoção do modelo norte-americano por meio da parceira entre o Ministério da Educação do governo Castelo Branco (1964-1967) e a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID, na sigla em inglês), e a aplicação de uma política educacional mais voltada à economia, o ensino no Brasil deixava de ter a finalidade social e passava a ser, exlcusivamente, direcionado à formação profissional de estudantes. Neste período, a transferência do peso do ensino público para o privado começava a se concretizar.
Segundo a professora do departamento de sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Maria José de Rezende, é neste momento da história que os procedimentos adotados caminhavam contra aquilo que havia sido amplamente discutido desde os anos 1930: a criação de uma educação pertinente à necessidade brasileira, com participação direta da sociedade. "A herança mais forte daquele período é a dificudade de se estabelecer o processo de educação como um todo, com caráter inclusivo e de igualdade de oportunidade", defende a professora.
Educação pública x educação privada
Para Marilena Chauí, o desinteresse em investir no ensino superior público, sem verba ou incentivo a laboratórios e bibliotecas, teve como principal motivo a mudança para uma política capitalista que visava, prioritariamente, à formação rápida de mão-de-obra "dócil" para o mercado de trabalho. "Além disso, eles criaram a disciplina de educação moral e cívica, para todos os graus do ensino. Na universidade, havia professores que eram escalados para dar essa matéria, em todos os cursos, nas ciências duras, biológicas e humanas. A universidade que nós conhecemos hoje ainda é a universidade que a ditadura produziu", relembra Chauí.
Entretando, segundo o professor do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), João Roberto Martins, à época da chegada dos militares ao poder, o número de estudantes matriculados crescia consideravelmente, resultando no que foi chamado de "problemas dos excedente", que representava um número maior de pessoas aprovadas nos vestibulares do que as vagas oferecidas. Diante disso, a pressão popular exercida fez com que o governo incentivasse o crescimento de vagas recorrendo às universidades privadas.
Martins sublinha que, apesar da aparente ambiguidade em investir no setor particular, o governo militar, à mesma medida, não reduziu os aportes no ensino superior público. "De certa maneira, o regime autoritário achava que precisava das universidades para realizar o que na época passou a se chamar de Projeto Brasil Potência. Então na verdade não faltaram verbas para os institutos e programas de pesquisa. E, apesar de um regime ditatorial, houve sim apoio a pesquisas e uma grande expansão do sistema brasileiro de pós graduação", pontuou.
A tentativa de calar quem dava voz à sociedade
Militar em sala de aula, muitas vezes fazendo o papel do professor, não foi uma cena incomum naquele período. A repressão contra qualquer tipo de pensamento diferente daquele que estava sendo difundido e politizado representava motivo, sem contestação, para censurar no lecionamento de disciplina e para prisões arbitrárias de professores e líderes estudantis.
Marilena Chauí, que presenciou o arriscado convívio entre militares, estudantes e docentes, conta como foi a resistência e o dia dia das universidades naquele período: "Foi uma coisa dramática, lutamos o que pudemos, fizemos a resistência máxima que era possível fazer com o risco que você corria, porque nós éramos vigiados o tempo inteiro. Os jovens hoje não têm ideia do que era o terror que se abatia sobre nós. Você saía de casa para dar aula e não sabia se ia voltar, não sabia se ia ser preso, se ia ser morto, não sabia o que ia acontecer, nem você, nem os alunos, nem os outros colegas".
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