Em 2004, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil questionou no Supremo Tribunal Federal (STF) a constitucionalidade da Portaria 540/2004 do Ministério do Trabalho e do Emprego (MTE).
Essa portaria criou um cadastro dos empregadores condenados administrativamente por manterem trabalhadores em condições análogas à escravidão. Aqueles registrados na chamada “Lista Suja” são monitorados por dois anos e devem regularizar as condições de trabalho. Após esse período e não havendo reincidência, são excluídos do cadastro.
A medida insere-se em uma estratégia mais ampla para combater o trabalho escravo no Brasil. Ainda que a portaria não preveja punições, a inscrição na “Lista Suja” acaba resultando em prejuízos financeiros, pois o cadastro fornece informações a diferentes instâncias públicas de financiamento, que não concedem crédito aos condenados pelo uso de mão de obra escrava.
O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3347, de relatoria do ministro Ayres Britto, estava marcado para o dia 15 de março, porém foi retirado de pauta na última hora. Organizações da sociedade civil e associações de magistrados e procuradores já se manifestaram no processo defendendo argumentos para a improcedência da ação. A Conectas foi admitida como amicus curiae no caso e esteve em Brasília, pronta para defender, em sustentação oral, a constitucionalidade da Lista. Os argumentos da Conectas podem ser lidos aqui (http://www.conectas.org/institucional/conectas-defende-lista-suja-para-combate-do-trabalho-escravo).
É importante que o Supremo considere, em sua decisão, que o trabalho escravo é um grave problema nacional. A escravidão brasileira está profundamente relacionada com a pobreza. Segundo publicações da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a maior parte dos trabalhadores escravizados é de baixíssima renda, negra e proveniente dos estados nordestinos onde as oportunidades de trabalho são largamente insuficientes para a população. Por vezes, esses trabalhadores são iludidos pela oferta de uma vida melhor e levados a uma localidade distante, sem direito a água e alimentação, sofrem violência e ficam presos pelo endividamento com o patrão.
Está nas mãos do STF decidir sobre a continuidade ou o fim de uma política que tem sido eficiente para combater o trabalho escravo. Dados recentes mostram que milhares de trabalhadores vêm sendo resgatados a cada ano. Além do mais, em conformidade com o artigo 37 da Constituição Nacional, que estabelece o princípio da publicidade, seria ainda inadmissível que o resultado dos procedimentos administrativos do Ministério do Trabalho e Emprego não fossem do conhecimento público.
Decidir pela inconstitucionalidade da Lista Suja seria um retrocesso na garantia dos direitos humanos e na construção de uma sociedade livre, justa e solidária, como determina a Constituição.
*Oscar Vilhena Vieira, membro do Conselho Deliberativo da Conectas Direitos Humanos e professor da Escola de Direito da FGV-SP, e Flavia Annenberg, advogada da Conectas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário