domingo, 27 de novembro de 2011

Mobilização funciona e preserva vida de cacique guarani

Da Rets


Nota: a Rets assume a responsabilidade pela fidelidade da fonte e por manter a mensagem anônima. O relato trata da situação de violência em que se encontram os Guarani Kaiowás no Mato Grosso do Sul. Entre outros pedidos, a mensagem quer providências do governo federal quanto à atuação de pistoleiros na região e a localização do corpo do Cacique Nisio Gomes, desaparecido desde 17 de novembro, levado por pistoleiros que invadiram o acampamento. No dia 22 de novembro, uma forte mobilização popular salvou a vida de outro cacique.



Quero fazer um agradecimento em nome do povo Guarani Kaiowá à tod@s que ontem se mobiliaram para garantir que o Cacique Ládio Veron não morresse.

Para que todos tenham o mesmo nível de informação, vou contar o que ocorreu.

Por volta de 20:00, consegui falar com o Senador Paulo Paim e colocar a gravidade da situação, falando da mobilização que estava ocorrendo e que se algo acontecesse ao Cacique Ládio, o governo federal sujaria as mãos de sangue. O Paim, assumiu de ligar para o Ministro da Justiça, que segundo informações de Valdelice Veron, irmã de Ládio, mandou 4 Viaturas da Policia Federal para a Aldeia Taquara, e foram falar com os pistoleiros, que falaram que estavam se juntando para fazer um "churrasquinho"! Ládio, havia se escondido no Mato, não foi receber a Policia, mas garantiram que Ládio estava bem, que hoje ele sairá de lá e irá para um lugar seguro.

Bem, as diversas ações manifestações , contatos, todos foram muito importante, entramos em contato com a ONU, que ligou hoje para Valdelice, recebeu o telefonema da representante agora pela manhã, que recebeu as nossas informações e a ONU passará a monitorar a situação, cobrando do governo brasileiro providências.

A Valdelice, pediu para não nos desmobilizarmos, porque o quadro é tenso, comprovado por mim, quando falei com um militante do MS, falou que se nos desmobilzarmos a coisa ficará feia, já que ninguém dentro do MS está podendo falar porque suas vidas correm perigo, todos estão trocando numero de celular e procurando espaços "seguros" para ficar.

A situação que mais preocupa nesse momento, que é muito grave.

1°) Achar as crianças, dois adolescente e a mulher do Cacique Nisio Gomes do acampamento Guaviry, que foi morto na quinta. a mulher do cacique foi levada viva , ainda, os adolescentes, sumiram e as crianças raptadas;

2°) Garantir a vida dos caciques e lideranças ameaçadas de morte;

3°) Intervenção urgente da Força Nacional, por tempo indeterminado, até resolver toda a situação;

4°) Fazer toda a investigação e responsabilizar os responsáveis;

5°) Encontrar o corpo do cacique Nisio Gomes, que tem um papel muito importante para o povo Guarani Kaiowá.

São essas as informações que tenho e os pedidos do povo Guarani Kaiowá nesse momento.

Acrescento, que temos que montar uma rede de amigos do povo Guarani Kaiowá, para que possamos pensar, como garantir o seu direito de existir.

É isso companheiras e companheiros!

terça-feira, 22 de novembro de 2011

O engodo da verdade

Por Matheus Rodrigues Gonçalves, no Diário Liberdade

Foi sancionada a Comissão da Verdade. Até aí, nada digno de comemoração. A Comissão foi pensada para não funcionar, considerando as diversas limitações impostas pelos setores mais conservadores da sociedade. Estamos, pois, diante de um engodo denominado Comissão Nacional da Verdade.

Alguns podem considerar a palavra “engodo” um exagero de minha parte. Vejamos o motivo pelo qual tal adjetivo foi utilizado. Em primeiro lugar, estamos diante de uma Comissão da Verdade que contará com pouquíssimos membros (total de sete, todos indicados pelo Poder Executivo), não terá independência orçamentária e examinará um extenso período de tempo (de 1946 a 1984, ou seja, quarenta e dois anos), o que retira toda possibilidade prática de efetivos avanços. Mas talvez o ponto que mais retraia as chances de progresso da Comissão seja a impossibilidade de responsabilização dos agentes da ditadura responsáveis por crimes contra a humanidade (e, portanto, vale sempre lembrar, imprescritíveis). Para a superação deste empecilho, faz-se necessária a imediata modificação da Lei de Anistia de 1979, para que os torturadores sejam passíveis de responsabilização (como, aliás, determina a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos que condenou o Brasil em fins de 2010, e como recentemente foi solicitado pela Organização das Nações Unidas).

Outro ponto importante é a discussão acerca da composição da Comissão Nacional da Verdade. O Comitê Paulista pela Memória, Verdade e Justiça encaminhou à Presidência da República uma lista com sugestões de nomes para compor a Comissão. A maioria das sugestões de fato detém notório saber em assuntos relativos à temática dos direitos humanos, e estariam plenamente capacitadas a integrarem os quadros disponíveis. Entretanto, não podemos deixar de pensar que a escolha de tais nomes serviria tão-somente como uma tentativa de legitimar uma Comissão que é, desde suas origens, ilegitimável. A presença de nomes que de fato lutam pelo direito à memória, à verdade e à justiça não conseguiria salvar uma Comissão que, como dito, foi planejada para não funcionar.

Donde se pergunta: acabaram-se as esperanças? Ainda que cada vez mais minguadas, as esperanças persistem. Atualmente, a única maneira (em conjunto, por certo, da revisão da Lei de Anistia) de garantir que a Comissão da Verdade seja eficaz, é que seja elaborado um projeto de lei que verse acerca da modificação da Comissão. Mudanças estruturais só farão bem aos anseios da população por Verdade, Memória e Justiça. 

É bem verdade que a tropa de choque reacionária no Congresso Nacional tem muita força, especialmente se considerarmos que ela age com o beneplácito do governo, que se recusa a abraçar esta causa que é tão cara aos direitos humanos. Entretanto, é dever da sociedade civil organizada e dos movimentos sociais refutarem a noção errônea de que “a Comissão da Verdade por si só é um avanço”, e se mobilizarem para pressionar por uma grupo de trabalho que permita o esclarecimento de fatos tão tenebrosos de nosso passado recente, bem como a responsabilização de seus perpetradores; que permita ao Brasil finalmente entrar no grupo de países latinoamericanos que exemplarmente lidaram com sua história e com seus traumas; para que o Brasil avance, por fim, rumo à democracia.

'Não é marketing, é sobrevivência' - Entrevista com Marcelo Freixo

DÉBORA BERGAMASCO - O Estado de S.Paulo

Depois de oito ameaças de morte em um único mês e de exílio relâmpago de 15 dias em Madri, Marcelo Freixo, deputado estadual do Rio, conversará hoje com José Mariano Beltrame. Olhos nos olhos, acusará o secretário de Segurança Pública do Rio, hoje no auge de sua popularidade, de ter errado. "Errou e foi desrespeitoso com minha família ao não me chamar para conversar sobre as ameaças que ele sabe serem sérias." Sua queixa é a de que as informações sobre planos da milícia para matá-lo, recebidas via disque-denúncia e Serviço de Inteligência da PM, não foram investigadas.

Para quem não se lembra, Freixo foi fonte de inspiração para a criação do personagem Diogo Fraga, do filme Tropa de Elite 2. De volta ao Brasil desde terça-feira passada, ele conversou com a coluna por telefone. E chamou de "cruel, perverso e covarde" quem classifica sua viagem de reestruturação emocional, por assim dizer, a convite da Anistia Internacional, de jogada de marketing rumo às eleições municipais. O pré-candidato do PSOL à prefeitura do Rio justificou: "Sair deu mais visibilidade? Claro que sim. Mas para as ameaças de morte que sofri". Na Espanha, se sentiu bem ao lado da família andando a pé sem uma escolta, podendo sentar-se em mesas nas calçadas de restaurantes tendo como única nuvem negra, o vento frio do outono europeu.

Como é viver ameaçado de morte?

Quebra completamente a naturalidade da vida. Acaba o improviso e a espontaneidade. Por mais que eu e minha família estejamos sob escolta desde 2008, não nos acostumamos. Nem devemos.

O assassinato da juíza Patrícia Acioli, em agosto, agravou seu medo?

Sim, porque rompeu barreira mudando o quadro. O crime nunca tinha matado pessoas do poder público no Rio por causa do trabalho desempenhado. Ainda mais assim, na porta de casa, com armas e munições do Estado. Ou seja, não foi descuido. E, sim, um recado típico da máfia. Confesso que existia no meu inconsciente, por mais que não tenha me descuidado, a suposição de que eles não seriam capazes de matar. Por causa das consequências. Depois da morte da magistrada, o número de ameaças contra mim aumentou. De outubro até agora foram oito.

O que os levou a romper a barreira?

Eles tomaram um golpe muito grande em 2008, com a abertura da CPI das Milícias e dezenas de prisões. Recuaram. Mas depois não houve o acompanhamento devido das autoridades como a tomada do poder econômico e territorial. Acredito que até esperavam por isso. Em 2008, somavam 170, as áreas de milícia. Agora, são 300. Mesmo presos, eles se sentem fortalecidos.

Como são feitas as ameaças contra o senhor?

Nunca diretas. São informações do disque-denúncia e do Serviço de Inteligência da PM. Tudo em detalhes, com nomes de policiais, onde trabalham, quando e onde os milicianos se reúnem. Ou seja, denúncias que deveriam ser investigadas.

E por que não são?

Nunca tive resposta da Secretaria de Segurança Pública. É como se o problema fosse particular e não fruto do meu trabalho público. A minha queixa é: como a Secretaria me entrega as denúncias mas não me dá satisfações sobre o encaminhamento de investigações? Chegaram a me dizer que eram sigilosas.

Algum palpite para a falta de apuração?

Não quero atribuir isso à questão política. Nem acho que seja. Talvez trate-se de incompetência mesmo. Ou, no fundo, acham que nada vai acontecer comigo, que há outras prioridades. Assim como não investigaram o caso da Patrícia. Ela havia recebido diversos disque-denúncia, que encaminhava ao TJ-RJ. E olha onde ela está.

Já pediu explicação ao secretário de Segurança Pública do Rio?

Tenho uma relação honesta e de respeito com o José Mariano Beltrame. Mas a Secretaria só responde o que eu não questionei. Não adianta eu dizer: "Tem ameaças que não foram investigadas" e eles me responderem "nós garantimos a segurança do deputado". Pô, isso me irrita muito porque é a minha vida.

O Beltrame o procurou?

Não por isso. Sexta (18) haveria uma audiência pública com o secretário na Assembleia Legislativa agendada há muito tempo. Voltei ao Brasil terça (15) e, sem nem saber que eu estava aqui, ele me ligou. Pediu encarecidamente para que a reunião fosse remarcada por causa da retomada da Rocinha - e entendo que isso realmente mude o cenário das agendas. Eu disse que consultaria os colegas e emendei: "Mariano, acho que precisamos conversar, né?". Ele respondeu: "Claro, Freixo, vamos nos falar. Quando você me ligar de volta com a decisão dos deputados, a gente discute sobre sua situação". Retornei, informei do adiamento da audiência e ele remarcou: "Estou te esperando segunda de manhã (hoje) no meu gabinete para conversarmos." Seremos só nós dois em uma conversa franca.

O que pretende falar a ele?

Tudo isso que estou falando para você. Acho que ele errou muito comigo, com minha vida. Foi desrespeitoso com minha família quando não me chamou para conversar sobre ameaças que ele sabe que são sérias. Quero dizer isso fraternalmente. Ele tem que me dar informações sobre as investigações. Quero coisas concretas: prazos para apurações e para prender quem está me ameaçando.

Como foi o período no exterior?

Ótimo. Fiquei com minha família em Madri, cuidamos um do outro. Foi bom lembrar como é ficar sem escolta. Só quem vive isso pode ter a dimensão do que significa andar na rua, pegar metrô. Ir a um restaurante, sentar do lado de fora e a única coisa a incomodar é o frio. A gente ria disso. Foi sensacional, nos fortaleceu.

O que pensa de quem classifica sua viagem como ação de marketing eleitoral?

Foi muito duro pois eu jamais utilizaria algo que mexe com a vida da minha família para fazer marketing. É absolutamente cruel, perverso, covarde.

O que causou estranhamento é que foi um exílio de 15 dias...

Eu nunca aceitei a ideia de "exílio". Nunca disse isso. Saí para ficar um tempo, reequilibrar o emocional e reforçar minha segurança. Sai para dar mais visibilidade? Claro que foi. Mas para a ameaça de morte, e não à minha pessoa. Não é marketing, é sobrevivência. E o debate sobre as milícias só voltou porque aceitei o convite da Anistia Internacional. E é essa exposição que me fará sentar (hoje) com o Mariano para discutir as investigações.

Voltou com projetos?

Sim. Fiz um dia de reunião com eles e faremos uma campanha internacional, começando pela Espanha. Em 2009 já fizemos uma pelo cumprimento do relatório da CPI das Milícias. Circulei por alguns países da Europa explicando como os milicianos agiam. E a Anistia ia distribuindo cartões postais, cartas do mundo inteiro para prefeito, governador, presidente. Dessa vez, eles estão ansiosos para a chegada do filme Tropa de Elite 2.

Como reforçou a segurança?

Trocaram o meu carro blindado por um mais resistente - e, aliás, só tenho um blindado, viu, porque espalharam que eu tinha seis. E aumentou o número de pessoas na escolta. Ah, também falaram que eu tinha 40 policiais me protegendo. Não posso dizer quantos, mas é uma escolta normal. Tenha certeza de que é três vezes menos do que tem o presidente do TRE (Luiz Zveiter).

O senhor é mesmo pré-candidato à prefeitura do Rio?

Sim, meu nome está lá por uma decisão partidária. É legítimo né? Fui o segundo deputado mais votado no Estado. O prefeito tem 18 partidos apoiando. Sobra pouca coisa do lado de cá. Nós não temos dinheiro, estrutura, nem o apoio da Fifa, mas contribuiremos para o debate. No Rio tudo é negociado, virou um grande balcão de negócios. Os serviços públicos são ruins, mas tudo tem ritmo de festa.

O que achou da retomada da Rocinha?

O projeto das UPPs tem méritos indiscutíveis. Mas a verdadeira motivação das Unidades tem que ser dita. O critério não é o da segurança pública e sim um projeto de cidade olímpica. Mas a Secretaria e o governo do Estado não admitem que criaram um "corredor de segurança" na zona hoteleira e de especulações imobiliárias. Veja porque uns lugares são escolhidos para serem mais seguros que outros. Como a Zona Sul. E outra, as UPPs deveriam vir acompanhadas de investimentos sociais, como saneamento, educação e saúde. Em unidades pacificadas há três anos, esses investimentos ainda não aconteceram. A paz não se faz só com polícia. E queremos a polícia nas comunidades. Mas qual? Eu quero uma que passe por reforma: de salário, treinamento e que seja controlada.

Finalizam a CPI das Armas ainda este ano?

Sim, em dezembro. O grande objetivo não é o indiciamento de muita gente, mas uma CPI com propostas concretas para a melhoria da qualidade da fiscalização sobre o comércio de armas.

Pode adiantar alguma conclusão?

Bem, vamos mostrar o quanto não existe articulação entre o Exército e as polícias Federal e Civil no controle do comércio ilegal de armas. Eles dialogam muito pouco e o tráfico desses equipamentos se alimenta dessa fragilidade do Estado. Porque, ao contrário do da droga, que já nasce ilegal, o da armas nasce na fábrica, na indústria e se perde no caminho.

Contribuições do Núcleo Frei Tito ao III Encontro do PSOL Niterói

Contribuição na área dos Direitos Humanos:

"O direito de sonhar com outro mundo é o mais importante direito humano, para que a Terra seja a casa de todos e não um campo de concentração. E para que possamos ver o próximo não como uma ameaça, mas como uma promessa" - Eduardo Galeano


No espaço do Núcleo Frei Tito, priorizamos, sobretudo, o debate sobre as diversas formas de violência, especialmente aquelas cometidas sob o patrocínio do Estado, e as possíveis formas de organização coletiva para a resistência e o seu enfrentamento. Entendemos violência como todo tipo de dano ou intimidação moral que possa ferir a autonomia, a integridade física e/ou psicológica e mesmo a vida do outro. No atual sistema capitalista, consideramos que o Estado e as leis em vigor funcionam, prioritariamente, a serviço dos interesses das classes dominantes, tornando-se, com esse fim, instrumentos de violência contra as classes trabalhadoras, ou seja, contra a maioria da população.
Promovemos, portanto, o debate sobre direitos humanos com a compreensão de que não será possível mudar radicalmente a realidade, para a garantia igualitária desses direitos, sem o enfrentamento ao capitalismo.

(...)

Para ler a íntegra do documento de contribuição, CLIQUE AQUI


Documento de contrbuição ao debate de concepção partidária:

O PSOL, ao longo destes poucos anos de existência, conseguiu inegáveis acúmulos que podem ser decisivos na atual etapa de sua construção como ferramenta de luta real para a classe trabalhadora. No balanço dos acúmulos e possíveis recuos não podemos fugir ao fundamental debate de concepção partidária, do partido que queremos, e mais que isso, do partido necessário para cumprir as demandas socialistas que nos comprometemos.
     Enfrentamos hoje uma conjuntura de crise mundial do capitalismo e consequentes ataques à classe trabalhadora e populações marginalizadas. Num momento em que se apresentam grandes enfrentamentos torna-se ainda mais premente uma ferramenta partidária que possa organizar e dar sequência às demandas em luta. Precisamos de uma ferramenta coerente prática e ideologicamente, que apresente em sua própria organização e atuação interna traços do novo que propomos à sociedade, que seja plural, militante, democrática e que possa conduzir sua atuação com a necessária independência de classe, a partir do nosso autofinanciamento.
(...)
Para ler a íntegra do documento de contribuição ao debate sobre concepção partidária, CLIQUE AQUI



Para assistir a intervenção do núcleo no Encontro: http://www.youtube.com/watch?v=YAqwqJTNx5A&feature=youtu.be

sábado, 19 de novembro de 2011

Remoções forçadas não devem manchar as Olimpíadas no Rio

Os organizadores das Olimpíadas devem exortar as autoridades brasileiras a pôr um fim às remoções forçadas de centenas de famílias no Rio de Janeiro em meio aos preparativos para os Jogos Olímpicos de 2016, disse hoje grupos de moradores atingidos, ativistas locais, a Anistia Internacional e a WITNESS em uma carta conjunta ao Comitê Olímpico Internacional (COI).

Segundo as organizações, famílias em dezenas de bairros de baixa renda na cidade já perderam – ou estão sob risco de perder – suas casas à medida que as autoridades constroem infraestrutura para o evento esportivo internacional.

“Forçar famílias para fora de suas casas sem aviso adequado, sem consulta prévia com os atingidos e sem oferecer moradias alternativas adequadas ou remédios judiciais fere os valores que as Olimpíadas representam e viola as leis brasileiras e os compromissos internacionais do Brasil com os direitos humanos”, disseram as organizações.

“Os organizadores das Olimpíadas deveriam usar sua influência para pôr um fim a esta prática imediatamente, antes que seja tarde demais. O COI não pode ser conivente com abusos de direitos humanos realizados em seu nome, e deve condenar pública e inequivocamente todos os despejos forçados no Rio de Janeiro."

Favelas e assentamentos informais em torno da cidade já vêm sendo atingidos ao decorrer dos últimos 12 meses e mais comunidades estão sob ameaça de remoções futuras previstas pelas autoridades.

Grandes obras de infraestrutura, tais como a construção de três vias expressas de transporte (a Transoeste, a TransCarioca e a TransOlímpica), obras em torno do estádio do Maracanã e a modernização da área portuária já resultaram em graves violações. À medida que essas obras continuam várias comunidades – incluindo Vila Autódromo e Arroio Pavuna – estão lutando contra um despejo iminente.

Embora as autoridades do Rio de Janeiro afirmem que não ocorreram remoções forçadas e que todas as famílias atingidas estão sendo adequadamente indenizadas antes de perder suas casas, pesquisas independentes realizadas por ONGs locais, pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro e por organizações internacionais incluindo a Anistia Internacional e a WITNESS provam o contrário.

Nos casos mais graves, as autoridades chegaram em uma comunidade sem aviso prévio e começaram a derrubar casas e comércios.

No dia 22 de outubro de 2010, retroescavadeiras chegaram à comunidade da Restinga e começaram a demolir moradias e pequenos comércios que operavam na área há mais de 20 anos.

Edilson, morador e comerciante da Restinga, descreveu a operação:

“Dez horas da manhã eles chegaram com a máquina todas, polícia, aqueles policiais com aquela arma à prova de choque. E já chegaram desocupando os imóveis. Quem não queria sair eles pegavam aquela retroescavadeira, que está aqui hoje, e derrubavam a porta do morador. Subiam os guardas municipais em cima, entrava para tua casa e tiravam você à força e derrubava”.

Desde então, muitas das famílias que moravam e trabalhavam na Restinga perderam seus empregos e fontes de renda, enquanto crianças da comunidade não conseguiram transferência para novas escolas e acabaram perdendo meses de escola.

Ex-moradores da comunidade não receberam indenizações adequadas ou moradias alternativas adequadas, o que viola as normas internacionais de direitos humanos.

Este padrão de abuso tem se repetido em outras comunidades ao longo do último ano, com as autoridades muitas vezes passando meses pressionando moradores para aceitar baixas ofertas de indenização em vez de respeitar as garantias processuais e legais que devem ser observadas antes de um despejo. A intimidação é vista como uma tática para induzir as famílias a se mudar para, na maioria dos casos, regiões remotas longe de seus empregos, escolas e comunidades.

A situação ficou tão grave no início deste ano que a Relatora Especial das Nações Unidas para o direito à moradia adequada, Raquel Rolnik, interveio para exigir que o governo brasileiro “suspendesse as remoções planejadas até que um canal de diálogo e negociação pudesse ser assegurado com as comunidade atingidas”.
“Nós reconhecemos que as autoridades do Rio de Janeiro precisam entregar a infraestrutura adequada para garantir o sucesso e a segurança da Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016”, disseram as organizações.

“Mas isso deve ser realizado com um espírito de consulta e colaboração com as comunidades atingidas para assegurar que seus direitos sejam protegidos no processo.”

Para obter uma cópia da carta, por favor veja: http://www.amnesty.org/sites/impact.amnesty.org/files/AI-WITNESS letter to IOC Nov 2011.pdf [Carta para o COI, texto em inglês.]

Grupo invade aldeia e mata cacique em MS

Um grupo com cerca de 40 pessoas armadas invadiu na manhã desta sexta-feira 18 o acampamento de uma comunidade de índios Kaiowá Guarani, em Amambaí, Mato Grosso do Sul, e matou o cacique Nísio Gomes, 59 anos, com tiros de calibre 12. O ataque aconteceu por volta das 6h30 no acampamento conhecido como Tekoha Guaviry.

As informações são do Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Segundo a entidade, a vítima, depois de morta, foi levada pelos pistoleiros, como já havia acontecido em outros massacres cometidos contra os Kaiowá Guarani.

Ainda de acordo com o Cimi, a comunidade está em estado de choque. Devido ao nervosismo, ainda não se sabe se além de Nísio outros indígenas foram mortos. Outros dois jovens e uma criança teriam sido sequestrados pelo grupo.

“Estavam todos de máscaras, com jaquetas escuras. Chegaram ao acampamento e pediram para todos irem para o chão. Portavam armas calibre 12”, disse um indígena da comunidade à assessoria de comunicação do conselho. Ele contou ter presenciado o ataque e pediu para não ter sua identidade revelada.

Conforme relato do indígena, o cacique foi executado com tiros na cabeça, no peito, nos braços e nas pernas. “Chegaram para matar nosso cacique”, afirmou. O filho de Nísio tentou impedir o assassinato do pai, segundo o indígena, e se atirou sobre um dos pistoleiros. Bateram no rapaz, mas ele não desistiu. Só o pararam com um tiro de borracha no peito.

O pai foi morto na frente do filho. Após o ataque, cerca de dez indígenas permaneciam ainda no acampamento. Os demais, fugiram pela mata.

Na comunidade, vivem cerca de 60 Kaiowá Guarani.

Decisão é de permanecer

A situação na comunidade é tensa em razão dos processos de demarcação de terras indígenas em disputa, na Justiça, entre índios e fazendeiros. Desde o dia 1º deste mês os indígenas ocupam um pedaço de terra entre as fazendas Chimarrão, Querência Nativa e Ouro Verde – instaladas em Território Indígena de ocupação tradicional dos Kaiowá.


Cartuchos das balas de borracha atiradas pelos atacantes dos indígenas
A ação dos pistoleiros foi respaldada por cerca de uma dezena de caminhonetes – marcas Hilux e S-10 nas cores preta, vermelha e verde. Na caçamba de uma delas o corpo do cacique Nísio foi levado, bem como os outros sequestrados, estejam mortos ou vivos.

“O povo continua no acampamento, nós vamos morrer tudo aqui mesmo. Não vamos sair do nosso tekoha”, afirmou o indígena. Ele disse ainda que a comunidade deseja enterrar o cacique na terra pela qual a liderança lutou a vida inteira. “Ele está morto. Não é possível que tenha sobrevivido com tiros na cabeça e por todo o corpo”, lamentou.

A comunidade vivia na beira de uma Rodovia Estadual antes da ocupação do pedaço de terra no tekoha Kaiowá. O acampamento atacado fica na estrada entre os municípios de Amambaí e Ponta Porã, perto da fronteira entre Brasil e Paraguai.

Rocinha e a espetacularização da barbárie

Por Zé Rodolfo*

O que tem a ver a Rocinha, o Alemão, o Iraque e a espetacularização da ação policial? Recente publicação no wikileaks, comparava as UPP’s à tática de guerras imperialistas norte-americana. A velha máxima conservadora da defesa nacional, que até bem pouco reinava sem oponentes nos EUA, justifica “ocupações” de território pelo mundo. O filme fahrenheit9/11 (de Michael Moore) mostra  muito bem o uso que foi feito da ação ideologicamente.

No Brasil, a ideologia de “guerra às drogas” tem sido utilizada como mote para a intervenção policial nos territórios populares. O pedido que antes era relegado a loucos ou torturadores da política institucional, mas que ecoava no senso comum foi cumprido: “Bota o exército, pra subir o morro”.

O  que temos assistido é um processo perverso, onde o uso das forças armadas, a utilização de força desproporcional, armamentos pesados, revistas indiscriminadas e etc… produzem o espetáculo perfeito para na mais velha tradição “fascistóide”, criar unidade politica de todos em torno do inimigo comum, os traficantes.

Nesse cenário, se produzem mitos como o personagem “Nem” da Rocinha. Uma reportagem me chamou a atenção para o fato de que “Nem” havia trabalhado em serviços de limpeza na zona sul do Rio de janeiro até os 25 anos e somente posteriormente ingressou no mundo do tráfico. A reportagem usava esse discurso para nos mostrar como o tráfico foi uma opção consciente do franzino vilão da vez. Além de imaginar que o trabalho de “Nem” devia ser o mais adequado possível à acumulação capitalista contemporânea com super extração de mais valia a partir de baixas remunerações, exercício severo de controle do tempo de trabalho e vínculos precários.

A mídia burguesa ao trazer a tona esses fatos reforça a ameaça capitalista aos segmentos mais pauperizados e apela para que todos se satisfaçam com suas ocupações subalternas na ordem do capital, além de colocar mais lenha na fogueira da construção da caricatura adequada do vilão.

O efeito destas ações tem sido sim coibir algumas modalidades criminosas, provocando uma reestruturação espacial e de metodologia no trafico do Rio de Janeiro. O tráfico vai sendo expulso temporariamente das favelas e entra no fluxo de grande parte da população para outras áreas da região metropolitana do Rio de Janeiro.

A militarização da vida das camadas populares e a instauração da doutrina do choque nas ocupações e UPPs em territórios de favela têm produzido diversas reações da população que se vê alijada de exercer sua vida cultural e social da mesma forma e é exposta a toda sorte de violências psíquicas e/ou físicas nesses processos.

O  cenário é  de recrudescimento das  ações coercitivas das elites econômicas (muito bem representadas pelos governo do estado do Rio de Janeiro, do município do RJ e do Brasil) . Prisão e violência indiscriminada aos movimentos sociais se universalizam como método diante dos crescentes questionamentos frente ao avanço da privatização do Estado e entrega de setores estratégicos a grandes capitalistas, no mesmo momento em que há uma relação íntima entre governantes e grande capital, haja visto o escândalo do helicóptero de Eike Batista.

Em meio ao aprofundamento da barbárie capitalista no Brasil, e em particular na metrópole com aspirações mundiais do Rio de Janeiro, a espetacularização das ações policiais participam da disputa ideológica para legitimação da barbárie capitalista em curso.

É necessário ecoar a voz aos oprimidos e explorados, construir conjuntamente estratégias para a denúncia dos processos que violam direitos humanos, mas também o desvelamento da lógica perversa de uso ideológico do espetáculo da militarização em curso.

*Zé Rodolfo é  Assistente Social- Servidor UFRJ, Conselheiro CRESS-RJ.

O rancor contra a USP

Por Marcelo Rubens Paiva, no Estadão

“Além de maconheiro, você deve ser viado.”

Curiosa associação.

Esta é uma das muitas reações de carinho que recebi ao falar do conflito entre alunos da USP e a PM.

Dos mais de 400 comentários abaixo, o índice de reprovação dos acontecimentos é altíssimo.

E, claro, as agressões pessoais foram a tônica dos leitores: sou maconheiro, esquerdóide, analfabeto, autor de um livro só, cujo acidente me deixou paraplégico e burro, e a quantidade de drogas que tomei queimaram meus neurônios.

Uma fofura…

Ou não se entendeu o que queriam afinal os alunos da USP, ou um rancor contra eles domina parte da sociedade.

Percebi como tem gente que acha um desperdício o investimento do orçamento estadual em uma universidade pública.

Uma, não. Três [USP, Unicamp, Unesp].

Frequentadas por “vagabundos, maconheiros, depredadores dominados por correntes da esquerda radical”.

Um desperdício de dinheiro público.

Imaginei que fosse uma unanimidade a proposta de que o Estado deva investir pesadamente em educação, se quisermos dar um passo, sim, de gigante.

Além de vendermos pedras com ferro, soja e alimentar o mundo, poderíamos nos transformar numa força industrial e tecnológica.

Imaginei que a essência de uma Universidade fosse desenvolver o livre pensar.

As mensagens que os estudantes me passaram foram:

1. Esta PM não nos serve.

2. A política de repressão à posse de entorpecentes faliu.

3. A reitoria abriu mão de resolver os seus problemas, como a violência no campus, desistiu e chamou o Estado.

Leitores reclamaram que estudantes da USP não devem ter privilégios, que esta PM é a que temos. E que eles não querem a PM lá para poderem fumar seus baseadinhos livremente.

O governador do Estado reclamou que deveriam ter aulas de democracia.

Mas continuo concordando com os estudantes.

Não é a PM que deveria voltar à escola e aprender a combater o crime?

Esta PM é falida.

Não consegue lidar com os índices alarmantes de violência urbana. A corrupção corrói da base à cúpula. O traficante NEM acaba de declarar que metade dos seus rendimentos ia para a polícia.

Em todas as cidades existe a sua cracolândia, sinal de que, como disse a revista THE ECONOMIST, perdemos a batalha para o tráfico. Como sanar tal doença?

O DCE da USP entregou à reitoria meses atrás a sua proposta para conter a violência: iluminar o campus, descatracalizá-lo, tornar a Universidade aberta e  criar uma guarda universitária focada nos direitos humanos.
E reitoria desprezou. Preferiu chamar a força de repressão que fez de São Paulo uma das cidades mais violentas do mundo.

A cobertura de parte da mídia só alimentou o preconceito. Não se debateram ideias, mas a atitude de vândalos.

Prefiro uma Universidade que continue nos propondo novas ideias. Sim, gratuita. Aceito com orgulho que parte dos meus impostos vá para as universidades públicas.

Já estudei em duas e sei muito bem que elas não servem apenas à elite. Que há convênios com países africanos e latino-americanos. Que se estuda as raízes dos problemas e conflitos sociais. Que há núcleos de combate à violência. E que a força dos movimentos sociais é a alma da democracia e da justiça social.

E que numa Universidade livre, governador, repensa-se o papel do Estado.

Nem na época da DITADURA as ações dos estudantes eram unanimes.

Havia uma maioria silenciosa não engajada que não participava.

Isto não quer dizer que ela estava correta.

Muitos diziam que estudantes estavam lá para apenas estudar.

A História prova que dos estudantes veem as ideias de transformação.

É mais vantajoso escutá-los do que trancá-los ou reprimir com “borrachadas”.

No meio estudantil, longe das forças do mercado, nascem as grandes ideias.

Nasce o futuro.

O transbordo do copo de cólera - Entrevista com Michael Löwy

Juliana Sayuri - O Estado de S.Paulo

Quando era um jovem de 18 anos, estudante de ciências sociais na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), ainda nos tempos da Rua Maria Antônia, ele assistia às conferências de Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, José Arthur Giannotti, Otávio Ianni e Paul Singer, mentores que o convidaram a participar do prestigiado núcleo de estudos de O Capital. Aos 26, pupilo de Lucien Goldmann e laureado sociólogo pela Sorbonne, em Paris, foi estudar hebraico num kibutz e lecionar história na Universidade de Tel-Aviv, em Israel. Aos 30, com o Maio de 68 sacudindo a França, recebeu (e aceitou) um convite para lecionar na Universidade de Manchester, na Inglaterra. Em 1970, ainda longe dos 40, descobriu-se persona non grata no Brasil do general Médici, tornou-se um judeu paulistano sem passaporte brasileiro e se estabeleceu definitivamente em Paris para estudar Marx, Lukács e Guevara.

Agora, rejuvenescido aos 73, o sociólogo Michael Löwy anda entusiasmado com a volta dos estudantes às ruas brandindo livros de Marx e Walter Benjamin. "Não pode haver um movimento que não se refira às lutas, às vítimas, aos mártires e aos pensadores do passado porque nós nunca partimos do zero", diz. Objeto de estudo em As Utopias de Michael Löwy: Reflexões sobre um Marxista Insubordinado, de Ivana Jinkings e João Alexandre Peschanski (Boitempo, 2007), organizador de Revoluções (da mesma editora) e atualmente pesquisador do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) de Paris, nas últimas semanas Löwy acompanhou o noticiário da ocupação (e a posterior desocupação) da reitoria da USP. Interpretou como "faíscas" o clamor dos estudantes contra a presença policial e os berros por liberdade para se fumar maconha no câmpus. "O que se passa é muito maior que isso. Há uma indignação com a ordem das coisas no mundo. Um sentimento de cólera. E, diante dessa percepção de injustiça, os estudantes têm um papel essencial, começando movimentos de protesto. Não podemos subestimá-los." A seguir, a entrevista que Löwy concedeu ao Aliás, por telefone, de sua residência na capital francesa.

Estudantes ocupando praças em Nova York, Madri, ruas em Santiago, a reitoria na USP. Estamos diante de um arrastão de rebeldia ou são episódios isolados?

Não são episódios isolados. São parte de um processo internacional que lembra os anos 1960. Quando há um sentimento de injustiça e insatisfação na sociedade, os estudantes são os primeiros a se organizar e a protestar. Agora, na maioria dos casos, seja na Europa, no Chile ou nos Estados Unidos, não são apenas estudantes. É a juventude em geral. Os estudantes naturalmente têm um papel importante, mas é um movimento bem mais amplo, ao qual vão se agregando outros grupos - desempregados, trabalhadores, sindicalistas. Torna-se algo muito plural. O que há de comum é a indignação. Essa palavra está servindo como um sinal de identidade dos protestos. Há uma indignação muito grande que pode estourar por com um pretexto mínimo. No caso de São Paulo foi uma intervenção policial na USP. Mas poderia ter sido outra faísca.

Indignação com o quê? No caso da USP, pode-se ter a impressão de que é com a impossibilidade de fumar maconha no câmpus.

É muito maior que isso. Há uma indignação com a ordem das coisas no mundo. Um sentimento de cólera - e cólera com alta qualidade ética e política. O começo de qualquer movimento ou mudança social sempre se dá com um estado de espírito indignado, a começar na juventude. E fácil de entender o porquê de tanta indignação. Estamos numa situação em que a ordem social parece cada vez mais irracional, promovendo desigualdades gritantes, promovendo os excessos do mercado financeiro, a destruição do meio ambiente. As razões para a indignação são evidentes. Têm a ver com o sistema. Por mais que comece com uma história de maconha e confronto com a polícia, acaba se transformando em um protesto antissistêmico. Em última análise, o objeto de indignação é o poder exorbitante do capital mostrando a sua irracionalidade e desumanidade. Muitas vezes, isso é formulado explicitamente nesses termos. Outras, não. Mas a questão está subjacente em todos os protestos recentes. Nós, sociólogos, precisamos tentar entender por que isso não começou mais cedo. Porque as razões para a indignação já existiam. Pelo jeito, foi necessário uma acumulação de descontentamento e um sentimento de que não é mais possível tolerar tal situação. E de que é preciso se revoltar, sabendo ou não se se conseguirá impor alguma mudança. Há um imperativo categórico de revolta, no sentido kantiano. Há coisas que você precisa fazer, mesmo sem ter certeza de em que vai dar. E quanto maior a participação ativa dos jovens, dos estudantes e de outros setores, cria-se uma relação de forças que pode pelo menos impor limites ao sistema e, sobretudo, criar uma tomada de consciência. Isso talvez seja o mais importante: a tomada de consciência. O Ocupe Wall Street não conseguiu arranhar o capital financeiro, mas despertou consciência crítica em grandes setores. Eis um evento importante. Histórico até.

Ocupações, greves e passeatas ainda são formas eficazes de protesto?

São as formas clássicas de protesto, que reaparecem sempre. Mas também há formas novas surgindo. Por exemplo, a comunicação através dos meios eletrônicos, como o Facebook e o Twitter, que permitem uma mobilização muito rápida. E as mobilizações de agora têm um caráter festivo, lúdico, com música, dança, festa, o que é próprio da expressão da juventude. O Facebook e o Twitter têm lugar importante, mas não é o caso de mitificá-los. Eles não bastam. Para que alguma coisa aconteça, você tem que sair de sua casa, descer à rua, reunir-se com outras pessoas, ir lá, brigar, protestar, talvez enfrentar a polícia. Então, o Facebook é um suporte, não vai substituir a ação direta das pessoas.

A juventude tem voz além do Facebook? Ela se sente representada politicamente?

Pouco, porque a representação política está nas mãos de setores sociais mais acomodados e de "mais idade". Os jovens não se sentem representados. Há uma grande desconfiança em relação aos partidos e às instituições políticas existentes. Há certo rechaço a isso, muitas vezes com razão. Uma atitude cética diante da política institucional. Mas isso não quer dizer que haja desinteresse por eventos políticos. No meu tempo de aluno da FFLCH, nos anos 50, poucos estudantes achavam necessário ou sentiam vontade de se engajar em organizações políticas. Havia politização, mobilização em torno de determinadas causas, mas atividade política organizada era para uma minoria. Tenho a impressão de que atualmente a politização e a militância política são maiores do que nos anos 50, mas menores do que nos 60 e 70, durante a ditadura militar.

E podemos interpretar os protestos como um grito por participação política?

Analisemos o caso do Chile, que teve o movimento mais amplo até agora. Não é só um grito, é um protesto em cima de uma questão concreta: a privatização do ensino público desenvolvida no governo Pinochet, que não foi mudada pelos governos de centro-direita ou centro-esquerda que o sucederam. Trata-se de uma questão que concerne a todos os estudantes: o quase desaparecimento do ensino público gratuito, os preços exorbitantes da educação. E isso se coloca também no Brasil, na Inglaterra. Por toda a parte há essa tendência de transformar a educação em mercadoria, em indústria que deve dar lucro. E assim vai desaparecendo a educação pública gratuita, que era uma conquista de muitos anos de luta. O protesto dos estudantes chilenos começou criticando a privatização do ensino e depois tomou um caráter mais amplo, porque eles perceberam que os problemas na educação são parte de uma orientação geral de um sistema neoliberal. Notaram que esse modelo de educação é inseparável de questões maiores e, assim, o movimento ganha apoio de outros setores da sociedade.

A ideia de autonomia universitária está sendo colocada em xeque?

Autonomia universitária significa que o papel da universidade é transmitir conhecimento, cultura, ciência - e não mercadorias. Quando o papel do ensino se resume a permitir que estudantes adquiram um diploma, ou a prepará-los para encontrar um posto a serviço do management, do marketing, perde-se a qualidade humana, cultural e pedagógica da universidade. As universidades estão se tornando meras empresas voltadas para a produtividade, a racionalidade instrumental mercantil. E, obviamente, boa parte dos estudantes e professores resiste a isso, defende o estatuto da universidade como lugar de produção de cultura e conhecimento, com autonomia em relação ao mercado, à economia e às empresas.

No caso da USP, os estudantes se tornaram massa de manobra de partidos e sindicatos?

Não, pelo contrário. Há uma relação de desconfiança dos estudantes em relação aos sindicatos e sobretudo aos partidos. Uma parte do movimento sindical, geralmente a parte mais radical, se aproxima do movimento estudantil em busca de aliança. Mesmo que haja certo interesse dos jovens nessa aliança, ela não se dá com facilidade, porque os objetivos dos sindicatos são mais limitados. Os ritmos não são os mesmos, a cultura política não é a mesma. Então, há uma diferença que dificulta essa aliança. Mas, para os estudantes, é importante conseguir criar uma situação em que os sindicatos resolvam participar da mobilização. Isso tem acontecido no Chile, na Espanha, na Grécia, nos EUA. Longe de serem manipulados pelos sindicatos, esses movimentos de protesto têm grande autonomia. Eles buscam estabelecer a aliança, mas não no sentido de se tornarem apêndice dos sindicatos. Com os partidos políticos é mais complicado, porque a desconfiança é maior. Não há um único partido que controle ou manipule esses movimentos mundo afora.

Ao serem presos, estudantes da USP brandiam livros de Marx, Foucault e Walter Benjamin, imagens de Mao e Che Guevara. Essas referências continuam atuais?

É normal que cada vez que apareça um movimento de crítica antissistêmica as pessoas se refiram a personagens e pensadores que já exprimiram essa crítica. Então, Marx aparece como referência importante, porque ele foi o primeiro a elaborar uma crítica radical do sistema capitalista. Em muitos pontos, essa crítica é até mais atual hoje do que na época em que ele a escreveu. Fico feliz de saber que há estudantes que se referem ao pensamento desses autores. Benjamin tem uma reflexão profunda sobre o que é a modernidade capitalista, a ideologia do progresso. Ele dá elementos que Marx não dava. Guevara também é importante, sobretudo, como homem de ação e símbolo do compromisso ético com os ideais de libertação e emancipação. Tudo isso é necessário. Não pode haver um movimento, qualquer que seja, que não se refira às lutas, às vítimas, aos mártires e aos pensadores do passado, porque nós nunca partimos do zero. Mas, evidentemente, isso não basta. Precisamos também pensar com novos instrumentos teóricos para dar conta das questões que estão aparecendo neste começo do século 21. Por exemplo, a catástrofe ecológica que está se perfilando. Ela precisa de uma reflexão atual, utilizando elementos teóricos mais atualizados.

O sr. é um estudioso das revoluções dos séculos 19 e 20. Qual foi o papel dos jovens e estudantes nelas?

Depende, porque as revoluções são diferentes entre si. Em geral se pode dizer que a juventude sempre jogou um papel importante em qualquer movimento revolucionário. É uma constante. Movimentos revolucionários são levados por jovens, muitas vezes. Agora, se são estudantes ou não, isso depende da época, do país. Na Revolução Russa os estudantes não tiveram muito espaço. Na Revolução Cubana, sim. O Maio de 1968 em Paris foi um movimento totalmente estudantil. E um dos gatilhos foi a invasão da Sorbonne pela polícia. Na França, ainda hoje, a polícia entra raramente na universidade. Justamente porque se sabe que há o estatuto de autonomia das universidades e intervenções policiais provocam a reação dos estudantes. A polícia simboliza o autoritarismo do Estado contra a juventude, contra os estudantes. Esse choque com a polícia é frequente e, em certas circunstâncias, se transforma na faísca que mencionei antes, a que faz um protesto eclodir. Não podemos subestimar o papel dos estudantes nas revoluções.

Os da USP foram chamados de bichos grilos de grife, filhinhos de papai, rebeldes sem causa, maconheiros mimados... Como o sr. avalia esse tipo de tratamento?

Qualquer questionamento da ordem sempre é ridicularizado. Agora, sobre os estudantes serem meninos ricos... É uma mitificação, porque a maioria deles é de origem popular. Não são filhos de latifundiários, como eram os estudantes de antes da 2ª Guerra Mundial. Hoje em dia, a educação se tornou mais popular. Sobre a maconha: na minha opinião, não há razão para transformar o consumo de maconha em assunto de polícia. A maconha não é nem melhor nem pior do que o tabaco e a cerveja e tem um caráter bem diferente das drogas mais perigosas, como cocaína e crack. Então, essa reivindicação de descriminalizar o consumo da maconha me parece bastante razoável. Mas isso foi só um pretexto, porque em cima do tema se armou uma briga e, quando se manifestou o autoritarismo da polícia e do governo, aí assim o protesto cresceu. Muitos estudantes que aderiram à manifestação não o fizeram devido à questão da maconha e sim devido à repressão indiscriminada e arbitrária sobre alunos.

A sociedade brasileira clama por ordem?

Não é a sociedade em seu conjunto que se volta contra os estudantes com esse discurso de ordem e repressão. É a imprensa e os representantes da ordem e do governo. Eu me pergunto se parte da população não simpatiza com esses protestos da USP. Pelo menos foi o caso em outros países onde protestos dos jovens e estudantes se tornaram a expressão de um grande movimento popular. Não estou dizendo que isso vá acontecer já no Brasil, mas não há essa dicotomia entre jovens e estudantes de um lado e o restante da sociedade do outro. Essa separação é do interesse da classe dominante, dos governantes mais reacionários, como tentativa de mobilizar a população contra os estudantes.

O governador Geraldo Alckmin disse que os estudantes da USP precisavam de uma aula de democracia...

Nós sabemos que no Brasil não há nada mais democrático do que a Polícia Militar (risos). Ela tem uma tradição de várias dezenas de anos de democracia, não é? Democracia do cassetete - que não acho que deva ser a forma mais avançada de democracia. Não deve ser muito sério o argumento do sr. Alckmin. Uma intervenção policial brutal não tem nada de democrático.

Alguns autores contemporâneos, como o irlandês John Holloway, valorizam a articulação dos novos movimentos. Ao contrário do que dizia Marx, agora é possível mudar o mundo sem tomar o poder?

Holloway me deu o livro dele e pediu para que eu fizesse uma resenha, sabendo que eu iria criticá-lo. O livro Mudar o Mundo sem Tomar o Poder tem muitas ideias interessantes e toda a crítica que ele faz ao sistema me parece muito profunda. Mas acho que a proposta dele não faz sentido, porque qualquer ação social e política inevitavelmente implica uma forma de poder ou de contrapoder. O que se coloca é garantir que esse poder seja efetivamente democrático. O movimento, ele mesmo, tem formas de poder, de organização e de gestão democrática. Protesto, revolta e revolução, tudo isso não pode existir se não houver uma organização de uma forma de poder. Não podemos contornar a questão do poder, porque na política não existe vazio. A necessidade é que esse poder seja democrático. Essa é a resposta.

No livro Revoluções, o sr. destaca como os revolucionários muitas vezes são vencidos pela história. Os estudantes de hoje serão vencidos?

Não posso dizer. Mas podemos já constatar, nos países árabes concretamente, que esses movimentos de protestos da juventude não foram vencidos. Eles derrubaram duas ditaduras sinistras, na Tunísia e no Egito, com uma mobilização desarmada. Não estou dizendo que isso será uma regra, mas mostra que não há nenhuma fatalidade. As revoluções são sempre imprevisíveis, acontecem onde ninguém espera

SOCIÓLOGO E PESQUISADOR DO CENTRE NATIONAL DE LA RECHERCHE SCIENTIFIQUE (CNRS), DE PARIS

Polícia de NY tentou impedir mídia de registrar destruição

por Heloisa Villela, de Washington



Eram cinco mil livros. Uma biblioteca montada de forma espontânea e informal, ao longo dos últimos dois meses, que ocupava um dos cantos da Praça Zuccotti. A Polícia de Nova York juntou todos os volumes, misturou os títulos aos utensílios da cozinha comunitária, aos tambores, sacos de dormir e barracas. Com o apoio logístico dos garis municipais jogou tudo em grandes sacos de plástico e de lá, para os caminhões de lixo.

A resposta do movimento pacífico, que quer muito mais do que apenas uma praça da cidade, foi bem articulada por Gabriel Johnson, em entrevista ao programa de rádio DemocracyNow!:

“Um dos grandes erros de avaliação deles é achar que o movimento se limita ao parque. O movimento está em nossas mentes: é uma ideia. É estar aqui, as conversas que temos e que levamos conosco para qualquer lugar. Os grupos de trabalho continuam funcionando 100% e temos esta coisa maravilhosa chamada internet. Não sei se os policiais já ouviram falar disso, mas eles não podem fechar a internet. Eles podem até tentar, mas ainda assim teremos acesso às nossas ideias e ainda temos a habilidade e a oportunidade de dividir nossas ideias”.

A cozinha pública e comunitária foi proibida. Mas a criatividade deu conta do problema. A comida agora é feita há uma quadra do parque e vai, de mão em mão, sustentar quem está ali, sem cadeira, barraca ou qualquer outro aparato. Vídeos e mensagens continuam circulando na internet.

A operação para desmontar o acampamento e tentar calar o chamado Ocuppy Wall Street, deflagrada na calada da noite, foi muito bem pensada, apesar de ter fracassado em boa medida. As ruas de acesso à praça foram fechadas. Várias estações de metrô das redondezas também. A quadra escolhida como área física para dar voz ao que pensa boa parte da população americana se transformou em zona militar. É quase sempre assim: governos que se sentem ameaçados por ideias e questionamentos tentam barrar o fluxo com escudos e cassetetes.  Uma atitude que só confirmou o que vêm dizendo muitos dos envolvidos nesse movimento: não é apenas a economia americana que está falida. A democracia do país também foi pro brejo. Faz tempo.

No mesmo programa de rádio citado acima, o depoimento do policial aposentado do Departamento de Polícia da Filadélfia, Ray Lewis:

“Estou aqui porque estou cansado de ver o sofrimento de tantas pessoas enquanto 1% da população está acumulando toda a riqueza nas costas dos trabalhadores. A polícia faz parte dos 99%. Infelizmente, não se deram conta ainda. Mas o que eles estão fazendo é impor a lei dos ditadores, que são 1%. E eles também estão sofrendo cortes em suas pensões, tem seus salários reduzidos e nem se dão conta”.

O que surpreendeu foi a tenacidade dos que foram empurrados dali para fora. Dos que não são ouvidos e não se sentem representados pelo sistema-teatro bipartidário americano.  Mais de 200 manifestantes foram presos. A polícia prometeu devolver os pertences coletados durante a noite. Eles seriam depositados no Departamento de Saneamento Básico. Mentira pura. Conversando com os motoristas das caçambas, manifestantes descobriram que a ordem era clara: levar tudo para o lixão.

O que se deu em Nova York não foi uma ação isolada da Prefeitura. Em entrevista a BBC, Jean Quan,  prefeita de Oakland, na Califórnia, deixou escapar: “Acabo de participar de uma conferência telefônica com outros 18 líderes de cidades do país que estão enfrentando a mesma situação”. Outra não-coincidência foi a operação policial casada com a viagem do Presidente Barack Obama. Ele estava bem longe, na Austrália, quando tudo aconteceu.
A jornalista Amy Goodman, que apresenta o programa DemocracyNow! correu para o parque assim que soube da movimentação da polícia:

“Os poucos de nós da imprensa que conseguimos furar o bloqueio da polícia fomos limitados a uma área que fica do outro lado da rua, diante da praça Zuccotti. Assim que nossas câmeras foram ligadas, estacionaram dois ônibus diante de nós para bloquear a visão. Eu e meus colegas conseguimos nos meter no parque e subimos nos montes de barracas e sacos de dormir empilhados. A polícia tinha conseguido impor um bloqueio quase completo da mídia para evitar o registro da destruição”.

Não houve meio de evitar o registro.

A biblioteca, antes.

Torturador da ditadura sofre revés no STF

Por Aline Scarso, do Brasil de Fato


Em tempos em que se aprova a instalação de uma Comissão da Verdade, que pretende passar a limpo os anos de 1964 a 1985, uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) mostrou a confiança que muitos militares reformados têm na Justiça como caminho seguro para não pagarem pela violência que cometeram. Nem sempre conseguem, entretanto. 
General Ustra no Clube Militar
Foto: Aline Massuca/FolhaImagem
Em 3 de outubro, o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, conhecido torturador de militantes de esquerda e chefe do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) de São Paulo entre setembro de 1970 e janeiro de 1974, recebeu do ministro do STF, Ayres Brito, um preciso “não” a sua tentativa de utilizar a Lei da Anistia, de 1979, para suspender uma ação indenizatória por danos morais movida contra ele pelos familiares do jornalista Luiz Eduardo Merlino, morto em 1971 em decorrência de torturas sofridas enquanto esteve preso no local.
Em 27 de julho deste ano, foram ouvidas em São Paulo as testemunhas de acusação, que confirmaram que Merlino morreu sob tortura e que Ustra participou das sessões de maus-tratos.
Para se livrar do processo, a defesa do coronel reformado usou como base jurídica a decisão do STF, revelada em 29 de abril de 2010, sobre a Lei de Anistia. A partir da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153, ajuizada na corte pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), cobrava-se do Supremo uma interpretação mais precisa sobre o preceito de “anistia ampla, geral e irrestrita”, que resultou no perdão dos que cometeram crimes políticos e conexos no Brasil entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979.
O objetivo da entidade era evitar que o indulto também fosse concedido aos agentes do Estado que cometeram crimes comuns contra opositores, como homicídios, desaparecimentos forçado, abuso de autoridade, lesões corporais, estupro e atentado violento ao pudor. No entendimento da OAB, crimes políticos seriam apenas os que atentavam contra a segurança nacional e à ordem política e social, o que não era o caso, por exemplo, de torturas de indivíduos que já estavam presos e sob o poder do Exército. Esses seriam, segundo eles, crimes comuns. O entendimento dos ministros do STF, no entanto, foi o oposto.
Por sete votos a dois, eles decidiram que a Lei de Anistia valia para todos os casos, passando assim uma borracha definitiva nas punições de crimes cometidos por militares e policiais na época da ditadura. Foi com base nesse argumento que Ustra acreditou que não haveria mais razão para ser responsabilizado pela morte de Merlino.

Falso argumento
O ministro do STF Ayres Britto
Foto: Antonio Cruz/ABr
Paulo Esteves e Salo Kibrit, advogados do coronel, alegaram ao Supremo que a juíza Amanda Eiko Sato, da 20ª Vara Cível do Fórum Central de São Paulo, e o desembargador Luiz Antonio Silva Costa, do Tribunal de Justiça de São Paulo, teriam violado a decisão da corte em relação à interpretação da ADPF 153 quando negaram a suspensão da ação, requisitada pela defesa.
Esteves e Kibrit defenderam até mesmo a inexistência do crime. “Se não há crime, não há como condená-lo ao pagamento de indenização, muito menos declarar que praticou algum crime naquele período”, afirmaram no pedido.
Para o ministro Ayres Brito, entretanto, que avaliou o pedido de Ustra de forma monocrática, ou seja, livre da necessidade de consultar os demais colegas do Supremo, o entendimento foi outro. “O fundamento utilizado pelo ministro foi o mesmo que sustentamos em nossa petição. É justamente o fato de que a Lei da Anistia se voltou exclusivamente para as questões criminais, ou seja, os crimes cometidos durante a ditadura, seja de um lado, seja de outro. Não trata de responsabilidade civil”, explica o advogado dos Merlino, Claudineu de Melo.
“A Lei de Anistia, contudo, não trata da responsabilidade civil pelos atos praticados no chamado ‘período de exceção’. E é certo que a anistia (...) não implica a imediata exclusão do ilícito civil e sua consequente repercussão indenizatória”, destacou Brito em sua relatoria. A decisão foi comemorada pela família. “Nós achamos excelente o posicionamento do ministro. Nós já sabíamos do seu posicionamento no julgamento do ano passado da ADPF 153 no STF, quando ele foi um dos dois ministros que votaram pela não extensão da anistia aos torturadores”, lembra Ângela Maria Mendes de Almeida, ex-companheira de Merlino e uma das autoras da ação – o outro voto foi de Ricardo Lewandowski.
“Enquanto Ustra era chefe do DOI-Codi em São Paulo, Merlino foi torturado sob a sua vista e ele pessoalmente participou de algumas sessões de tortura. Em decorrência dessas torturas, o Merlino veio a falecer. Então estamos pedindo uma indenização por dano moral pois justamente o Estado, que teria o dever de protegê-lo, violentou até a morte o preso político”, complementa Melo.
Na opinião do vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo, Marcelo Zelic, “esse caso é uma oportunidade de o STF harmonizar a jurisprudência externa com a jurisprudência interna”, referindo- se ao acordo firmado pelo Brasil com a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que exige a investigação séria e a punição aos crimes cometidos pelo Estado no período, em respeito à jurisdição internacional sobre o tema.
“No momento em que um torturador diz que o Supremo tem que lhe dar respaldo, isso só pode acontecer se o STF romper com o pacto de San José da Costa Rica, da Convenção Americana de Direitos Humanos. E a única resposta possível ao cumprimento de uma sentença é o ‘cumpra-se’.
Não existe um jeitinho brasileiro de dizer que cumpriu sem cumprir”, pontua.

Brasil esconde a verdade
No documentário Cidadão Boilesen, de 2009, o diretor Chaim Litewski mostra que o coronel Carlos Alberto Ustra era próximo de Henning Albert Boilesen, empresário dinamarquês radicado no Brasil, presidente do grupo Ultragaz e mentor do esquema de financiamento do empresariado brasileiro à Operação Bandeirante (Oban), que reprimia, com extrema violência, os opositores do regime.
Criada em 1969 com a proposta de integrar ações de inteligência, combate e repressão à esquerda organizada ou não, a Oban, segundo historiadores, foi também o viveiro para a criação do modus-operandi do DOI-Codi, de cuja seção paulista Ustra assumiu o comando durante o governo de Emílio Garrastazu Médici.
Contra o coronel reformado, pesam mais de 502 denúncias de tortura, incluindo a de Merlino. Ângela Mendes, que assim como o então companheiro era militante do Partido Operário Comunista (POC), lembra bem o clima de terror instalado no Brasil durante um período em que os direitos civis estiveram completamente suspensos.
Os dois estavam na França com a tarefa de fazer uma série de contatos políticos quando decidiram voltar ao Brasil. Ângela conta que a “queda” de Merlino aconteceu em 15 de julho de 1971, pouco tempo depois de chegar ao país com seu passaporte legal para preparar as condições para que ela voltasse com segurança – ele morreu após quatro dias. A militante só poderia entrar em território brasileiro com outra identidade, pois “já estava condenada”, como ela própria diz. “Só não aconteceu nada comigo porque eu não estava no Brasil. Merlino voltou antes para preparar a minha volta, pois eu já estava clandestina e condenada”, recorda.

Testemunhas
“O que ficou claro com os depoimentos de testemunhas sobre a morte de Merlino é que mesmo que Ustra não o tivesse torturado com suas próprias mãos, ele estava presente quase sempre e indicava se a tortura deveria ser mais forte ou mais fraca, se deveria continuar ou não”, afi rma Ângela.
A Comissão da Verdade, projeto do governo que deveria esclarecer crimes como esse e restabelecer a verdade histórica para o país, corre o risco de falsear a realidade, como defende parte dos militantes de esquerda daquele período. Ângela também vê limitações. “Eu faço parte das pessoas que não estão de acordo com esse projeto. Participo do Comitê Paulista pela Memória, Verdade e Justiça e acho que, se for aprovado da maneira que está, é quase um fator negativo”, afirma.
Aprovada pela Câmara dos Deputados em 21 de setembro e pelo Senado na noite do dia 26, a Comissão da Verdade se propõe a averiguar os crimes contra os direitos humanos cometidos entre os anos de 1946 e 1988, diluindo a possibilidade de se investigar apenas o período da ditadura civil-militar.
Sem poder de punição, a Comissão ainda pode se deparar com a falta de autonomia financeira, administrativa e política. Nessas condições, deve investigar a autoria de crimes como tortura, homicídios, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres.
“A Comissão é um avanço. Agora, o que é lamentável é que tudo foi feito de modo a dificultar a apuração da verdade. Para averiguar todo esse período [1946-1988], a lei fixa um prazo de dois anos. Outra inconveniência é o problema do sigilo. Os militares que forem eventualmente ouvidos poderão alegar a questão do sigilo. Há tanto a impossibilidade de apurar quanto tornar público fatos que ocorreram”, argumenta Claudineu de Melo.

Nota Pública sobre a ocupação policial da Rocinha

Nós, organizações da sociedade civil e cidadãos do Rio de Janeiro, manifestamos a todos nossa preocupação com a situação que a Rocinha enfrenta neste momento. Exigimos do Governo do Estado e do Governo Federal que garantam que a ocupação de amanhã seja feita com total respeito aos direitos dos moradores e de suas famílias.

Há cerca de um ano, durante a ação a polícia no Complexo do Alemão, com apoio e participação das Forças Armadas, diversos crimes e abusos foram praticados por agentes públicos, no exercício de suas funções. No entanto, governantes, parlamentares, meios de imprensa e outras entidades ignoraram as denúncias feitas por moradores e por organizações da sociedade civil, e comprovadas posteriormente com a investigação feita pela Polícia Federal. inda hoje, casos de violações de direitos cometidas por soldados do Exército têm sido documentados no Alemão.

Acreditamos que todas as favelas e comunidades pobres do Rio de Janeiro têm o direito a uma vida com segurança plena garantida pelo Estado. No entanto, a presença estatal, obviamente, deve ser feita com o respeito absoluto a todos os direitos dos cidadãos que sempre viveram na Rocinha, e que não podem ser tratados como criminosos.

Estaremos atentos e não vamos tolerar:

- invasão da casa de moradores sem mandado judicial;

- abordagem policial truculenta;

- agressões, espancamentos e execuções sumárias;

- prisões arbitrárias, feitas sem qualquer prova;

- extorsão e roubo feita por grupos de policiais criminosos.

Esperamos ainda que os meios de imprensa cumpram seu dever de fiscalização da atividade policial e façam uma cobertura que relate com fidelidade e equilíbrio o momento delicado pelo qual as famílias que moram na Rocinha passam, não omitindo as denúncias dos moradores nem baseando-se exclusivamente na versão das autoridades policiais, como infelizmente a maior parte dos veículos de comunicação procedeu por ocasião da ocupação dos Complexos do Alemão e da Penha.

Lembramos, por fim, que não acreditamos que a paz seja alcançada através da violência. Exigimos que a cultura da favela seja respeitada e que os direitos a educação, saúde, moradia, entre outros, sejam encarados como prioridade pelos governos.

As entidades e organizações abaixo assinadas estão atentas e comprometem-se a receber e dar ampla divulgação a todas as denúncias comprovadas, de quaisquer violações de direitos que venham a ser cometidas na planejada ocupação.

Apafunk

Visão da Favela Brasil

Instituto de Defensores de Direitos Humanos - DDH

Movimento Direito para quem?

Justiça Global

CDDH Petrópolis

Rede Contra a Violência

Jornal O Cidadão - Maré

TV Tagarela - Rocinha

Revista Vírus Planetário

Movimento Popular de Favelas

Rede Nacional de Jornalistas Populares - Renajorp