segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Operação “Choque de Paz” na Rocinha: o sensacionalismo caro com a invenção de uma guerra

Por Roberta Duboc Pedrinha*

É lamentável assistirmos ao entrelaçamento entre as medidas do Governo do Estado do Rio de Janeiro e a propaganda sensacionalista midiática, de absoluta espetacularização… Que não é nem mesmo um  sensacionalismo barato, uma vez que o aparato bélico tem elevado custo para nossos cofres públicos. Trata-se de um sensacionalismo caro, dos figurantes ao armamento usado na cenografia, tudo cheio de efeitos especiais… Em manchete, o jornal O Globo on line (13 de Novembro de 2011) retrata em tom épico o que chama de: “Dia Histórico para a Rocinha e o Vidigal: Força de Paz ocupa a favela”, seguida da imagem de um blindado do Exército…

É precisao sublinhar que a presença do BOPE, das Forças Armadas (com 194 Fuzileiros Navais), da Polícia Civil, da Polícia Militar, da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, em um total de 3.000,00 homens, ou seja, com atuação conjunta de todos os entes da federação, com um monumental aparato bélico na Rocinha, não se aproxima em nada da idéia de “Forças de Paz”. É impressionante o falacioso nome da operação, batizada como “Choque de Paz”. Vale rememorar o que ocorreu quando George W. Bush produziu a guerra ao Iraque, em nome da paz mundial, informando que conduziria à liberdade e à democracia, o povo do país. Verificamos o saldo de mortos de mais de 1,5 milhões de pessoas, um país devastado, com o seu presidente executado à morte, cujas imagens foram expostas na internet. Mas acredito que esta operação carioca não almeja mortes, e sim, votos.


No Brasil, na cidade maravilhosa, as mega-operações, de magnitude assustadora, funcionam com um arsenal de guerra, cuja orquestração se manifesta como um show de horrores nas favelas para milhares de moradores… As mega-operações revelam-se como uma prática cotidiana, que já viraram rotina, do governo reeleito, que confunde flagrantes questões atinentes à Segurança Urbana com questões de Segurança Nacional, pela intervenção inconstitucional das Forças Armadas no Estado do Rio de Janeiro.


A afirmativa do ex-caveira e âncora da Rede Globo, de que há muitos traficantes e usuários na favela, tem que nos fazer refletir. Pois será que não há traficantes e usuários, dentro da própria Polícia, da própria Rede Globo, por toda a zona sul, por toda a Cidade, por todo o Estado do Rio de Janeiro, por todo o Brasil, e, por todo o mundo? Mas não é essa política de repressão que deve ser empreendida, que de modo covarde adentra, com os principais recursos bélicos – 4 helicópteros da Polícia Militar e 3 helicópteros da Polícia Civil, 18 blindados, e, centenas de fuzis e metralhadoras com até 700 disparos por minuto -, os espaços territoriais de segregação sócio-econômica, onde se situam os segmentos mais vulneráveis da população.

A cruel associação entre favelados e traficantes, entre pobreza e criminalidade, faz com que as Comunidades do Rio se tornem sempre o foco de visibilidade. Assim, enquanto a favela é o alvo da repressão, a grande mídia tira, da mira de sua lente, o verdadeiro tráfico internacional, que gera bilhões, bem distante da realidade das Comunidades da cidade maravilhosa.


No mundo, em mais de 100 anos de proibição, criminalização e penalização, não se reduziu o uso ou a venda das drogas. O enfrentamento bélico mata absolutamente mais pessoas do que as que morrem por overdose. O México declarou guerra às drogas, o que nem mesmo países bélicos como os EUA fizeram, e, o país está em guerra civil, quase 40.000 mortos nos últimos anos. Nós estamos com a maior taxa de autos de resistência (dispositivo criado na ditadura militar, em 1969, para ocultar os homicídios cometidos por policiais). Nos últimos anos, são mais de 1.000 mortos por ano, pela Polícia, pelos duvidosos dados oficiais, no RJ… Pois suspeita-se uma estimativa ainda bem maior. Trata-se da taxa de letalidade mais alta de todo o Brasil e de todos os governos anteriores do Estado do Rio de Janeiro…


Contudo, certamente, o Operação Choque de Paz na Rocinha, em plena Primavera de 2011, não tem como escopo mortes, mas sim difundir o medo, com uma mega-construção na imprensa do espetáculo, com interesses políticos eleitoreiros. Pois, sabe-se que não haverá resposta dos supostos traficantes, o que já havia sido anunciado dias antes pela mídia, muitos deles já fugiram, além do que, presenciamos a prisão sensacionalista do “Nem”, e, nem por isso nossas vidas mudarão… Prenderam o “Nem”, como antes dele, tantos outros, e, tantos ainda o serão, depois dele. Esta Operação consiste em um show particular do Governo do Estado. O estratégico é a fomentação do medo na população, a qual apavorada clama por políticas repressivas. Para acalmar o alarmismo produzido nada melhor do que aparecer com as pseudo-soluções rápidas, emergenciais, ostentatórias militarmente. Afinal, isso lhe renderá votos… Contudo, torço, e torçam comigo, para que políticas e políticos melhores nos acompanhem….


Mas até quando vamos ver o Estado insistir nessas medidas? Pois poucas são as políticas preventivas, as políticas públicas, educacionais e de saúde… Estas sim, podem salvar vidas. Todavia, sabemos bem a condição da Saúde Pública das pessoas no Estado, bem como da Educação Pública dos nossos jovens, entre as piores do Brasil… Precisamos parar de levar a guerra para as favelas! Precisamos dar fim à repressão! Precisamos de políticas públicas verdadeiramente sociais! Não podemos é entorpecer nossa razão com essa política do tigre de papel, que com toda sua força não consegue proteger aquilo a que, verdadeiramente, se propõe: a saúde, a integridade física e a vida dos seres humanos.


*Advogada. Professora e Coordenadora da Pósgraduação de Criminologia, Direito e Processo Penal da Universidade Candido Mendes (Ucam). Professora Concursada de Ciêncas Penais do Ministério de Justiça (MJ). Doutoranda em Sociologia Criminal pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESPUERJ). Doutoranda em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires (UBA). Mestre em Ciências Penais pela Universidade Candido Mendes (UCAM). Pós-graduada em Criminologia pela Universidade de Havana (UH). Membro Permanente da Comissão de Direitos Humanos do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). Ex-Coordenadora de Sistema Penitenciário e Segurança Pública da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Rio de Janeiro (OAB-RJ).

2 comentários:

  1. Olha... eu não tiro de forma alguma a responsabilidade do Estado de dar educação de qualidade, saúde, saneamento, etc... Mas convenhamos que não fazer nada contra o póder paralelo - sim, ele existe, não é invenção da midia fascista - que, gostando ou não, oprime sim e mata sim as pessoas da comunidade. Eu vejo nessa ação de ocupação das comunidades a tentativa de dissociação de traficante e comunidade. Não vamos esquecer as milícias, que aliás, estão se tornando poder tão grande quanto o tráfico, talvez maior, não vamos esquecer as reformas básicas, não vamos esquecer a introdução do povo das comunidades no mercado de trabalho regular, mas também não vamos esquecer que essas pessoas viviam sob a mira de um rifle 24h por dia. Quem realmente acha que traficante cuida da comunidade merece ter um em sua casa, estuprando sua filha e te decapitando caso você reprove a ideia.

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  2. Desculpe, faltou um pedaço ali... mas tá implicito o que eu quis dizer

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